quinta-feira, abril 29, 2010 

Comer com gosto

Reproduzo com gosto um excelente texto de Margarida Silva, também publicado no Ambio.

"Deve haver poucas pessoas que não gostem de comer, e eu não sou uma delas. Gosto de experimentar receitas das sobremesas mais exóticas, amassar pão à procura do mais genuíno sabor, ficar-me esquecida nas livrarias a apreciar livros de cozinha recheados de resultados impossíveis de obter em casa. Mas não sou de olhar só para o resultado: os meus ingredientes escolho-os com cuidado e atenção porque é a minha família, a saúde e boa disposição de todos, que está em causa. E, neste capítulo, sou muito tradicional: procuro o melhor, sem compromisso. Por exemplo, se olho para a lista de ingredientes de uma embalagem de comida e vejo números além dos nomes... é porque foi feito no laboratório e não no campo. E o que sai do laboratório, pela minha lógica, não pode ser comida.
Mas mesmo eliminando o que inclui números ainda sobra muita coisa que não entra no meu carrinho de compras. Por exemplo, não aprovo ingredientes que, há cem anos apenas, ninguém usaria na cozinha, mesmo se começarem pela palavra Vitamina, ou jurarem que fazem bem aos intestinos. E depois ainda há aquelas comidas que se querem fazer passar por outras – chamo-lhes os travestis. Margarina e bolachas com "sabor" a chocolate são bons exemplos, mas os adoçantes que querem fazer de conta que são açúcar para poupar nas calorias são talvez daqueles a quem mais cuidadosamente barro a porta de casa. Quando tenho dúvidas, aplico uns testes muito simples: pode ser produzido numa quinta, ou pescado no mar? Percebo como passa do estado original para a embalagem final? Se a resposta é não, é porque não é para mim. Isso leva-me a passar ao lado de quase todo o pão dos supermercados e padarias, repleto que está de "melhorantes" e "enzimas", ou ainda da míriade de outros alimentos com espessantes, corantes, estabilizantes ou demais maravilhas da tecnologia alimentar.
Claro, a maneira como a comida é processada também conta, não basta escrutinar os ingredientes. A radioactividade, por exemplo, pode ter muitos fins úteis, mas comida irradiada rima com comida doente... e que nos põe doentes a nós. E a aplicação de radiação electromagnética (vulgo forno de microondas) garantidamente também não foi pensada para nos trazer mais saúde. Quanto ao leite UHT, o tal que ainda está igual a si próprio mesmo após seis meses de esquecimento no fundo do armário, bem, arranjem leite do dia pasteurizado, encham um copo de cada um e façam o teste à família toda, a ver se não distinguem o que ainda sabe a leite daquele que do leite já só tem o aspecto.
Na busca da comida como "nos bons velhos tempos", gosto de reparar também nos ingredientes "invisíveis". Prefiro, tal como a restante população europeia, que as minhas hortaliças sejam sem pesticidas, o meu leite sem antibióticos e a minha carne sem hormonas... mesmo se trouxerem o selo europeu de autorizado. Se for do campo e não de aviário ou de aquacultura, melhor. E sendo colhido e comido na época, melhor ainda.
E que dizer da mais moderna de todas as invenções alimentares, os alimentos geneticamente modificados, ou transgénicos? Já ouvi as sete maravilhas sobre eles: mais nutritivos, mais duradouros, mais limpos de pesticidas, muito estudados e seguros, até a fome no mundo e a crise energética (através de biocombustíveis) eles se preparam para resolver. Mas eu confesso: a primeira vez que comprei óleo de soja e depois verifiquei pelo rótulo que continha soja geneticamente modificada senti um aperto abaixo do estômago que nunca me engana. Esta comida transgénica pode ser apropriada para cobaias de laboratório, mas não é comida de gente. Mas claro, o problema é poder escolher. Para já anda por aí soja e milho transgénico, mas já este ano a Comissão Europeia pretende aprovar arroz transgénico. Arroz! O mais castiço dos cereais que comemos em Portugal!
Fui informar-me e fiquei a saber que os portugueses são os "chineses" da Europa: cada um de nós come em média 17 quilos de arroz por ano, enquanto que os italianos, que estão em segundo lugar atrás de nós, não comem mais que uns míseros sete quilos. Os dinamarqueses, coitados, não sabem o que é arroz doce e não vão além de quilo e meio por ano. E agora, querem abrir a nossa porta ao arroz transgénico?! Isso é, para a gastronomia, o mesmo que deitar abaixo o Mosteiro dos Jerónimos seria para a nossa história e cultura!
Senhor Ministro da Agricultura: espero que goste de arroz de ervilhas, de arroz malandro, de arroz de forno e de arroz de pato. Espero, em suma, que goste de arroz, porque ser português também é isso: durante a última grande guerra devemos em grande parte ao arroz a nossa sobrevivência alimentar. Quando se sentar em Bruxelas e chegar a vez de votar o arroz transgénico, Senhor Ministro, vote por nós.

