segunda-feira, fevereiro 27, 2006 

Vira o disco...

Por sugestão da sabine na caixa de comentários lá fui dar uma olhadela ao "central nuclear".
O blog é um "case study": é feito por apoiantes entusiásticos do nuclear, até aí tudo tudo bem... mas dá muito mau aspecto que classifiquem os que têem dúvidas relativamente a essa tecnologia de "radicais antinuclear".
E a eles? Como podemos classificá-los e ao seu espírito de missão? De "radicais pró-nuclear"?
Vamos a algum lado com este tipo de ping pong?
O blog passa o tempo a lutar contra fantasmas que ele próprio cria, são os estudos dos especialistas contra estudos de outros especialistas, mas nada de verdadeiramente substancial; é hoje pacífico que as necessidades de produção energética obrigam a que o bom senso não feche à partida nenhuma porta. E é sabido como as grandes empresas produtoras de "soluções nucleares" investem na contratação de "especialistas" que fazem "estudos" que "comprovam" a total ausência de riscos... é exactamente o mesmo que sucede no domínio dos transgénicos.
Fazem-se também considerações sobre a "segurança".
Algo que não é inédito, há cinquenta anos os defensores do nuclear defendiam a mesma coisa, que as centrais eram seguras e com tal certeza que na União Soviética, local onde era possível ao estado impor coisas sem discussão, se fez uma cidade inteiramente nova, uma "cidade do futuro" ao lado de Chernobyl. Ainda lá está... sem humanos, possivelmente para gáudio do caricato "ecologista" convidado pela Ordem dos Engenheiros.
Independentemente destes "handicaps", há no blog informações interessantes sobre a evolução da tecnologia nuclear, mas nenhuma que contribua para verdadeiramente clarificar o debate em curso:
- Estamos "abertos" à discussão do nuclear em sentido genérico
ou
- Entendemos que a solução do problema energético português passa pela construção a curto prazo de uma central nuclear em Portugal?
Ou seja, não está em causa a expectativa que todos temos de uma futura solução nuclear "aceitável" (só como exemplo, um gestor "realista" quanto ao nuclear, António Penedos, entrevistado pelo Expresso no passado Sábado coloca como horizonte temporal os quinze anos...)
O que está em causa são as propostas mais ou menos CONCRETAS ( digo mais ou menos propositadamente, dado o véu de mistério que paira ainda sobre o local, a tecnologia e muitos outros aspectos correlacionados com a proposta em cima da mesa ) decorrentes de oportunidades de negócio identificadas por particulares que as pretendem impor AGORA ao Governo.
Quanto a isto o "central nuclear" diz zero.

sábado, fevereiro 25, 2006 

Olhando à Janela

Dois links para a minha lista parcimoniosa.
A Insustentável Leveza é um dos blogs mantidos pela Sabine, a comentadora mais frequente do Bidão Vil.
É um blog de que eu gosto pela simplicidade e franqueza totalmente desprovidas de pretensão.
Não é um Palácio, é um oasis.
O Cocanha é o blog da Zazie, uma das poucas pessoas que conheci pessoalmente por me ter tornado viciado na blogosfera. E gostei de ter conhecido.
Politicamente num hemisfério diferente do Bidão Vil, o Cocanha é o entusiasmo permanentemente monitorizado pelo misterioso musaranho coxo, é um grafismo originalissimo e sobretudo são os posts maravilhosos sobre história abundantemente ilustrados com imagens inéditas só possiveis pela paixão da autora pelos temas e a sua grande erudição.
É daqueles blogs que tem matéria que baste para facilmente dar um livro mais absorvente do que o Perfume do Patrick Suskind. Com-provem-no.

 

Ronha

A carga da mulher da caneca

 

A Central Fantasma

Inquirido acerca do local previsto para a instalação da central nuclear que tem defendido deve começar já a ser construída para começar a produzir energia daqui a seis anos, no final do Expresso da Meia Noite de ontem, Pedro de Sampaio Nunes respondeu com um sorriso enigmático.
Um sorriso enigmático sobre a localização de UMA CENTRAL NUCLEAR que tem vindo a defender que deve começar a ser construída quanto antes melhor, é francamente assustador .
Esse sorriso descredibiliza a máscara de segurança e seriedade em que se pretende embrulhar toda esta operação.
Mesmo que o governo, numa hipótese tresloucada, tivesse secretamente dado o seu aval, e mesmo que isso acelere alguns procedimentos mais absurdos do labirintico processo administrativo que regula a aprovação de projectos em Portugal, quantos anos serão precisos para tratar de estudos preliminares que se estivessem realizados ou mesmo em curso seriam já do domínio público?
Quantos anos terão de ser gastos a lidar com a contestação pública que esta questão não deixará de levantar, quantos anos para expropriações, indemnizações, contrapartidas, etc?
Ou tudo isto não passa de uma cortina de fumo para outra coisa qualquer, ou não se pode encarar com seriedade que se pretenda ter uma central a funcionar em 2011.

