domingo, fevereiro 27, 2011 

Moralistas

A história gloriosa dos salvadores da pátria, ao contrário do que poderão sugerir as enlevadas e continuadas remissões para um suposto passado glorioso e impoluto da nação lusa, vem de muito longe.
É lugar comum a obsessiva replicação do Eça e de outros ilustres cultivadores da autoflagelação nacional.
Ao contrário do habitual populismo rasca, hipócrita e bafiento dos seus admiradores, mais ressentidos com as suas circunstâncias particulares do que com "os destinos da Pátria", o Eça ainda podia fazê-lo de um ponto de vista cosmopolita e sofisticado. E distante.
Mas já antes, outras figuras, reais ou míticas, tinham iluminado a nossa grandiosidade moral.
A dimensão épica das barbas de Dom João de Castro, a nobreza titânica de Egas Moniz vestindo o burel e pondo a corda ao pescoço... a si e à família...
A árvore dessas atitudes exemplares, esconde da visão distorcida dos inúmeros moralistas de pacotilha que espreitam atrás de cada porta, a floresta densa de um universo fundamentalmente brutal e "corrupto" em que emergiram. O da vida de todos os dias, desde sempre.
Às tropelias de um nobre mentiroso que queria ser o primeiro rei do território onde vivemos, respondeu Moniz da forma exemplar, real ou enfabulada.
À corrupção desbragada (e à necessidade de financiamento, sim, já nessa época... quem raio diria...) grassando no nosso Império de além-mar, respondeu Dom João de Castro empenhando as suas barbas.
Na actualidade, leio e oiço diariamente discursos inflamados sobre a bravez dos portugueses de antanho.
Mas são tantos, tantos, a protestar a sua seriedade contra "os outros" corruptos, que dá para perguntar, quem sobra?
O que é certo é que não vi até agora, nem Egas nem Castros.
Nem um Jan Palach.
Um  simples Mohamed Bouazizi...

 

Orelhas a arder

Graças ao Wikileaks, o Expresso desta semana tem muito para ler. Felizmente que a imprensa portuguesa abandonou a atitude condescendente da história da raposa com que acolheu as primeiras revelações. Claro que isto é acompanhado de imensas garantias e protestos de que a informação foi devidamente "enquadrada" de forma responsável, isto é, de forma a garantir que os jornais não publiquem nada que os governos ou os militares realmente não queiram que se saiba.
O artigo que faz a manchete do Expresso reflecte alguns dos problemas que se colocarão à imprensa ao divulgar e enquadrar questões deste tipo.
Por um lado, o cerne do artigo é o conteúdo de telegramas da Embaixada americana. Mas o facto de esses telegramas conterem não só opiniões, mas também afirmações factuais que colocam em causa algumas das nossas instituições, levanta a questão de terem de ser ouvidos os interessados e verificadas as afirmações. No fundo o tal tratamento da informação que se espera da imprensa profissional.
Aparentemente foi o que foi feito, felizmente, pelo Expresso. Por exemplo, o custo de 300 milhões de euros atribuído pelo Embaixador americano a umas fragatas holandesas compradas pela Marinha portuguesa, é afinal de 248 milhões, isto é, menos 50 milhões.
No entanto, já não é a primeira vez que acontece os títulos do Expresso subverterem o conteúdo dos artigos. A palavra "arrasados", várias vezes repetida, parece excessiva e até manipuladora, à luz do tal "tratamento profissional" da informação. No fundo, legitima a "ditadura das fontes" a que se referiram alguns comentadores. Efectivamente, sendo os americanos parte interessada em negócios com o exército português, é natural que façam uma apreciação negativa das circunstâncias em que esses negócios terão sido menos favoráveis.
O que não quer dizer, por um lado, que esses negócios não devam ser escrutinados e criticados independentemente dos americanos, isto é, a notícia tem o mérito de despertar a atenção sobre gastos com impactos brutais nos nossos orçamentos mas muito pouco discutidos, e por outro lado, que não seja importante sabermos a forma como as nossas instituições são vistas pelos governos estrangeiros. Esta "espionagem" poderia ajudar-nos a reflectir e a melhorar.
Menos positivo é o facto de outros jornais fazerem notícias com as notícias de outros jornais.
O Público, por exemplo, limita-se a reproduzir, do artigo do Expresso, os excertos seleccionados dos telegramas americanos, sem qualquer tratamento ou enquadramento. Por exemplo, a história dos 300 milhões não é confrontada e serão os 300 milhões que a opinião pública vai reter e passar para a História...