Margarida Silva, bióloga
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quarta-feira, abril 28, 2010 

Pitéu envenenado

E agora auto-organizemo-nos pela campanha da Plaforma Transgénicos Fora contra o arroz transgénico.

O site da Plataforma está completíssimo para quem se queira informar sobre o tema, pelo que seria supérfluo eu estar aqui a escrever mais sobre o assunto.

 

Auto organizadinhos

Especula-se sobre quão desejável seria se a humanidade vivesse de forma auto-organizada, sem imposições externas, ditaduras, classes, polícias, finanças, estados, em suma, os mecanismos sociais artificiais que tolhem a nossa liberdade, nos impedem de ser "nós próprios"... sem constrangimentos que não os impostos pela natureza manifestando-se na genética, no clima, nos condicionalismos geográficos e naturais, dos rios, planícies e montanhas, florestas e desertos, aos vulcões, aos tremores de terra e aos maremotos, a quais a humanidade reagiria "automaticamente" em comunhão e harmonia com a natureza.
Infelizmente esta expectativa baseia-se parcialmente em pressupostos de ordem religiosa.
Os condicionalismos naturais mantém-se, apesar da transformação que a espécie humana opera sobre eles consciente e inconscientemente, mas, não existindo Deus, nem outros entes exteriores que nos determinem, a forma como vivemos corresponde à auto-organização da espécie humana na sua adaptação ao meio envolvente. Essa auto-organização inclui a religião, a crença (inútil) na nossa origem extraterrestre, o estado, as ditaduras, os condicionalismos sociais "artificiais" e muitos outros aspectos, uns conscientes, a  maioria, inconscientes.
A anarquia é, infelizmente, "anti natural".

terça-feira, abril 27, 2010 

Força neles

Nos Estados Unidos, um sinal de que se começa a perceber que a passividade não é a melhor forma de lidar com os líderes do ultra reaccionário "movimento de base" "Tea Party".
Dylan Ratigan, apresentador de um programa de televisão da MSNBC, tirou do ar Mark Williams, um dos lideres do movimento por tentar chutar para canto quando confrontado com a acusação de não se demarcar de nazis e anti semitas.
Convém ter em mente que o "tea" é na realidade uma mixórdia onde pulula tudo o que é racista, fascista, fanático religioso e inevitavelmente ultra-liberal  que existe na sociedade americana. Como o chapéu de tudo isto é a luta contra o "big Government", não admira que os hipócritas da Economist digam que America's most vibrant political force at the moment is the anti-tax tea-party movement.

 

Endurance

" O custo de vida aumenta
O povo não aguenta "
É uma palavra de ordem repetida em tom lancinante, anualmente, desde há décadas, na manifestação do 25 de Abril.

sábado, abril 24, 2010 

Os ricos que paguem a crise

Não há dúvida que o "rigor" de contas é muito importante para a "iniciativa privada".
A notícia do dia, que se me deculpe o populismo (barato, como soe dizer-se...) é o caso do fantástico empresário de sucesso João Rendeiro que ganhou cerca de 3 milhões de euros no ano em que o seu banco estoirou. E já relevo as histórias de fugas ao Fisco (realmente, também quererem roubar uns milhões ao senhor, fruto do seu "trabalho", não lembra a um careca, há aí tanto reformado com IRS atrasado para chatear..., tanto desempregado para repartir os "sacrifícios" que "todos" temos de fazer...).
Tudo isto num clima em que surgem novas notícias de vigarices envolvendo um dos mais prestigiados casos de sucesso da banca de investimento, o Goldman Sachs...