 

Nuclear ou não nuclear, eis a questão

Um pouco de surf na blogosfera tal como me sugeriu a sabine ali em baixo permite perceber que existe alguma confusão quanto à natureza do actual debate sobre o nuclear.
Surpreendeu-me em particular o post do Paulo Querido, uma pessoa que com alguma frequência faz observações que me parecem de grande lucidez e pertinência, em que afirma:
"Por um conjunto de razões similares às que me fizeram andar com o crachá Nuclear? Não, obrigado! ao peito nos anos 80 (há um quarto de século...) hoje tenho um pin que diz Nuclear? Sim, por favor!."
Como nunca usei nenhum badge e sempre pensei que as hipóteses abertas pelo nuclear em nenhuma circunstâncias deveriam ser postas de lado uma vez não é de agora a poluição dos combustiveis fósseis, nem as emissões de CO2, nem os "choques" petrolíferos... prefiro interrogar-me:
Sobre o que é o debate?
É sobre a possibilidade de se utilizar essa tecnologia ?
Ou é sobre a necessidade de em Portugal se construir neste momento uma ou mais centrais nucleares?
É que há uma diferença entre "o nuclear" e "o nuclear aqui e agora".
Se falamos da primeira discussão, parece-me apenas de bom senso considerar necessário desenvolver pesquisa sobre as formas nos libertar da dependência dos combustíveis fósseis evitando o brutal choque que acontecerá à nossa civilização quando aqueles se extinguirem sem serem substituídos e reduzindo drasticamente a emissão de gases para a atmosfera.
Nessa linha tem de trabalhar-se e investir-se para melhorar a eficiência do nuclear, das eólicas, do fotovoltaico, procurar lançar as bases de uma "civilização do hidrogéneo" sem esquecer os melhoramentos nas formas de produção de energia convencionais.
Se for esta a questão, estarei de acordo com o Paulo Querido.
Se falamos da segunda questão, a construção de uma ou mais centrais nucleares aqui e agora, coloca-se uma outra ordem de problemas.
A forma como tem sido promovido o debate, a pressão evidente que os seus promotores tentam fazer sobre o governo no sentido de tomar uma decisão rápida, faz lembrar aqueles vendedores que nos pedem um preço exorbitante por um carro em segunda mão em que estamos potencialmente interessados:
"Olhe que tem de decidir depressa, até porque já temos duas pessoas interessadas".
Se é a este "debate" que o Paulo Querido se refere, acho que ele está errado.
Há suficientes indicações de que o sistema proposto é um sistema convencional com riscos potenciais graves ( basta UM acidente sério para riscar do mapa em termos práticos uma área significativa do nosso reduzido território) que não nos tornará independentes nem produzirá a tal energia barata, gastará em abundância um recurso natural escasso, a água sem hipóteses de reutilização e contribuirá fortemente no seu processo de fabrico para a emissão de CO2 .
É que a energia nuclear nem sequer altera significativamente o panorama dos combustíveis, que são fundamentalmente gastos em transporte, e os mesmos ganhos (ou mais) em electricidade podem ser obtidos com o melhoramento do desempenho energético dos edifícios e a generalização de dispositivos mais eficientes como os que indico no post abaixo.
A parte chata é que enquanto uma central ou meia dúzia serão responsabilidade de um empresário ou grupo de empresários, a eficiência energética considerada globalmente é um problema de todos, colectivamente em que cada um deve assumir a sua quota parte de investimento e responsabilidade.
O que levanta um outro problema de fundo a quem se preocupa frequentemente com "o País" e as razões do seu atraso atávico, esquecendo que o país somos nós, pessoas.
Por um lado a solução milagreira, um empresário providencial serve uma ou duas centrais para a mesa do canto e o problema está resolvido, podemos continuar na nossa vidinha de sempre tranquilizada que está a nossa angustiante preocupação com "as emissões de CO2".
Por outro lado a solução menos glamorosa de cada arquitecto obrigar-se a um sentido ético tão apurado quanto o estético, cada construtor cumprir os regulamentos de construção, cada investidor imobiliário perceber as consequências das soluções estéticas espalhafatosas, cada cidadão investir na aquisição de dispositivos mais eficientes e preparar-se para outros hábitos de consumo. Exige educação e empenho a vários níveis.
Se calhar custa mais do que uma ou duas centrais nucleares.