 

à espera de Nobre

O Público, referindo-se ao silêncio de Fernando Nobre, informa que "especialistas"(???) "vaticinam" (ah! devem ser bruxos...) que "o movimento" acabará por esboroar-se. Percebo a ideia de criar um facto jornalístico que replique as fúteis incidências (férteis para agitar águas e vender papel) do rescaldo da primeira candidatura de Alegre, cujas consequências finais, aliás, já infelizmente conhecemos desde a última eleição presidencial, mas... qual movimento?

sexta-feira, fevereiro 25, 2011 

Renovação

Um folheto de propaganda às eleições para a Concelhia de Lisboa do PSD, afirma que o PSD se encontra, em Lisboa, no estado em que Sócrates colocou o País.
O que equivale a dizer que Sócrates alcandorou o País ao estado em que o PSD se colocou a si próprio, em Lisboa, sem a intervenção mais ninguém, nem do Sócrates... 
É pois, natural, que o PSD queira substituir Sócrates e o PS, à frente dos destinos de Lisboa ( e do País!...).

terça-feira, fevereiro 22, 2011 

Também Pulido Valente se tem pronunciado pela "cautela" relativamente ao carácter, significado e consequências da revolta árabe, razão pela qual tem sido criticado.
Pode perceber-se parte dessa cautela. A seu crédito, Pulido tem a seu favor as análises cautelares que fez da "Queda do Muro" e que se vieram a revelar de grande justeza.
Noutro momento decisivo, o da invasão do Iraque, foi dos rarissimos comentadores conservadores e não só, com inteligência e talento para reagir à espécie de loucura colectiva que então grassou.
Os argumentos agora apresentados são válidos:
"Numa história geral de França, François Furet, encarregado do volume sobre a revolução, escolheu duas datas que, para ele, a limitavam: 1789 e 1870. Porquê? Porque achou, e provavelmente bem, que só com a III República (quase cem anos depois da tomada da Bastilha) se chegou a uma democracia estável, geralmente aceite pela população. E, mesmo assim, não contou com Vichy e com o voto feminino, que teve de esperar por 1944. Houve entretanto duas repúblicas (agora estamos na quinta), três monarquias, Napoleão (o grande) e Napoleão III (o pequeno). Este tumulto endémico em que viveu a França veio directamente da resistência ao Governo representativo e, a seguir, ao Estado laico e ao sufrágio universal da democracia.

A França não é o Egipto. Pois não. A França passou, à sua maneira, pelo "iluminismo" e, na literatura, como na pintura, e parcialmente na filosofia, a França era o exemplo do mundo. Em França, existia uma aristocracia "liberal", uma burguesia "progressista" e um eleitorado urbano de "esquerda". E a própria Igreja se submeteu à autoridade civil. E, no entanto, o caminho para o que hoje nós tomamos por "normalidade" foi longo e foi duro. Pensar que 80 milhões de egípcios (na esmagadora maioria, muçulmanos), neste momento "governados" por uma junta militar anónima, encontrarão depressa o regime democrático que lhes convém é, com certeza, um testemunho de virtude cívica."
No entanto, há que ir mais além da constatação lapalissiana.
É claro que "a França não é o Egipto". A França de hoje é o fruto de uma determinada "evolução política" num processo que inclui o Egipto, isto é, não é forçoso que os egípcios tenham de tomar uma Bastilha (de certa forma fizeram-no com a ocupação da praça Tahrir) e decapitado o Mubarak, para terem direito a uma democracia mais ou menos tolerável para Pulido Valente (sabemos o que ele pensa da nossa, por exemplo) daqui a duzentos anos.
O que se passou e está a passar no Egipto é um passo, que não será certamente o último e o definitivo. Tal como em França e Portugal.
Aliás a França, e Portugal, e o mundo ocidental, ainda têm algum caminho para andar para aceitar sem arrogâncias ou paternalismos a independência do "outro".
Faz-nos impressão ver tantos muçulmanos a rezar numa praça... ui! o fundamentalismo.
Faz-nos impressão os Irmãos Muçulmanos... ui! o fundamentalismo.
É como se um árabe nos recusasse maturidade política por ver um filme de cerimónias de Fátima, ou pela importância nas democracias europeias de partidos Democratas-CRISTÃOS.
Já sei, é claro, que não é a mesma coisa, mas... porque é que há-de ser a mesma coisa?
Exigor "a mesma coisa" é negar a possibilidade de concordância e diálogo civilizacional, mesmo que mutuamente assegurados determinados princípios básicos, como a questão da "condição feminina".
O que interessa é que momentâneamente se encontrou uma linguagem comum na aspiração inequívoca dos árabes por mais liberdade e por uma vida melhor, questão comezinha, transversal a sistemas políticos, regiões e religiões do globo. Algo que ainda há muito pouco tempo se dizia que inspirava, até, os falcões neocons da Administração Bush, a ponto de justificar, com o apoio militante de outros "libertadores de sofá", agora estranhamente circunspectos, que se invadissem e arrasassem países.
Sem dúvida que podem subsistir equívocos. É um problema nosso.
"Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente", frase que se tornou emblemática da forma como muita gente "leu" esta crise ... mas... porque haveriam de "agradecer"? São eles quem vive na miséria, são eles que vieram para a rua enfrentar a polícia de choque, são eles que aturaram uma clique de déspotas durante décadas e ainda por cima há alguém com a veleidade de pretender que eles nos agradecessem por apoiarmos essa luta vagamente ( "libertadores de sofá", como apropriadamente definiu o Portugal dos Pequeninos - que inexplicavelmente acordou para o movimento quando a revolta alastrou à Líbia...) no facebook e no twitter, ainda por cima quando tantos de nós, ainda exprimem reservas em relação à sua revolta e os nossos governos não produziram mais do que umas regurgitações hipócritas?
Haja paciência...
É nesta pretensão e arrogância quase infantis que se funda o "choque das civilizações"