 

Iliteracia tituleira?

Cada vez mais tem de haver um cuidado enorme na forma como se recebe o que é publicado na imprensa. Recentemente saiu na secção de Economia do Público, um artigo cujo título sugeria que Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia engrossou o número dos economistas que "prevêem" a falência de Portugal.

Só que quando se lê a entrevista de Stiglitz ao El País, a fonte de onde foi extraída essa alegada tomada de posição, a possibilidade de falência de Portugal é apresentada num contexto bastante diferente, tal como Paulo Pedroso chama a atenção.

sexta-feira, abril 23, 2010 

Koan

Não podemos "andar à porrada com a natureza", concluiu o mestre Alberto João no rescaldo das recentes inundações na Madeira.
Mas quando a "nossa" natureza nos leva a comportamentos colectivos próprios da pura estupidez "natural",  que fazer? Andar à porrada com a natureza... humana?

 

Franciscana

Alguém compreenderá que seja impossível para quem suba a Avenida da Liberdade ao final da tarde encontrar UMA ÚNICA esplanada decente para tomar um copo, ler um livro e aproveitar o tempo?
Na Alexandre Herculano zero, na Braancamp...idem, o Principe Real está em obras, na Rua da Escola Politécnica nada, no Largo do Rato há uma coisa mínima e pouco convidativa com três mesas metálicas a cair pelo declive do passeio abaixo... um imenso deserto, um buraco negro de convivialidade do centro da cidade às Amoreiras, deveras que vivemos na capital de um País civilizado?
Quero o piolho, porra!

 

A palavra certa

Irresponsáveis.
Em todos os sentidos da palavra.

terça-feira, abril 20, 2010 

Porque o considero um texto muito importante  para a discussão do Manifesto "The Empire Strikes Back", transcrevo o artigo de António Costa Silva, presidente da Comissão Executiva da Partex Oil and Gas e Professor do Técnico, publicado Sábado, 15 de Abril, no caderno de Economia do Expresso.
Como não encontrei uma versão on line do artigo, recorri a uma digitalização do jornal feita com um programa de OCR, que depois editei, pelo que quaisquer erros de transcrição são da minha exclusiva responsabilidade.
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Manifesto: O tempo não volta atrás

O manifesto de 36 cidadãos a exigir um debate público sobre a politica energética e "uma avaliação técnica e económica independente e credível de forma a ter em conta as alternativas disponíveis com o objectivo de reduzir os preços da energia” é uma iniciativa positiva porque a energia é um assunto demasiado sério para ser deixado apenas nas mãos dos políticos.

No entanto, à medida que se lê, a decepção começa a apoderar-se de nós. O Manifesto revela falta de rigor, falta de perspectiva na análise, exibe um preconceito irracional contra as energias renováveis, não aponta alternativas e ignora que hoje não se podem discutir as questões energéticas sem analisar a segurança do abastecimento, os efeitos ambientais e os compromissos assumidos para a redução das emissões de CO2.
Mas vamos por partes.

1. Falta de rigor.

O Manifesto diz: "Para ilustrar a incapacidade da actual política para reduzir a nossa dependência energética, bastar referir que em 2008, último ano de que existem dados publicados pela DGEG, o saldo líquido da factura energética portuguesa atingiu o valor de €8.219 milhões, ao passo que em 1998 não ultrapassava €1.464 milhões".

Os autores esquecem-se de dizer que o principal efeito que há aqui é o do preço do petróleo, pois em 1998 o barril estava a 10 dólares e o preço médio em 2008 foi de 103 dólares por barril, 10 vezes mais. Esse é o principal factor que explica o aumento exponencial da factura energética, que 75% do seu valor tem a ver com a importação de petróleo. E, ao contrário do que dizem os autores, os volumes importados têm vindo a decrescer. No caso do petróleo, Portugal importou 322.000 barris por dia em 1998 e 286.000 em 2008, sendo que desde 2002 se assiste a uma tendência clara de declínio. O argumento pode virar-se contra os autores: será que este declínio prova que a aposta em energias renováveis está a contribuir para atenuar a dependência energética do exterior?

