Voar no deserto
Ao assistir a certas discussões públicas como a de ontem no Prós e Contras da RTP1 sobre o novo aeroporto, fico com inveja da facilidade e convicção com que as pessoas identificam os seus interesses como sendo os únicos interesses legítimos.
Desta vez parecem mais "interesseiros" os autarcas e os industriais do Oeste, como Henrique Neto, porque estão na mó de baixo.
Se os autarcas são um pouco mais básicos, impressiona ouvir a argumentação incompreensível de Henrique Neto.
Lapalissiano: é tudo uma questão de "interesses". Mas eis que faz a sua entrada subreptícia a luta de classes. Alcochete são os interesses das grandes famílias ligadas ao turismo na costa do Alentejo...
Interesses aparentemente menos legítimos, mais obscuros.
Já a Ota, seriam os interesses das pequenas médias empresas do Centro e do Oeste, o povo em festa.
Será que o interesses destas não é transformarem-se elas próprias em grandes empresas, grandes famílias, grandes interesses?
E depois o problema, que não se resume à discussão do aeroporto, do "igualitarismo vertical".
Não se trata já de tentar promover uma igualdade de oportunidades, ou mesmo de fazer um esforço discriminatório para impor uma certa dispersão excessiva dos rendimentos dos cidadãos.
Não, trata-se de ter "os mesmos direitos" no sentido de toda a gente, ter o direito a tudo.
Se a escolha do aeroporto tivesse beneficiado a Ota, a região Oeste não se sentiria lesada, e muito menos obrigada a compensar minimamente as regiões a quem não coubesse em sorte um aeroporto.
Seria uma consequência "natural" de uma boa posição geográfica, olha que sorte...
Porém, como afinal o aeroporto foi para outro lado, o Oeste já tem de ser ressarcido, compensado desta desfeita. Correu riscos, apostou, e... perdeu.
Mas os adeptos do "gosto do risco", é sabido que não gostam de sair prejudicados. Quando ganham são homens de visão que tudo devem apenas à sua capacidade, ao seu talento... é ler aí nas livrarias a empilharem-se as historietas dos "gurus" da gestão.
Quando perdem? Em Portugal, pelo menos, exigem indemnizações, compensações.
Resta-nos esperar pelas aberrações de obras públicas que o governo vai ter de autorizar e aprovar para acalmar o despeito dos autarcas intérpretes dos "legitimos anseios" de tão laboriosa região...
Numa coisa talvez Henrique Neto tenha razão e Augusto Mateus me pareça demasiado displicente.
Como é que se vai impedir que "o deserto" se torne numa colmeia de betão à volta de um tão forte polo de emprego?
É o que vamos ver nos próximos anos. Para já, limitamo-nos a seguir a evolução do preço por metro quadrado numa zona onde, tirando o aeroporto não se vai permitir, dizem, a "especulação imobiliária"...