Do relativismo
Os laboratórios ideológicos da direita passaram umas boas décadas e muito dinheiro a financiar a produção de argumentos contra o que chamam de "relativismo".
Com tal sucesso que hoje em dia é de novo possível argumentar que há religiões melhores do que outras, e que civilizações, há sem dúvida uma que é tão melhor do que todas as outras juntas ( excepto, ao que parece, o Império Romano...) de forma tão natural e evidente que é dever dos seus defensores bombardearem as outras e é dever das outras concordarem com esse facto.
Hoje em dia até começa a fazer sentido para algumas franjas mais radicais dessa gente avaliar o comportamento de cada um na sua esfera privada, basta ler as bacoradas dos professores Espada e Monteiro.
Não deixa assim de ser estranho assistir à tentativa de "contextualização" (palavra tão detestada quando aplicada noutros... contextos) de uma frase que não podia ser mais clara:
“Mostra-me o que Maomé trouxe de novo, só vês coisas más e desumanas, tal como a sua ordem de espalhar pela espada a fé que pregava.”
Imagine-se que alguém tentava fazer o mesmo tipo de contextualização com algumas das tiradas revisionistas e racistas do presidente iraniano?
Se não se quizesse ferir a susceptibilidade dos muçulmanos não estaria tão mais à mão ir procurar textos produzidos por cristãos, como por exemplo aquelas tiradas sobre a dilatação "da fé e o Império" enaltecendo a "jihad católica" com que grande parte dos portugueses foram brindados na sua juventude?
Poderei concordar que a "intenção" do Papa não fosse agredir os muçulmanos.
E é isso que perturba: o sentimento de superioridade e impunidade é tal que se acha que uma frase deste tipo possa ser proferida "naturalmente", sem intenção de ofender, sem que os atingidos se lembrem sequer de achar-se atacados.