2. Falta de enquadramento.

O Manifesto diz: "A actual política energética tem vindo a ser dominada por decisões que se traduzem pela promoção sistemática de formas de energia 'politicamente correctas', como a eólica e a fotovoltaica, mas que apenas sobrevivem graças a imposicões de carácter administrativo que garantem a venda de toda a produção à rede electrica a preços injustificadamente elevados". Não há formas de energia ‘politicamente correctas'. Há, sim, formas de energia que existem no país, são mais seguras do ponto de vista do abastecimento e podem e devem ser aproveitadas para diminuir a dependência do exterior, para construir uma indústria nacional de base tecnológica, para criar emprego e para reduzir as emissões de CO2 melhorando o ambiente.

Concordo com os autores quando dizem: "A subsidiação do sobrecusto das renováveis não pode constituir uma prática permanente". Há coisas que com certeza podem ser optimizadas mas não deitemos fora o bébé com a água do banho: as energias renováveis podem e devem ser uma aposta estratégica porque são recursos endógenos tendo alguns condições para serem competitivos. Se não, temos de perguntar: quais são as alternativas?

Carvão que tem de ser importado e é altamente poluente?

O nuclear que deve ser debatido mas suscita interrogações devido aos custos envolvidos e gestão dos resíduos?

Faz sentido abdicar de recursos próprios que têm percorrido o seu caminho de afirmação e que no caso da energia eólica é hoje já muito competitiva, para voltarmos atrás, destruirmos o cluster da industria nacional criada, provocarmos mais desemprego, abdicarmos da endogeneização das tecnologias entretanto feita e passar a importar mais carvão ou importar a tecnologia nuclear com todos os custos associados?

E há outro factor: o Manifesto só discute a electricidade que representa apenas 25% da matriz energética portuguesa. E os transportes que são de facto o problema mais sério e profundo?

3. O preconceito contra as energias renováveis

Está patente ao longo do Manifesto e daí poder-se-ia concluir que a aposta feita em Portugal nas energias renováveis seria um erro tremendo.

Não é: em 2008 a capacidade instalada de energia eólica no mundo cresceu 30% só nos EUA cresceu 50% e países como a Alemanha, Espanha e China estão na linha da frente. No caso da energia solar em 2008 cresceu 69% com paises como a Alemanha, Espanha, Japão e EUA na linha da frente. Os investimentos em energias renováveis mais do que duplicaram entre 2004 e 2006, antes da crise, representando cerca de 10% dos investimentos globais em energia. Nunca tinha acontecido antes e isto mostra que algo mudou. 0 que se passa é que de facto esta aposta aparece no quadro de um novo paradigma energético que procura diminuir a dependência dos combustíveis fósseis aglutinando quatro tendências essenciais:

- maior electrificação do sistema energético (até 2030 o crescimento do consumo de electricidade vai ser o dobro do do petróleo);

- a descarbonizaçao com redução das emissões de CO2 (e por isso a geração eléctrica e térmica com base nas renováveis faz todo o sentido);

- a localização com a descentralização da produção e

- a optimização com base nas redes inteligentes (smart grids).

4. Visao estatica da tecnologia

O Manifesto diz: “a natureza intermitente e incontrolável das energias eólica e foto-voltaica torna-as incapazes de satisfazer não só a totalidade do consumo, como a potência necessária em determinadas horas do dia e épocas do ano, o que exige que se continue a dispor de centros produtores controláveis de substituição e a recorrer com frequência a importações de Espanha".

