A mulher do vizinho
Uma das mais persistentes críticas que se faz ao sistema político português é a de contribuir para a paralisia da economia que nos prende como que por fatalidade na cauda de quase tudo, pelo menos a fazer fé nos analistas autóctones.
Os recentes Governos, dizem os críticos, têm falhado na aplicação de "reformas estruturais", nome esotérico que se suspeita é um guarda chuva que esconde a necessidade de anular a dimensão social do Estado, obstáculo que, parece, impede alguns de viverem em Portugal uma espécie de lindo sonho americano.
Percebe-se em nome de quem falam esses analistas quando olhamos com alguma frieza para o actual panorama da economia norte-americana e as suas consequências sociais.
De um lado, os milionários mais milionários do planeta. Uma minoria mínima que parece mais dilatada porque permanentemente adulada pela rede de meios de comunicação que alimentam a curiosidade dos basbaques. São poucos mas a sua riqueza permite exibir os bons indicadores no final do ano.
Do outro, mais discreto, a multidão de desempregados e despossuídos que aumenta de forma assustadora. São muitos, mas pesam pouco na definição desses indicadores. E raramente são notícia excepto por casos de polícia.
Este descalabro da maioria dos americanos, bem mais grave do que o verificado nos países onde foi possível implantar um sistema minimamente equitativo a merecer o nome de "social democrata", verifica-se apesar da redução ao mínimo do apoio social aos cidadãos em dificuldades da parte de um Estado limitado ao papel de polícia encarregue de manter a ordem interna e externa.
Não estou aqui a falar das teses apocalipticas sobre a derrocada do sistema americano, e da sua imaginária vulnerabilidade estrutural face a países em fase de grande desenvolvimento.
Trata-se apenas de questionar o interesse (intelectual) de alguns propagandistas nos tentarem convencer das vantagens de um sistema que coloca o cidadão comum perante as mesmas ou piores vulnerabilidades.