 

Uma central nuclear distribuida

Se se substituissem todas as lâmpadas do país por lâmpadas a LEDS que consomem cerca de um décimo das convencionais, poupar-se-iam certamente várias centrais nucleares.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006 

Ordenamento do território

Um padre que acompanhava a reportagem da trasladação de Lúcia numa qualquer estação de televisão (é indiferente porque davam todas mais ou menos a mesma coisa), explicou a dado passo a intrigante origem da palavra “carmelo”.
O profeta Elias viveu como eremita num local conhecido como o monte Carmelo.
Após a sua morte, explicou o padre, o exemplo de Elias frutificou e mais eremitas afluiram àquele lugar santo. Muitos eremitas.
Até que “chegou a necessidade de os eremitas se organizarem”.

 

Choque tecnológico

Comentando hoje de manhã numa rádio o assassinato de um sem-abrigo por um grupo de adolescentes, no Porto, um psicólogo afirmou tratar-se de um crime com um "carácter inovador".

quarta-feira, fevereiro 22, 2006 

O Elefante da Música

Desde há uns dias que ando com a sensação de que sofri uma alucinação.
O painel luminoso que incompreensivelmente equipava uma bomba de gasolina em que abasteci o meu carro, algures em Lisboa, não me recordo exactamente onde..., ia passando informação avulsa, de carácter vagamente "cultural".
E juro que me pareceu ver anunciada a boa nova de uma actuação dos irmãos catita na Casa da Música.
E foi então que tudo fez sentido, percebi finalmente porque chamam àquela casa de espectáculos esquisita do Porto, de Elefante Branco.
Pensa-se no balúrdio que se gastou em prol de actuações assim, catitas, e recostamo-nos em gozo e deleite: a utopia realizou-se, a anarquia está cá.
Só espero que isto não seja apenas uma alucinação.

 

Perfume radioactivo

Qualquer coisa anda no ar.
É que o debate é sempre bem vindo, mas a composição dos painéis do ciclo de conferências hoje organizado pela Ordem dos Engenheiros subordinado ao tema Energia Nuclear- o debate necessário, teve detalhes que lembram mais uma acção de propaganda do que um verdadeiro debate.
Muito bem que para defender a sua dama perante uma assistência onde pontificava a fina flor do dirigismo empresarial português, estivessem personalidades de peso como Patrick Monteiro de Barros, o rosto da proposta de construção de uma Central Nuclear em Portugal, Pedro de Sampaio Nunes que hoje publicou no Público um artigo a explicar "o porquê do nuclear" e Ruben Lazo, Vice-Presidente de Desenvolvimento de Vendas e Marketing da AREVA, um produtor de energia nuclear ( ou melhor dizendo "des solutions technologiques pour produire de l'énergie sans CO2 et acheminer l'électricité en toute fiabilité") .
Mas foi um pouco caricato que a Ordem dos Engenheiros, entidade organizadora e independente, de entre todas as organizações ambientalistas do planeta tenha conseguido a proeza inédita de encontrar UMA pró-nuclear.
E convidou-a, na pessoa do seu idiossincrático presidente.
E não convidou mais nenhuma...
Num cenário tão bem composto por forças vivas palpitantes de ambição e ávidas de empreendedorismo técnico e comercial, destoou porém, a intervenção de Paul Joskow, um dos autores do estudo do MIT "The Future of Nuclear Power"(1) citado por Aníbal Fernandes no artigo "Energia nuclear? Barata?" hoje publicado no Público(2), que apresentou um conjunto de valores relativos aos custos económicos (para só falar destes) do nuclear que, independentemente de outras considerações, são um balde de água fria para os defensores dessa opção no imediato.
E ainda nem se falou da localização da central... em Souselas parece que não é, que os habitantes nem uma co-incineradora lá toleram. Assim de repente não estou a ver uma região do país em que mesmo com muitas "contrapartidas" a população queira viver junto de uma central dessas.
O Douro cumpre alguns requisitos, mas já se encontra "ocupado" pelo vinho do Porto.
A sul, no interior do Alentejo, mesmo com Alqueva (pau para toda a obra!) escasseia infelizmente a água de que tanto depende o funcionamento de uma central nuclear.
Resta procurar por uma coisa assim perto da costa.
O Litoral português do Minho a Setúbal é quase uma mancha urbana contínua.
Na costa do Alentejo a norte de Sines, seria absurdo que o governo aceitasse a construção de um equipamento cuja presença deitaria para o caixote de um só golpe a tentativa de aproveitar as potencialidades turísticas daquela zona.
Assim isolado isoladinho e com água à discrição, apenas resta portanto...a Costa Vicentina.
Isto ainda vai dar que falar...
(1) Nota: aconselho vivamente o download a leitura deste estudo disponibilizado integralmente em pdf pelo MIT em curiosa contradição com o Público em que a modernização parece passar por artigos "trancados" enquanto os administradores lançam provavelmente bojardas nos seus relatórios sobre a "auto-estrada da informação".
Os numeros citados no Público de hoje estão no capítulo 5- Nuclear Power Economics
(2) É irrelevante meter links para o Público, uma vez que não dá para se ler nada lá que não seja um telegrama da última hora...