Sejamos claros: são os preços e a tecnologia que vão dirigir a transição energética e por isso a preocupação dos autores com os preços é importante. Mas não podemos hoje ignorar que as escolhas políticas e sociais são críticas e por isso eu prefiro que essas escolhas sejam feitas na base do novo modelo energético que vai emergir, descentralizado e mais sustentável, do que na base do modelo rígido e centralizado em vigor. Todas as opçõe deste manifesto estão alinhadas com o passado quando o que precisamos é olhar para o futuro. A invocação da intermitência das energias renováveis para cercear o seu desenvolvimento levar-nos-ia pela mesma ordem de razões a condenar a energia hidrica e até a biomassa que já foi a fonte principal de energia e hoje desempenha um papel relevante. Ora acontece que um novo desenvolvimento tecnológico está a emergir: as redes inteligentes. Este novo conceito de rede usa as tecnologias de informação para gerir os fluxos eléctricos e tem em conta que os consumidores podem ser também produtores de energia e a rede pode acolher a possibilidade de múltiplas ligações para maximizar a utilização de fontes alternativas.

5. Preços e subsidiação

O Manifesto diz: "A subsidiação concedida aos produtores destas formas de energia é ainda excessiva e tem contribuído para agravar de forma injustificada os preços da energia eléctrica ao consumidor final, em particular das familias, sobre as quais a legislação faz recair o sobrecusto da Produção em Regime Especial".

É necessário ter em conta que a aposta nas energias renováveeis é uma estratégia a longo prazo e não pode ser julgada com vistas curtas. O petróleo nos anos iniciais de desenvolvimento, como o gás hoje, funcionou com base em contratos de longa duração como são os que existem hoje para as energias renováveis. Isto é: quando surge uma forma nova de energia e os investimentos são muito elevados só se atraem investidores no quadro de um contrato de longa duração em que o preço é regulado para dar estabilidade à fase embrionária de desenvolvimento da industria. Acresce a isto que as energias renováveis têm outro contributo importante: elas reduzem a exposição da economia à volatilidade do preço do petróleo. E isso só se compreende se discutirmos alternativas e fizermos comparações: se Portugal em 2010 abdicasse do uso de energias renováveis e as substituisse por gás teria de importar 1.800 milhões de metros cúbicos a mais, o que custaria cerca de 460 milhões de euros a preços de 2008.

Além disso o gás é mais poluente e a emissão suplementar de 4 milhões de toneladas de CO2 tem o seu custo. Isto significa que o uso de energias renováveis, na base destes pressupostos, permite ao país poupar cerca de 500 milhões de euros em 2010.

Recordo que em 2007 o sobrecusto das renováveis foi de 175 milhões de euros. A previsão da Agência Internacional de Energia, com base na sua estimativa de subida do preço do petróleo, é que em 2015 o custo de geração eléctrica do carvão será de 82 euros por MWh, o do gás 103 e o da energia eólica 75. Em 2030, com o encarecimento do preço do petróleo e gás, a energia eólica será ainda mais competitiva até porque com a evolução tecnológica tem-se assistido a uma redução espectacular dos custos de produção. Quer dizer: o futuro joga a favor das energias renováveis e abdicar delas nesta fase revela miopia política e económica. Para não falar da sua contribuição para a redução das emissões de CO2: em Fevereiro de 2010 o índice de emissões de CO2 em Portugal registou o seu valor mais baixo e no último ano elas estiveram 8.7% abaixo dos níveis de 2007. Há aqui um efeito da crise com o abrandamento da actividade económica mas há também seguramente o efeito das energias renováveis. Finalmente é preciso dizer que o Manifesto erra uma vez mais ao dizer que o preço da energia eólica `triplica' o valor corrente de mercado. Segundo a minha investigação, o preço da eólica em 2008 foi 1,3 vezes superior, o que é muito diferente e é preciso ter em conta que para o concurso de 1.800 megawatts a tarifa-base já foi de 73 euros por MVVh, o que está em linha com o que foi o preço médio da energia eléctrica em Portugal em 2008.