segunda-feira, fevereiro 21, 2011 

A fraude

Certamente que numa imprensa livre existe lugar à expressão de todo o tipo de opiniões.
Mas quando a imprensa, sem deixar de ser livre, pretende apresentar-se como "de referência", parte-se do princípio de que são cumpridos determinados critérios de exigência intelectual que unem os produtores e os consumidores.
Torna-se assim incompreensível que no último Sábado se tenham gasto, no Expresso, quase 3 mil caracteres com uma tontice inconsequente intitulada A fraude global. (1)
Trata-se de uma conversa irresponsável, sem qualquer fundamentação, sem qualquer argumento que não seja o de pretender que o problema do aquecimento global é uma espécie de conspiração de uma entidade obscura que o autor designa genericamente como "os socialistas", uma espécie de "Grupo Bilderberg" de sinal contrário, de que se fará eco o suspeitissimo Al Gore, com o objectivo de promover "um dos mais insidiosos ataques à economia dos Estados Unidos"...
Nem mais... nem menos...
Coitados dos socialistas... não bastava andarem já a braços com as acusações de "neoliberalismo", vem agora este original acusá-los de quererem demolir a economia americana...
Mais grave ainda, parece que os tais socialistas que controlam ferreamente a imprensa nos "países de cultura latina", impedem a divulgação de "visões alternativas", como a do autor e restantes putativos defensores dessa brava economia americana. Ó da Guarda!!!
Graças ao Expresso e ao autor, porém, podem os portugueses amordaçados saber algo do que se passa no "mundo exterior" (sic...).
Um mundo exterior, repare-se, onde não existe sombra das polémicas sobre o aquecimento global.
Não são dados passos em todo o mundo para prevenir uma tendência que até meios de comunicação insuspeitos de "socialismo", como o Economist, reconhecem. Nah! na estranja ninguém fala disso, é só cá!
Descontando o estado de confusão intelectual de alguém que em pleno século XXI, em que até os miseráveis do Egipto usam o twitter, ainda supõe que "os portugueses" precisam da sua presciente (e por supuesto "imparcial") clarividência para saberem do que se passa no "mundo exterior", uma pessoa quase que tem vontade de perguntar, mas se então ninguém lá fora, dá troco à questão do aquecimento global, "qual é o grilo"? Qual a necessidade de gastar latim com o assunto?
A alternativa é a interrogação: como é que é possível que o Expresso albergue uma visão lunática deste calibre? Quem impingiu o homem à redacção?
Será que um dia destes teremos direito às elocubrações do "estigmatizado" Irmão Caetano ou outros "illuminati"?
Valha a verdade que nem tudo é mau no artigo: sendo o autor um dos signatários do famoso Manifesto por uma nova politica energética e entre eles, um dos que frontalmente assume que o objectivo subjacente a esse Manifesto é a promoção da energia nuclear, a argumentação aduzida tem o mérito clarificador de mandar às urtigas a caução "ecológica", em particular no que respeita à emissão de gases causadores do efeito de estufa, com que alguns pretendem vender a opção nuclear.