terça-feira, fevereiro 21, 2006 

Quadrados

"Todos culpados menos o nóvoa. afinal é um honesto cidadão trabalhador. o Estado é que tem a culpa de tudo. se não existisse, isto nunca se poderia chamar corrupção, era pura e simplesmente a lei do mercado. e mais... se a advogada não trabalha para um dos sá fernandes, de certeza que conhece um ou o outro os dois nem que seja do corredor, do elevador ou da televisão. um dessses gajos ( eu diria mesmo, os dois mas é para não me chamarem fanático) é com certeza culpado, e com certeza andam a trabalhar para uma empresa pública de parques que quer ganhar vantagem à custa de concorrência desleal."

Este foi o comentário que deixei de rajada neste post do Blasfémias, intitulado sugestivamente "a quadratura do círculo".

No Blasfémias passam a vida a denunciar a corrupção e os restantes males do Estado, mas quando um titular de um cargo público exerce o seu dever e denuncia um caso concreto de tentativa de corrupção activa levada a cabo por um representante de uma empresa privada, aquilo de que se lembram imediatamente é de "sugerir" conluios e compadrios por outras portas e travessas entre acusadores e acusados. Para que tudo caiba no filme. É demasiado rasteiro.
Claro que muito "blogosfericamente" o autor do post cita "a fonte", tal como lembra o CAA na mesma caixa de comentários (fica-lhe bem defender o companheiro de blog, valha-nos isso).
E o que diz a "fonte" ( a "fonte directa" como diz o CAA)?
"Há um mal-entendido" nas acusações de Sá Fernandes, disse Domingos Névoa, considerando-as "falsas e caluniosas".Escusando-se a entrar em mais pormenores, o administrador da Bragaparques rematou, dizendo que a sua advogada "Rita Matias, que é do escritório de Ricardo Sá Fernandes, está a tratar do assunto".
Ou seja, a "fonte directa" não dá nenhuma informação em primeira mão, limita-se a citar passivamente o acusado de corrupção.
Mas isto não impede o jcd, o autor do post, de "sugerir" conclusões.
O teor da notícia levanta por outro lado uma questão de ética(?)/técnica(?) jornalística.
Será assim tão difícil ao jornal ou ao jornalista averiguar onde trabalha a Dra Rita Matias para completar a notícia antes de publicá-la?
nota: cheguei ao post do Blasfémias através deste no Olissipo

segunda-feira, fevereiro 20, 2006 

Espelho, precisa-se

O editorial de hoje de José Manuel Fernandes, dedicado à análise de um ano de maioria absoluta socialista, termina com as seguintes frases sobre José Sócrates:
"A isto acresce que a admirada determinação de José Sócrates tem um reverso que é bem perverso: a sua teimosia raramente lhe permite perceber quando é necessário emendar a mão e realizar uma correcção de rumo. É nesses momentos que se lhe nota mais a falta de espessura como político e estadista".
Nada mal esta apreciação vinda de um apoiante incondicional de um político espesso cuja maior contribuição para a história das ideias políticas ainda é a célebre frase "Nunca me engano e raramente tenho dúvidas".