Em conclusão

Há um diferencial de custo mas ele não tem a dimensão nem as consequências que o Manifesto aponta, está longe de ser o causador único do défice tarifário como é insinuado e representa cerca de 20% desse défice. As energias renováveis não são uma panaceia que vai resolver todos os problemas energéticos do país mas podem dar uma contribuição importante. A aposta estratégica nas renováveis é um contrato com o futuro.
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segunda-feira, abril 19, 2010 

Crossroads

Se o pessoal do Manifesto pró nuclear quer discutir coisas a sério, escusava de ter enviado hoje Henrique Neto ao programa Sinais de Fogo do Miguel Sousa Tavares para debater política energética com Carlos Pimenta. Henrique Neto foi de uma inépcia confrangedora e demonstrou uma ignorância que roçou o patético. Onde Pimenta apresentou factos apoiados em documentos, Neto baralhou os chavões demagógicos dos "especialistas em energia" que estão por detrás do Manifesto e mostrou que não faz a mínima do que poderiam ou poderão ser as opções nacionais em matéria energética.
Onde Pimenta fez propostas concretas de esclarecimento incluindo visitas às fábricas que trabalham na fileira eólica, Neto fugiu com o rabo à seringa e pôs condições irrealistas para ser "convencido".
Onde se esclareceu o real valor dos custos das renováveis e incidências no déficit tarifário, Neto balbuciou que a energia é cara... possívelmente saudoso do final dos anos sessenta.
Onde se comparou o preço da energia paga pelos portugueses com o que pagam os europeus, Neto retorquiu que os portugueses ganham menos, esquecendo que quem nos vende o petróleo e o gás natural não atende a esse factor negativo da nossa economia, não eslcrecendo se pretende recorrer a energia "subsidiada" da que tanto pesa às "gerações futuras".
Em resumo, Neto andou às aranhas, misturou os standards ambientais inferiores dos chineses com o que classificou em desespero de causa como "vanguardismo" e "fundamentalismo" das renováveis.
Um desastre.
Resta perguntar: como poderia ter sido de outro modo?
Afinal, onde se meteram os "engenheiros do técnico"? Onde estão os "sábios" que vão "dar água pela barba aos pimentinhas das eólicas", como anunciava há dias nos comentários do Ambio com incontrolada arrogância, Jorge Oliveira, um outro subscritor do Manifesto?
Os subscritores do Manifesto falam de "tabu"? O que fica claro é que este tema tem efectivamente de ser discutido com mais profundidade para que a demagogia com que tentam bombardear a opinião pública seja desmascarada.
Desde que estas coisas começaram a ser discutidas mais abertamente já se percebeu que:
- se o nuclear avançasse de acordo com o "roadmap" proposto por Pinto de Sá, o guru científico do Manifesto, apenas lá para  2020 poderiamos ter "política energética" .
- nessa altura talvez se viesse criticar o governo pelos custos que estariamos a pagar pelo não cumprimento das metas de redução de CO2.
- se tivessemos optado pelo nuclear em 2005, estariamos agora em pleno "crash course" tal como sucede com os finlandeses que resolveram em má hora fazer essa "aposta".
- os valores que o Manifesto apresenta para o peso das renováveis no déficite tarifário são manipulados
- os valores que o Manifesto apresenta como custos das renováveis no momento actual, são falsos.
- os valores que os promotores do Manifesto sugerem como exequíveis para o custo da energia nuclear são falsos e muito mais caros.
Há, certamente questões técnicas e económicas em aberto que o governo e o sector das energias renováveis têm de esclarecer rapidamente e com maior detalhe.
O que se torna intolerável é esta vitimização contínua, o martelar obsessivo da palavra "tabu", o despautério de empresários, políticos e académicos bem instalados no nosso sistema económico e político se pretenderem fazerem passar por "técnicos" "desinteressados" e paladinos dos "pobres contribuintes", "famílias" e "gerações futuras" (a pimbalhice a la Paulo Rangel parece que veio para ficar) arruinadas pelas tarifas energéticas, apresentando como panaceia a duvidosa (para não dizer mais) opção pelo nuclear.