(1) - Não tendo conseguido encontrar o link do artigo no Expresso, linkei a sua reprodução integral no Blog " O último dos Moicanos".

 

Quem sabe...

É sempre bom verificar que que quem sabe está de acordo connosco. Isto é, neste caso, COMIGO.

domingo, fevereiro 20, 2011 

Circunspecção

Pacheco Pereira aconselha sabiamente, no Público, que se guarde alguma distância em relação às aventuras cairotas.
Para o entusiástico pregador da destruição do Iraque à bomba, propagandista da "teoria do dominó" e assecla do"road map" bushista para a "paz na Palestina", a situação é "mais complexa" do que a pintam os relatos tendenciosos dos meios de comunicação. Todos de esquerda, está bem de ver.
"Sabemos pouco" do que se passa nos países árabes, lembrou-se agora o proxy português dos neocon.
Pois...
Ao contrário do que quer sugerir, Pacheco "sabe muito". Apenas aguarda que os génios do marketing da direita americana a que pertence integrem de forma convincente os recentes acontecimentos num discurso minimamente coerente, deixando intactos os pressupostos do "choque das civilizações".

terça-feira, fevereiro 15, 2011 

A propósito

A melhor resposta dada aos "analistas" que defendem que a revolta egípcia beneficia o Irão, baseados em pouco mais do que no regozijo verbal, oportunista e hipócrita de Ahmadinejad ao derrube de Mubarak e nos seus próprios preconceitos, foi dada pelos iranianos na rua . Como se esperava, o regime dos ayatollahs voltou a reprimir os protestos com brutalidade. Prisões domiciliárias e um morto conhecido.
Para os admiradores da "postura anti-imperialista" de Ahmadinejad resta saber se também apoiam esta "Intifada" ou consideram-na enfraquecedora do campo anti-imperialista.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011 

Denial (2)

Numa mensagem deixada no Facebook,  Louçã justifica a moção de censura por dois motivos:
1- um, a posteriori, a Direita uniu-se toda contra ela;
2- outro "circunstancial", a política de traição aos trabalhadores que o Governo tem levado a cabo merece uma reacção.
Num vídeo divulgado no site do Expresso, adianta um terceiro, claramente oportunista: "mais de metade" da população revê-se na moção...
O primeiro não é para discutir . É suposto que todas as iniciativas  do Bloco sejem atacadas pela Direita. Não é para isso que o Bloco lá está?
Ora esta nem sequer foi desmontada só pela Direita. A não ser que para o Bloco, o Daniel Oliveira já seja a Direita.
O segundo causa perplexidade. Pois não é a política do governo, de direita, por definição, sempre?
Qual é a especificidade do AGORA? Qual é o Plano na manga?
Quanto a isto, claro, nicles.
Toda esta agitação, no fundo, apenas se deve ao reconhecimento de um facto simples: quer o Bloco, quer em menor medida o PC, isto é, a esquerda, são cada vez mais uma trincheira ideológica que sobrevive nas franjas do regime parlamentar burguês e apenas aí. A sua ligação "às massas" de trabalhadores explorados que nas suas fantasias representam, é dia a dia mais ténue.
É preciso começar a perceber que a desgraçada aventura do Manuel Alegre e a esmagadora derrota que sofreu, significa que a Esquerda, tal como a conhecemos e concebemos há trinta anos, se encontra moribunda.
O terceiro só agrava o estado de negação. Louçã vem de umas eleições em que o candidato que apoiou teve 20% dos votos dos portugueses que votaram, isto é, votaram nele cerca de 10% dos eleitores portugueses e já se arroga o direito de falar por "mais de metade" da população.