sábado, fevereiro 18, 2006 

Dias áridos

Nos dias áridos há que abusar da protecção solar.
"Continuamos o nosso caminho.
As azáleas, as pétalas e os sicômoros, as práticas camélias distendidas, as falésias,
minerais carcinomas, túrgidas mas breves e os jarros, as dálias...
murmúrios, marulhares de mares interiores, fugas e esquivas...
Cimitarras (formas bizarras como algures me parece ter ouvido em preces fúnebres), sim cimitarras, mas faltava um sentido (discutia-se mesmo sobre um cânone), faltava um sentido ao suave (eh! zumbido ?! Por favor, não!) mmmh..., suave, levitar do aço (oh! sim, o aço! ).
Partiram imperadores, partiram os gansos, e as drosófilas e os anophelis.
Sem melhores dias ficámos ia a dizer... absortos... sob flocos de areia tombando dos ares.
Ali uma sela, um animal aparelhado com arreios de festa
A palma branca de uma mão ali acenando dos panos revoltos de uma bandeira negra
Negra estatura nos olhos medida
Abandonámo-nos...nada de sensual, entorpecemo-nos, encantados seria pelos espíritos desfilando e revoluteando pelos espaços infinitos (os espaços serão sempre infinitos, guitarras serão sempre bizarras, suzie q, baby ai labyou ) sempre à nossa volta.
Uma cabina metálica, o pó, uma toalha turca, um jerrycan de água salobra aquecida até aos limites do tolerável no banho, para beber...é agora a ùltima ceia...eis o que basta para criar esse mundo asfixiante, obsessivo, perigoso, apaixonante.
"

Ludo Kraieski "Da estepe ao deserto"
trad. do polaco por Carla Seixas

terça-feira, fevereiro 14, 2006 

Marcelo pode abandonar RTP

É o título de uma notícia do Semanário, e é claro que já pode.
Depois de concluído um trabalho irrepreensível de longo curso na orientação da estratégia de Cavaco para a Presidência que entre outras jogadas brilhantes passou por literalmente escavacar o Governo do desastrado Lopes quando a oposição se encontrava decapitada, é tempo do repouso do guerreiro.
Num estilo que não deixa ninguém indiferente, a "opção" pelo abandono parece que surgiu devido a uma "extraordinária quebra de audiências", vá-se lá saber porquê, logo agora, assim de um momento para o outro....
Do mal o menos, enquanto ele estiver entretido a ler a vasta biblioteca que foi recomendando às suas atónitas audiências televisivas ao longo dos últimos anos e antes de se relançar na intriga política com o objectivo de se tornar califa em lugar do califa, pode ser que tenhamos nós, também, algum descanso.

 

Em equipa vencedora...

Diz o prestigiadissimo Semanário na sua última página que José Manuel Fernandes integrará a dinâmica equipe de Cavaco em Belém. Se esta hipótese parece capaz de arrancar a alguns cépticos mais uma gargalhada de desprezo perante o que seria uma confirmação, embora já supérflua, da promiscuidade instalada entre politica, gestão e media (já nem se diz imprensa nem nada e não será por acaso), tem de reconhecer-se que Cavaco se limitaria a cumprir um dever da mais elementar justiça perante alguém que com uma independência insuspeita e inexcedível tanto propagandeou a sua eleição .
Mas estou em crer que o pragmatismo do professor descartará essa possibilidade.
Um dos segredos do triunfo do novo Presidente é a gestão do "binómio" silêncio/tabu do próprio, fumarada de depoimentos dos seus apoiantes a alimentar o stress na opinião pública, e nessa perspectiva dificilmente o professor encontrará um assessor melhor colocado do que o director do mais credenciado jornal português "de referência".

segunda-feira, fevereiro 13, 2006 

Maus instintos

No crackdown, PM acha excelente artigo uma regurgitação oportunista de um fascistóide pró guerra do iraque a tentar apanhar a boleia da defesa da liberdade de expressão.
De resto o senhor Luciano até tem a honestidade de ilustrar a que "instintos de sobrevivência" se refere; Bush e a sua guerra criminosa, Guantanamo...
Belo espírito de sobrevivência. Melhor do que isto só numa série documental sobre a vida animal

 

A Voz do Povo

As análises sagazes de alguns analistas políticos mais ou menos conservadores alertando para o pragmatismo empresarial por detrás da apregoada generosidade de Bill Gates para com o nosso encantador país, mostram a versatilidade e perenidade das ferramentas de análise conceptual desenvolvidas pelo grande Karl Marx, apesar de uma larga percentagem dos seus utilizadores o declararem diariamente como "morto".

 

Bicos de pés

Anda aí pessoal muito agastado porque o Sampaio, segundo dizem, anda a distribuir medalhas ao desbarato.
Calma que há-de chegar a vossa vez, rapaziada.

domingo, fevereiro 12, 2006 

O funeral do bom senso

A Quercus promoveu este fim de semana um "funeral do Litoral Alentejano".
Enquanto o pessoal aproveita um fim de semana agradável para um ensaio geral do Carnaval, prepara-se com toda a tranquilidade o avanço do nuclear em Portugal.
Felizmente que uma central nuclear naquela região, aproveitando as tendências para a desertificação que ali se verificam, terá a vantagem de não aumentar a "sobrecarga humana", ocupará menor área de implantação e não vai beliscar qualquer habitat prioritário.