 

Tragam o grande

O Público dá conta de que afinal, ao contrário do que eu sugeri no post abaixo, as cinzas do vulcão emitem muito menos toneladas de CO2 do que o efeito combinado dos milhares de voos cancelados na Europa.
O espectáculo do céu negro e solo juncado de cinzas é afinal mais "sustentável" do que o dos aviões a voar, cuja manutenção irrestrita nos levará a um futuro de poluição, céus negros como breu e solos juncados de cinzas.
Só resta desejar que sempre entre em acção o vulcão grande, certamente de nome ainda mais impronunciável do que o primeiro para fazer jus à sua reputação e em homenagem ao Jorge Luis Borges, para ver se páram os aviões, os turistas fiquem mais tempo nos sítios, e baixa o preço dos combustíveis.

domingo, abril 18, 2010 

Avant-gout

Afinal foi um pacato vulcão islandês e as suas cinzas mal amestradas, não foram nem a crise energética nem o desmoronamento da economia mundial a dar-nos uma antevisão do que poderá ser o "caos" anunciado desde há anos com o inevitável colapso final do sistema económico mundial.
Como fenómeno natural não foi sequer a anunciada Montanha Velha das Canárias ou uma explosão à Krakatoa ou Monte Santa Helena.
Assistimos hoje a uma espécie de exercício de bombeiros destinado a testar o sistema de transportes europeu.
Relativamente benigno e sem desencadear grandes cargas emocionais, dá-nos um cheirinho das suas (nossas) fragilidades e do que poderá ou poderia ser uma reconversão rápida do actual paradigma (ambiental/económico/cultural/ social) para um outro, mais "sustentável", ou outra coisa qualquer.
Com alguma injustiça para quem trabalha incansavelmente cenários apocalípticos, por se tratar de um fenómeno natural (embora possivelmente emissor de materiais susceptíveis de agravar o efeito de estufa) e os governos não terem nada que ver com o assunto, as coisas passaram-se de forma subtil, não permitindo grandes voos aos teóricos da conspiração ou aos "especialistas" para quem é necessário antes de mais assacar responsabilidades e arranjar "culpados".
Resta à industria do medo explicar que este vulcão, aparentemente "pequeno", pode ser uma espécie de despertador de um outro que dorme ao lado, esse sim, "muito maior", e então é que...
Enquanto o vulcão grande deixa tocar o despertador e se vira para o lado sem pressa de pegar ao trabalho, fica-nos a imagem da nossa pequenez (física, objectiva, não me refiro a elocubrações místicas), da fragilidade da nossa crença no nosso exclusivo "livre arbítrio" perante as forças da natureza e do universo e de quão ridículas são as nossas pretensões de controlá-la ou prever as suas reacções para além de certos limites muito estreitos. 
Já é extraordinário que consigamos fazer "planos" por décadas e "história" com meia dúzia de décadas de séculos.
É uma sorte incrível a que temos tido, particularmente nós, europeus ocidentais, nascidos na segunda metade do século XX.

domingo, abril 11, 2010 

Melhor que na sic e na tébé-i

Tenho estado a seguir o Congresso do PSD (isto agora parece que é todas as semanas em que não se encontra nenhum escândalo ou historieta a envolver o Sócrates) pelos tweets do Carlos Vargas.
Impagável, imperdível.

quarta-feira, abril 07, 2010 

Yin-Yang

No site do Público, à hora em que escrevo, dois links apontam respectivamente para um artigo sobre a apresentação do manifesto "The Empire Strikes Back", defendendo a opção pelo nuclear e outro sobre a reacção de Carlos Zorrinho, Secretário de Estado da Energia e Inovação, a esse manifesto, pondo de parte a opção pelo nuclear.
Os comentários ao primeiro artigo são todos contra o nuclear.
Os comentários ao segundo são todos contra Zorrinho, e em defesa do nuclear.
Um dos comentários começa assim: "não há comentário possível...".

domingo, abril 04, 2010 

Educação sexual


Não importa o que temos andado a fazer com mais ou menos regularidade, empenho, paixão, sucesso ou insucesso, em momentos tão importantes das nossas vidas. Só o Padre Feytor Pinto, um homem com um mestrado em sexualidade, nos pode esclarecer que "a sexualidade é um dinamismo que abrange a vida toda do homem, desde o nascimento até à morte, corpo, alma e sentimento, eleva o ser humano à realização total de si, segundo um projecto de vida" e daí concluir que "a minha maneira de exercer a sexualidade e a afectividade, a dupla componente, é a opção de vida que eu faço".
Não me atrevo a falar muito de assunto tão profundo, mas juro que por vezes bem gostaria que estas componentes passassem por uma questão de "opção de vida".