domingo, fevereiro 13, 2011 

A Panaceia

O mantra agora é os "bens transaccionáveis". Não há bicho careto que não proclame a urgente necessidade de investir em "bens transaccionáveis".
Já foi a Irlanda, já foi a Finlândia, já foi a Islândia...
Claro que uma coisa é "proclamar", outra é "investir". Para já, o acto de "investir" parece exclusivo do universo tauromáquico.
Quando se esmiuça a coisa, vamos sempre parar ao candente problema da "flexibilização" laboral, raiz de todo o mal, pequeno tabu que nos separa da Noruega, Singapura e Luxemburgo.
Claro que TODOS os portugueses, em particular os honrados e indispensáveis trabalhadores e sacrossantas "famílias", merecem o maior respeito dos opinadores todos. Mas há uma minoria que... ganharia bem em ser "flexibilizada". Em particular a que enxameia o famigerado sector público, coito dos pantanosos bens "não transaccionáveis". No parlapié dos economistas e comentadores de economia encartados, essa minoria de homens e mulheres não só são prejudiciais aos outros trabalhadores, que por suposto são a honrada maioria a quem se quer levar o desenvolvimento, como até, por maravilhoso efeito das sofisticadas charadas e surpreendentes paradoxos que a novlang neocon trouxe ao mundo, especialmente a si próprios.
Em que é que a revogação dos gastos com esta "minoria" que se quer ver no olho da rua se torna a alavanca arquimédica do "nosso" desenvolvimento? É um ovo de Colombo que eu ainda não consegui engolir, apesar de me ser diariamente servido em vários pratos.

 

Tiro no pé

Um "não facto", isto é, a ameaça a todos os títulos aberrante de uma moção de censura apresentada pelo Bloco, morta à nascença pela forma como foi sugerida e pela reacção dos principais responsáveis do PSD, motiva agora ao Primeiro Ministro mais uma fanfarronice escusada que não é mais do que descer ao nível do Bloco.
Politiquice barata que nada tem que ver com a situação política do País.
Não valeria mais guardar o latim para quando o PSD decidir apresentar a sua própria moção de censura?Quanto ao PC e ao Bloco, por muitos sonhos húmidos que tenham com uma Intifada à egípcia, por muita impaciência que sintam pela falta de dinamismo da nossa situação política em contraste com o que seria previsível nas suas elocubrações "teóricas", terão de resignar-se a seguir ordeiramente a moção do PSD quando e como este decidir apresentá-la.
Que o resultado provável dessa moção venha a ser uma eleição em que PSD e CDS tenham larga maioria que manterão por largo ciclo político, o PS fique temporariamente enfraquecido e o Bloco e o PC fiquem na mesma, ou pior, é assunto de somenos importância para a Esquerda.

 

Denial

Quando já se percebeu que a autonomia de Portugal para enfrentar o essencial que nos aflige, isto é, a incapacidade de nos financiarmos a custos que não sejam ruinosos, é escassa ou nula, tornou-se doloroso e angustiante o tom optimista do Primeiro Ministro, que de tão repetitivo e desfasado da realidade já parece obsessivo, de cada vez que um qualquer indicador divulgado pelos meios de comunicação é menos mau. Sobretudo quando é certo que dentro de dias surgirá uma outra notícia que o desmente com agravo.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011 

Cómicos

O mau perder evidenciado pelos responsáveis da Federação Portuguesa de Futebol aquando da divulgação do resultado do consurso para a realização do Campeonato do Mundo de 2018, encontra agora o seu (natural) corolário.
Ao que parece terá havido uma negociata de bastidores envolvendo troca de votos entre as candidaturas do Qatar e a Ibérica. Segundo o presidente da FIFA, Blatter, confirma-se que o esquema existiu "mas não funcionou"...e sendo assim está tudo certo, podemos continuar pacatamente o nosso choradinho de "injustiçados".

 

Adeus ó vai-te embora

Fantástica a determinação dos egípcios resistindo a todas as tentativas de "normalização ordeira".
Força Tahrir!

terça-feira, fevereiro 01, 2011 

Uma visão surpreendente (?)

Um dos documentos que até agora mais me impressionou favoravelmente no decurso desta crise foi a entrevista concedida ao El País por Mulay Hicham, um marroquino vivendo em Paris. Por uma vez, alguém dá uma perspectiva que me parece inteligente da situação do "homem da rua" árabe sem sombra da subserviência rasteira e sabuja habitual nos comentadores de origem árabe ou iraniana alugados pelos think tanks neocons.
Alguns excertos:

Los nuevos movimientos sociales en Túnez, Yemen, Jordania, Argelia y Egipto colocan la dignidad del ciudadano en el centro de la política.

Ni Europa ni Occidente en general son determinantes. Las protestas han pillado por sorpresa a esos regímenes mimados por Occidente, sobre todo por Francia en África del Norte. Es la primera vez desde la etapa colonial que el mundo árabe se autodetermina para alcanzar una democracia mediante manifestaciones callejeras sin el respaldo de Occidente. Europa debe despertarse, dejar de apoyar a dictaduras no viables y apoyar a fondo los movimientos que aspiran a un cambio plural. Hay que acabar con la dicotomía maniquea que consiste en asustar con el islamismo para poder así preservar el status quo.