 

Tecnologias de vanguarda

 

Volumetrias futuristas


Castelo de Abrantes

quinta-feira, fevereiro 09, 2006 

Peso específico

As invasões napoleónicas foram um acontecimento político e social determinante para a história de Portugal.

É por isso chocante ler a listagem das fontes de “The Peninsula War, a new history” de Charles Esdaile de 2002, na versão editada pela Penguin em 2003, um livro que se pretende tão abrangente quanto possível sobre uma guerra que decorreu em grande parte em território português durante cerca de sete anos.
As fontes históricas indicadas dividem-se em quatro grupos.

  • Arquivos históricos- na sua totalidade espanhóis e ingleses.
  • Fontes contemporâneas- não há referência jornais e gazetas portugueses.
  • Memórias diários e relatos contemporâneos- mais de cento e cinquenta nenhuma portuguesa, embora haja três que se refiram a portugal.
  • Fontes secundárias - em mais de 200, há as seguintes:
  1. M. Barradas, "O General Gomes Freire de Andrade 1788-1817" (lisboa 1892)
  2. R. Brandão, "El rei Junot", (Lisboa, 1917)
  3. J Verissimo Serrão, "Historia de Portugal, VII: A instauração do Liberalismo 1807-1832 ",(Lisbon 1984)
  4. P. Vitorino, As invasões francesas, Porto 1945


Para alés destas quatro existem as seguintes referências a Portugal nas fontes secundárias

  1. F. de la Fuente, "Portuguese resistance to Napoleon: Dom Miguel Forjaz and the mobilization of Portugal", CREP, XIII (1983), pp 141-145.
  2. A.Silbert, "Les Invasions Françaises et les Origines du libéralisme ", (Coimbra 1990)

quarta-feira, fevereiro 08, 2006 

Caricaturas

A pior consequência de situações como a “crise das caricaturas” é fragilizar a posição dos muçulmanos moderados, provavelmente a maioria da população muçulmana.
Mas o facto de esse “fragilizar” poder assumir contornos de falta de segurança física, é um indício claro de que não se pode ceder ao “escândalo” dos fundamentalistas “ofendidos”.
Ponham os olhos no Orhan Pamuk aquando da fatwa do Khomeiny contra o Salman Rushdie, que na altura foi encarada com alguma indulgência por alguns “libertários” ocidentais em nome da compreensão pela sensibilidade dos “povos do terceiro mundo” aos ataques às suas “tradições”.
Os fundamentalistas “ofendidos” ofendem-se e partem para a violência sempre que sintam minimamente beliscada qualquer uma das suas causas proprietárias, seja o “direito” de as mulheres terem de usar véu, de serem separadas dos homens, não poderem exercer livremente qualquer tipo de profissão, seja o de qualquer um poder exprimir livremente a sua opinião qualquer que ela seja.
Ora isso nada mais é no fundo do que a expressão de outras hipersensibilidades religiosas contra as quais em parte se travaram na nossa área geográfica, as lutas pela liberdade de expressão de que resultou o actual panorama das liberdades cívicas.
Não percebo por isso, a dificuldade de alguns intelectuais e politicos ocidentais em compatibilizarem uma posição equilibrada e de diálogo com a civilização islâmica, com a defesa da liberdade de expressão sem entraves.
Por muito provocadoras e xenófobas que se sejam as caricaturas, esses intelectuais e políticos parecem ter medo de entender que a liberdade de expressão que permite que elas sejam publicadas é a mesma que permite aos muçulmanos (para falar agora apenas destes) manifestarem nas ruas o seu desagrado relativamente às políticas internas e externas dos países que visitam ou que escolhem para viver e que a ausência dessa liberdade é muitas vezes o motivo que leva alguns desses mesmos muçulmanos a deixarem os países onde nasceram.
A defesa da liberdade de expressão tem destes aspectos irritantes. Por isso é que se chama liberdade de expressão, não é propriedade de ninguém, e por isso pode e deve ser usada indiscriminadamente e em pé de igualdade por nós e pelo labrego mais ordinário que se nos oponha.
De resto, toda esta conversa sobre a “responsabilidade”, vem dar uma boleia inesperada a outros sectores religiosos que estão fartos da “licensiosidade” para usar as palavras atribuídas hoje a Freitas do Amaral no Diário de Notícias.
Quando forem os cristãos a manifestarem-se e a queimarem bandeiras quero ver o que vão dizer muitos dos que estão agora preocupados com a “ofensa à sensibilidade religiosa” das pessoas.
É que ainda por cima nem há que ter ilusões, as primeiras vítimas de eventuais limitações à liberdade de expressão em nome da “responsabilidade”, tal como já vai sendo patente em países como os Estados Unidos, são os dissidentes do actual pensamento único, incluindo se calhar à cabeça aqueles que se opõem à diabolização primária da cultura árabe e ao desprezo absoluto pelas suas sensibilidades e interesses.