quinta-feira, abril 01, 2010 

O assunto

Vicente Jorge Silva e um sujeito do CDS discutiam acaloradamente o caso dos submarinos.
May be, ou may be not (está nas mãos do Sol ou quejandos desenterrar mais uma escuta Oculta ou mais um detalhe - um saldo que seja - no Freeport) será o assunto do dia durante um breve espaço de tempo.
São os alemães que têm a coisa nas mãos, e daí importa que, por favor, não metam a justiça portuguesa ao barulho ou acaba-se o caso se ele houver.
Vamos também poder comparar se a justiça alemã funcionará de forma substancialmente diferente da portuguesa. Sairemos humilhados?
O que interessa é que como um torpedo Crespo atalhou o caso submarino para introduzir um assunto candente: o das viagens da deputada Inês Medeiros. Assim se estabelecem prioridades informativas.

 

Derrame


A crise existencial instala-se.
O que andamos nós aqui a fazer. E tal.
A coisa é tudo menos original.
- Acho que já conheço a sua poesia.
- Não conhece porque está sempre a mudar.
A rapariga diz-me que tenho de comprar a sua última folha de poesia.
- Quanto é?
- Dê-me o máximo que puder.
 É que eu hoje não vou para casa enquanto não comprar um perfume que vi ali numa loja.

Aqui fica então, por dois euros e meio:

" Nos ramos do abraço
Nos ramos do abraço
Está escrita a minha solidão
A tinta da china. Quem foi
O escritor que me legou
Tão grande desolação?
Sob as águas do rio-poema
Estão sibilantes o sonho,
A asa e a pedra.
Sou toda vento pétalas e versos
No meu anseio de água"

Ou seria perfume?

 

Le feu sous la cendre

As coisas parece que se resolveram a favor de Israel.
O campo da paz israelita foi desarticulado e os palestinianos foram empurrados para detrás do muro, no meio do lixo e das ruínas, debaixo do tapete. Tão definitivamente que já ninguém tem pejo de fazer os colonatos que se queiram, a economia e o turismo crescem.
Os anos de desgaste da luta armada e o garrote israelita resultaram admiravelmente na destruição da liderança palestiniana laica, afogada em corrupção e, finalmente, via Habas, de joelhos perante o ocupante, deixando como única força moral credível para os irredutíveis a opção duvidosa do fundamentalismo islâmico mais sinistro.
A história não é nova, vimo-la, embora em tons soft em Portugal, quando no início dos anos setenta, cá, a guerra parecia estar dominada lá, e se esboçava um processo de desenvolvimento que para alguns conservadores é pintado hoje como uma espécie de "golden age". O chamado "Ur Myth".
Persistem alguns sinais de desconforto vindos do habitualmente submisso "amigo americano".
Anti-americanos primários (para utilizar o "lingo" da direita) como o vice-Presidente Biden e o famoso general Petraeus têm referido, como assinala Thomas Friedman, que " the festering Israeli-Palestinian conflict foments anti-U.S. sentiments, because of the perception that America usually sides with Israel, and these sentiments are exploited by al-Qaida, Hamas, Hezbollah and Iran to generate anti-Americanism that complicates life for our soldiers in the region.", o que não deixa de ser assinalável desde que sejamos indulgentes para com a utilização da palavra "perception" neste contexto.

 

Guerrilha

Uma das imagens mais degradantes das últimas semanas é a do "povo" que se manifesta um pouco por toda a América contra o "perigo socialista" do plano de saúde do Obama.
Sinal de que nos encontramos num outro ciclo histórico e a América num beco ideológico, as milícias armadas que proliferam um pouco por toda a União, advogando abertamente o golpe militar.

 

Tralha

A recente tendência é para os taxistas ocuparem ostensivamente o banco da frente com tralha para desencorajarem o passageiro de se sentar no lugar do morto.
Terá que ver com questões de segurança ou é apenas degradação da convivialidade?