En los nuevos movimientos sociales la religión no desempeña ningún papel. Es una generación más bien secularizada la que reivindica la libertad y la dignidad ante regímenes que vulneran los derechos humanos. Eso no significa que el islam político no desempeñará un papel en el futuro de esas sociedades en vías de democratización. Será un elemento, entre otros, del tablero político. El principal problema de esos movimientos no es el islamismo, sino la ausencia de liderazgo político.

 

Les chinois sont différents

Falta-me a dose necessária de cinismo para compreender algumas das reacções à revolta no Egipto (daqui a trinta anos ainda os egípcios andarão a ter discussões acaloradas nos media sobre a natureza dos acontecimentos, "revolta" ou " golpe de estado"...).
Os bushistas declarados, que a pretexto de eliminar um ditador e criar um fenómeno do tipo dominó que arrastasse num maremoto democrático diversos regimes ditatorias e corruptos do Médio Oriente, uns mais, outros menos hostis a Israel, não hesitaram em estraçalhar um país para impôr um regime tutelado e minado pela corrupção e por uma guerra civil larvar entre facções islâmicas, a que chamam um "sucesso", inquietam-se agora com os potenciais desenvolvimentos de uma revolta popular que visa correr com um ditador, pela "instabilidade" que pode provocar na região.
Aparentemente, o que falha para cumprir critérios de legitimidade é que a revolta não é enquadrada pelo Ocidente, e a "teoria do Dominó" não é imposta à bomba. Afinal, as massas que só esperariam um empurrãozinho para derrubarem os seus ditadores, são constituídas por potenciais "fundamentalistas", quiçá "terroristas". Para piorar, a revolta da rua árabe contra a corrupção e a desigualdade não começou, como era esperado, na Síria, mas sim em países "amigos", como a Tunisia e o fundamental Egipto.
Ok, pode dizer-se que dos bushistas e em geral, da política externa norte americana, só um incauto se surpreenderá.
O que se está a passar nas ruas do Cairo e outras cidades, agravado pela natureza tendencialmente "fundamentalista" das massas árabes, descambará, segundo estes sofisticados prognósticos, na tomada do poder pelas facções islâmicas mais radicais, um pouco como aconteceu no Irão há cerca de trinta anos atrás (embora na altura, não tivesse lembrado a um careca que a rejeição maciça do Xá se devesse à escassez de bens alimentares derivada da crise energética e amplificada pelo aquecimento global).
Como nesta altura do campeonato, em que por cá as coisas também não estão famosas, a única coisa que nos poderia fazer aceitar alguma perda de "estabilidade" seria uma sublevação popular com certificação ISO "politicamente correcta", atributo de que esta nitidamente carece, a conclusão que é possível tirar é que seria preferível (mais "tranquilo", "estável", e "anti-fundamentalista") a manutenção do Hosni Mubarak no poder. É esta a perspectiva do "bushismo de esquerda" que nem por isso deixará de assinalar, nos momentos apropriados, as cumplicidades simbióticas entre os nossos regimes democráticos (e corruptos) com as ditaduras corruptas, mas afinal de contas, necessárias, que enxameiam o Médio Oriente, para beneficio da nossa tranquilidade, que todos reconhecemos ser assegurada pelo tranquilo fluir do ouro negro, enquanto houver deste.
Esta visão cínica da realidade, temperada por um incorrível preconceito civilizacional, é quanto a mim, insustentável, tantos são os exemplos, à esquerda e à direita, das suas consequências catastróficas, do colonialismo ao apoio às ditaduras estalinista e maoista, culminando, nos dias de hoje, com as desastrosas intervenções no Iraque e no Afeganistão.
O facto é que as massas dos países árabes, exactamente como nós, pretendem o essencial do que nós queremos, democracia, justiça social, liberdade, equidade. Um mínimo, de cada uma destas coisas. O facto de serem tendencialmente muçulmanos é um detalhe que só desculpa muito parcialmente o preconceito. A diferença essencial é que na sua esmagadora maioria vivem em condições materiais muitissimo piores do que aquelas em que nós vivemos e para além de terem de aturar os seus ditadores ostensivamente corruptos, ainda por cima têem de aturar a nossa arrogância e paternalismo imbecis, só porque, por um simples acaso, estamos do lado certo do Mediterrâneo.