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sábado, fevereiro 25, 2006 

Nuclear ou não nuclear, eis a questão

Um pouco de surf na blogosfera tal como me sugeriu a sabine ali em baixo permite perceber que existe alguma confusão quanto à natureza do actual debate sobre o nuclear.
Surpreendeu-me em particular o post do Paulo Querido, uma pessoa que com alguma frequência faz observações que me parecem de grande lucidez e pertinência, em que afirma:
"Por um conjunto de razões similares às que me fizeram andar com o crachá Nuclear? Não, obrigado! ao peito nos anos 80 (há um quarto de século...) hoje tenho um pin que diz Nuclear? Sim, por favor!."
Como nunca usei nenhum badge e sempre pensei que as hipóteses abertas pelo nuclear em nenhuma circunstâncias deveriam ser postas de lado uma vez não é de agora a poluição dos combustiveis fósseis, nem as emissões de CO2, nem os "choques" petrolíferos... prefiro interrogar-me:
Sobre o que é o debate?
É sobre a possibilidade de se utilizar essa tecnologia ?
Ou é sobre a necessidade de em Portugal se construir neste momento uma ou mais centrais nucleares?
É que há uma diferença entre "o nuclear" e "o nuclear aqui e agora".
Se falamos da primeira discussão, parece-me apenas de bom senso considerar necessário desenvolver pesquisa sobre as formas nos libertar da dependência dos combustíveis fósseis evitando o brutal choque que acontecerá à nossa civilização quando aqueles se extinguirem sem serem substituídos e reduzindo drasticamente a emissão de gases para a atmosfera.
Nessa linha tem de trabalhar-se e investir-se para melhorar a eficiência do nuclear, das eólicas, do fotovoltaico, procurar lançar as bases de uma "civilização do hidrogéneo" sem esquecer os melhoramentos nas formas de produção de energia convencionais.
Se for esta a questão, estarei de acordo com o Paulo Querido.
Se falamos da segunda questão, a construção de uma ou mais centrais nucleares aqui e agora, coloca-se uma outra ordem de problemas.
A forma como tem sido promovido o debate, a pressão evidente que os seus promotores tentam fazer sobre o governo no sentido de tomar uma decisão rápida, faz lembrar aqueles vendedores que nos pedem um preço exorbitante por um carro em segunda mão em que estamos potencialmente interessados:
"Olhe que tem de decidir depressa, até porque já temos duas pessoas interessadas".
Se é a este "debate" que o Paulo Querido se refere, acho que ele está errado.
Há suficientes indicações de que o sistema proposto é um sistema convencional com riscos potenciais graves ( basta UM acidente sério para riscar do mapa em termos práticos uma área significativa do nosso reduzido território) que não nos tornará independentes nem produzirá a tal energia barata, gastará em abundância um recurso natural escasso, a água sem hipóteses de reutilização e contribuirá fortemente no seu processo de fabrico para a emissão de CO2 .
É que a energia nuclear nem sequer altera significativamente o panorama dos combustíveis, que são fundamentalmente gastos em transporte, e os mesmos ganhos (ou mais) em electricidade podem ser obtidos com o melhoramento do desempenho energético dos edifícios e a generalização de dispositivos mais eficientes como os que indico no post abaixo.
A parte chata é que enquanto uma central ou meia dúzia serão responsabilidade de um empresário ou grupo de empresários, a eficiência energética considerada globalmente é um problema de todos, colectivamente em que cada um deve assumir a sua quota parte de investimento e responsabilidade.
O que levanta um outro problema de fundo a quem se preocupa frequentemente com "o País" e as razões do seu atraso atávico, esquecendo que o país somos nós, pessoas.
Por um lado a solução milagreira, um empresário providencial serve uma ou duas centrais para a mesa do canto e o problema está resolvido, podemos continuar na nossa vidinha de sempre tranquilizada que está a nossa angustiante preocupação com "as emissões de CO2".
Por outro lado a solução menos glamorosa de cada arquitecto obrigar-se a um sentido ético tão apurado quanto o estético, cada construtor cumprir os regulamentos de construção, cada investidor imobiliário perceber as consequências das soluções estéticas espalhafatosas, cada cidadão investir na aquisição de dispositivos mais eficientes e preparar-se para outros hábitos de consumo. Exige educação e empenho a vários níveis.
Se calhar custa mais do que uma ou duas centrais nucleares.