terça-feira, fevereiro 07, 2006 

Doença degenerativa

Um novo assunto aterra na minha secretária.
Crio uma nova pasta no computador, abro um novo dossier.
A localização na estrutura de directórios e a designação obedecem a uma lógica irrepreensível e intuitiva.
Quando amanhã procurar essa pasta ou ficheiro, recordar-me-ei de um número infinito de regras lógicas e intuitivas para designar o assunto e organizar o ficheiro mas nenhuma coincidirá com o raciocínio inicial.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006 

Maonomania

Um bom texto para ser lido pelos admiradores do best-seller "Mao The Unknown Story".

 

Je vous salue

Digamos que alguém faz um desenho satírico contra um ícone da Igreja católica e os católicos ofendidos promovem uma manifestação.
Lembram-se do ”Je vous salue Marie” e da manifestação de católicos liderada pelo antigo Presidente da Câmara de Lisboa Krus Abecassis à porta da Cinemateca ?
Do escândalo que foi aqueles reaccionários a manifestarem-se contra uma manifestação de arte contemporânea... do ridículo de que se cobriram...?
Agora imagine-se essa manifestação ampliada por milhares de populares, encabeçada pela hierarquia religiosa e dirigindo-se à embaixada francesa queimar as bandeiras dos hereges...
Porque é que neste caso não há escrúpulos quanto à susceptibilidade religiosa de alguns, é evidente para quase todos que essas manifestações de protesto são obscurantistas e que se deve defender acima de tudo a liberdade de expressão ?

domingo, fevereiro 05, 2006 

Aguentem-se à bronca

O conjunto de caricaturas que reacenderam a "guerra de civilizações", pode ser obra de um idiota e não ter grande graça, mas não há alternativa senão defender a liberdade de imprensa.

 

Aventuras do Joe Delgado

O que irrita no livro Portugal Livre não é o facto de um rapaz americano aterrar em portugal e num livrinho de 80 páginas reescrever a história de portugal dos últimos cinquenta anos.
O que irrita é a retórica moralista que o acompanha a fazer lembrar a habitual introdução ao tema "o estado do mundo" feita pelas diligentes equipes ambulantes das Testemunhas de Jeová..
O livro tem a forma de um diálogo e a sua génese descreve-se em poucas palavras:
rapaz americano licenciado em história e neto de português relembra uma aventura do avô num obscuro golpe militar falhado ocorrido há mais de cinquenta anos num país obscuro.
O neto aterra em Portugal, faz alguns contactos e constrói uma versão dos factos.
Como seria de esperar nestas histórias infantis, aqueles revelam-se completamente diferentes dos apresentados nas versões oficiais. Diferentes é como quem diz, revelam-se pura e simplesmente o oposto da versão oficial. E também, por simples coincidência, na linha da perpectiva do avô do neto.

