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terça-feira, fevereiro 03, 2009 

Hopi

Insónias...

O homem alto e alquebrado surgiu subitamente à minha frente no patamar, uma espécie de Chet Baker terminal de cabelos brancos, fato cinzento e gravata preta sob uma gabardine beige clássica, arrastando-se com dificuldade e segurando na mão, aberto, um livro desses de contabilidade.
Cavalheiresco, deixei-o passar apesar da morosidade dos seus movimentos me atrasar.
Previ o que aconteceu a seguir com um milésimo de segundo de antecipação. Mas foi tarde.
O óbvio, assim me parece agora, aconteceu e o homem precipitou-se pela escada abaixo.
Corri para ajudar a levantá-lo. Não vale a pena, disse, está partida.
Partida? Partida o quê? Retorqui. Olhei para a direita para o prolongamento da perna. No tornozelo era visível uma espécie de costura transversal, como uma soldadura.
O homem começou a sofrer convulsões. Saiu-lhe sangue da boca. À mistura com dentes, assim me pareceu. Ou seria outra coisa qualquer vinda das entranhas.
Chamem o 112!
Uma rapariga com a farda do tipo para-militar brick da Cruz Vermelha estava postada na borda do passeio como uma sentinela garbosa. Andrógina.
Chegaram uma, duas, meia dúzia de ambulâncias do INEM. Aparato. Estrilho de luzes reflectindo-se na calçada de basalto húmida.
Eh! amigo! gritei quando o levavam na maca, para onde lhe envio o livro?
Não vale a pena, respondeu, não tenho morada, está a chegar o fim deste calvário.
Fiquei parado na rua com uns restos rasgados de folhas pautadas na mão.
Inscrições ilegíveis, anotações, contas bizarras num impecável cursivo comercial.