domingo, dezembro 31, 2006 

La melée

O Liberation dá conta de uma série de processos em curso nos tribunais franceses.
Num dos casos, um indivíduo, ao que parece também ele um "artista", está a ser julgado porque escaqueirou um urinol "ready made" assinado pelo Duchamp. A defesa pretende que a indemnização a pagar seja o preço de um urinol de série idêntico ao assinado pelo Duchamp. O Centro Pompidou pretende 2,8 milhões de euros...
Noutro processo, a fotógrafa Bettina Rheims foi condenada por tirar partido numa série de fotografias de mulheres, de uma discreta intervenção de um artista conceptual, Jakob Gautel.
Num terceiro processo, o comprador de uma obra de Daniel Spoerry exigiu uma indemnização ao aperceber-se que a obra que adquiriu, se bem que assinada pelo artista, foi "materialmente realizada" por uma criança de 11 anos.
( curiosamente, numa busca rápida que fiz sobre o Daniel Spoerry, encontrei esta imagem de uma das suas obras fotografada por um amigo dele, que incluiu na foto o seu filho de 11 anos... mais um processo?)
Casos que expõem uma série de contradições da arte moderna, ou se quisermos, da arte em geral. Para baralhar o leque das contradições, o facto de tudo ser decidido por juízes, nos tribunais. Prova que o mundo da arte não está assim tão afastado dos assuntos terrenos e da sua conflitualidade. A Arte está viva?

 

Nada se move

Há sempre um mercado para as tiradas sobre os tempos pré-apocalípticos que atravessamos.
Em todos os tempos.
Ainda outro dia vi o Salazar num documentário a elogiar um sacana qualquer atribuindo-lhe uma integridade rara "nos tempos que correm".

 

Missão cumprida

A ETA uma conseguiu finalmente uma boa vitória para os conservadores espanhóis.
Noutro planeta, o líder da esquerda abertzale, garante em tom jesuítico que o processo, "no esta roto"...

 

Corda aos sapatos

2006 quase já era .
Tal como o Fidel, envia todavia uns blips esperançosos de última hora. É da praxe.
2007 está-lhe às canelas, apressa-se a tomar o seu lugar, prenhe de promessas de grandes novidades.
As do costume.
Se tudo correr mais ou menos bem, vemo-nos lá.

sábado, dezembro 30, 2006 

Estertores de 2006

Noites de desassossego.
Não sei a propósito de quê, vejo-me envolvido numa luta reinvindicativa de agricultores franceses.
Faço de chofer.
Encontros em cruzamentos mal iluminados a meio da noite.
Frio.
O representante dos homens do Alto Loire, de cabelo preto e encaracolado, usa um cap aos quadrados, um casaco de bombazina verde, e ostenta patilhas de ribatejano.
Acompanho um sujeito da Alsácia, alto revolucionário, má catadura, agitado, estilo Depardieu em "Les valseuses", num périplo de contactos em barracões e armazéns à margem de estradas tortuosas.
Apercebo-me de uma luta surda entre várias facções.
Num encontro, o meu pendura atira que uns camaradas não divulgaram informação adequada sobre um tal assunto.
"Comment?" responde um outro malabar sobraçando uma pasta de sindicalista a abarrotar de documentação.
De regresso a um ponto nevrálgico atravessamos uma aldeia.
Um vulto suspeito aproxima-se do meu carro. O alsaciano entra em stress. Começa a tremer.
Entreabro o vidro e o outro passa ao meu companheiro um pacotinho discreto.
Num frenesi, o sindicalista tira um elástico do bolso, faz um garrote no braço e desata a injectar-se nas minhas barbas.
Belas lutas...

 

Edificação

Bom, finalmente lá se viram livres do homem.
Não cabe aqui lamentar ou exaltar a sorte de um gangster .
Apenas assinalar o espectáculo do funcionamento da justiça para edificação dos bárbaros.
Uma palhaçada de julgamento; uma sentença, a pena de morte, indigna à luz dos princípios democráticos.
E depois, o estilo: de surpresa, às escondidas, de noite, obra de encapuçados.
Algumas pessoas vêem nisto a hora exaltante do ajuste de contas, o resumo de tudo o que segundo elas justifica a presente situação.
Como nas bandas desenhadas dos super-heróis, os estragos feitos pelo caminho não contam.
Afinal tratava-se pura e simplesmente de limpar o cebo a um criminoso.
Assim mesmo, limpar o cebo a um criminoso.
Décadas de cultura democrática atiradas para a valeta.
E o pior é que há aí gente empanturrada de erudições várias a estabelecer paralelismos entre a queda do império romano e as invasões bárbaras. Como se os novos bárbaros viessem de fora.