Não se limitando porém a esse feito já de si prodigioso, o autor debita uma série de inanidades de sabor mais ou menos moralista sobre os "enganos" em que o povo tem vivido sobre o 25 de Abril.
O povo anda enganado... iludido, as coisas não se passaram como o povo pensa... o costume.
“(...) E vocês são demasiado ignorantes para se aperceberem de que alguém tira proveito disso, tudo porque vocês não sabem quem foi o general Delgado (1)”.
Ele acha que antes dele ninguém sabe quem foi o General Delgado...ok...pouco modesto, o Weil.
Acha também que o povo português "pactuou" com o regime salazarista porque teve medo e se acomodou. Aí valente... dez como ele e nem o Salazar tinha feito a Constituição de 1933, não tinha chegado lá... mas de repente porém, ergueu-se da multidão apática, a figura de Delgado.
“(...) Basicamente, (basicamente é óptimo...) Delgado fez com que as pessoas perdessem o medo de ser intimidadas, presas ou mortas pelo regime. Após a sua morte, aquilo a que os historiadores chamam “o efeito Delgado” acabou por se dissipar e as pessoas tornaram-se novamente dóceis. Daqui se conclui que o espírito revolucionário dos portugueses era mais elevado no final dos anos cinquenta e no princípio dos anos sessenta do que antes do 25 de Abril”.
"Daqui se conclui...", este rapaz a concluir coisas é uma máquina.
Delgado galvanizou a multidão, o regime estava prestes a cair e isso só não aconteceu porque a oposição ao salazarismo traiu Delgado.
Tinha de ser... há sempre uma ovelha ranhosa a estragar uma história tão linda.
A visão estratégica das contradições que dilaceravam a oposição portuguesa à data do golpe de Beja é tão néscia que até dói.
(...) O Dr. [Mário] Soares e outros recusaram-se a apoiar Delgado porque não queriam desempenhar um papel secundário. Não há nenhuma outra razão para a sua recusa em apoiá-lo. Na altura do Golpe de Beja o regime de Salazar estava susceptível de ser derrubado. O Golpe de Beja fracassou não devido à resistência da ditadura, mas por causa de divergências com Delgado no seio da oposição”.
Os "outros" que ele não nomeia neste parágrafo mas é sugerido abundantemente no livro são os comunistas.
Tentando sumarizar (basicamente, como diria o Joe), a questão põe-se assim:
O General Delgado, anti-comunista convicto, prepara um golpe militar. Apesar de Delgado e o povo e o povo (agora sem medo) e Delgado serem praticamente unha com carne, a única estrutura organizada com capacidade para pôr o golpe em prática é o Partido Comunista.
O golpe avança mas existe alguma descoordenação – talvez mesmo antagonismo entre Delgado e os restantes oposicionistas. Mas Delgado – ou Weil por Delgado, o que neste caso vem dar quase ao mesmo, pensaria verdadeiramente que os comunistas e restantes oposicionistas de esquerda dariam o coiro num golpe de que emergeria como herói um anti-salazarista mas também anti-comunista?
Delgado quereria dar um golpe, na versão Weiliana, entre outras razões para impedir a ascenção do comunismo que lhe parecia inevitável nas condições vigentes à época, mas conta para isso com a colaboração dos comunistas. Numa altura em que se vivia já em plena "guerra fria". Por outro lado os comunistas entram num golpe que sabem que no fundo é dirigido contra eles como praticamente unicos executantes e para o boicotarem... sendo de caminho alvejados e aprisionados... não estamos ainda na tese do assassinato de Delgado pelos comunas cara a Salazar, mas também não andamos lá muito longe.
É das tais contradições... por um lado atribuem aos comunistas poderes maléficos, por outro... acham-nos idiotas.

O que é certo é que o golpe falha e Delgado passa à margem do golpe. Alguns dos protagonistas falam em "traição"... mas ninguém apresenta provas concretas. O General é "traído" mas consegue escapar, enquanto os "traidores" são alvejados e presos .
O povo português ( é sintomática esta forma "romântica" de explicar a história, é Delgado e "o povo", o resto é paisagem) que estava desperto por Delgado que até tinha feito "com que as pessoas perdessem o medo de ser intimidadas, presas ou mortas pelo regime", fica estranhamente inactivo, e um golpe que era "fácil", desfez-se em poeira.

Não havendo vacas sagradas, é natural que quer o Joe ou outro curioso qualquer investiguem os factos, é com certeza útil para o nosso conhecimento da história recente de Portugal que este e outros casos sejam melhor investigados, mas pelo amor de Deus apresentem argumentações coerentes, e abstenham-se de moralismos patetas do género :
Estás convencido de que o governo deste país é legítimo quando não o é. Ocultam-te as verdadeiras origens do teu governo”.
O que é que isto tem a ver com o caso Delgado?

(1) Teorias da conspiração há muitas e para todos os gostos

Nota: As citações do livro Portugal Livre de Joe Weil, foram tiradas do blog Para mim tanto faz

 

Falando de maquiavelismo

A forma como o Cavaco e os seus apoiantes desestabilizaram o governo do Santana Lopes foi uma das melhores jogadas estratégicas na política portuguesa dos últimos anos, e há que admirá-la.
Impediu que Cavaco disputasse as eleições presidenciais num clima de profunda aversão ao governo e desorientação da sua base de apoio e permitiu-lhe aparecer perante o eleitorado como personagem independente que marca posição de forma imparcial contra o "mau governo" e "a incompetência".
Cavaco e a sua gente estão agora de mãos livres para poderem tentar, assim que surja a oportunidade, trazer de volta um "bom governo" .
Só espero que isto não venha a servir também de reabilitação ao "menino guerreiro" quando este e a sua corte acharem que terminou a quarentena provocada por tão virulenta "crise de crescimento".