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quinta-feira, outubro 15, 2009 

Sonhos fofos

Que o Santana Lopes se tenha queixado do "eleitorado" do Bloco e da CDU, é mais ou menos compreensível. Santana portou-se bem e fez praticamente o pleno da direita que formalmente o apoiava, e sendo assim, a vitória era matematicamente possível. Que lhe tenha fugido assim, entre os dedos, desestabilizou-o e arrancou-lhe aquelas declarações proferidas entre convulsões que irromperam subitamente num discurso de aceitação democrática da derrota que até começara amodorrado.

Que alguns simpatizantes do Bloco se refiram a parte dos eleitores que elegeram Costa, como "eleitorado" do BE e da CDU é que já revela uma tremenda capacidade de auto-ilusão.
O "eleitorado" do BE? Mas o que é o "eleitorado" do BE? Ou, sequer, da CDU, apesar de a CDU, com todos os seus "reforços" se manter relativamente estável nos cerca de 7% desde há décadas, reforçando-se sempre, desde que foi maioria absoluta e farol dos trabalhadores do Alentejo até às duas dezenas e meia de autarquias que hoje detém?

As pessoas que se preocupam tanto com o "clientelismo" acabam por utilizar e utilizar exactamente da mesma forma, as categorias de raciocínio pré-formatado pelo reducionismo dos media e reproduzido mecanicamente pelos seus comentaristas, à falta de outras muletas conceptuais. O eleitorado, por definição, não é de ninguém. São as pessoas, individualmente, que reagem a situações concretas.

A capacidade de auto-ilusão permitiu escrever na blogosfera, a propósito do resultado das legislativas, que se abriu uma fissura no sagrado princípio da propriedade privada.

Alguém que observe com um mínimo de atenção a realidade que vivemos no dia a dia, apesar da crise, ou pelo menos enquanto a crise se mantém neste patamar, pode acreditar seriamente nisto? Quando muito, podem apreciar-se "fissuras no sagrado princípio da propriedade privada" dos outros.

Será preciso lembrar que a esmagadora maioria dos simpatizantes e militantes dos partidos que julgam constituir a "esquerda radical", são na realidade "burgueses", ou "pequeno burgueses", relativamente aconchegados nas suas carreiras profissionais, frequentemente académicas, e cujo "mal de vivre", provém, não de ferozes atentados do Estado sob a forma de exacções ou desvarios policiais, mas dos inconvenientes do acesso à propriedade privada que passam pelo incómodo e servidão do pagamento de empréstimos de maior ou menor prazo, das prestações do carro, da casa, do computador, do plasma, do mp3, dos produtos de consumo cultural, da frequência dos supermercados e dos megastores, dos estádios, das praias e das viagens de turismo?

É esta realidade, é este quotidiano que se fantasia como equivalente ao dos habitantes dos "mega slums" descritos por Mike Davis, ou a quem se destinam as elocubrações sobre a "multitude" dos Negri e companhia?
Quem parece ansiar por um agravar da crise para expor ainda mais as limitações dos "governos burgueses" e potenciar o que se imagina vir a ser uma replicação da situação revolucionária no início do século XX, imagina que uma hipotética revolta dos verdadeiros descamisados, lhes trará protagonismo, os deixará, sequer, com algum centímetro quadrado de pele inteira?
Pense-se em "organizações" como o Primeiro Comando da Capital.

Pela sua implantação nos resíduos do que são as tradições operárias com raízes no século dezanove, ainda faz algum sentido falar num certo eleitorado CDU ( não deixando de ser sintomático que o PCP continue nesta fase do campeonato a esconder-se numa sigla que evoca o partido conservador alemão no poder), por muito deplorável que seja o anacronismo dos seus dirigentes.

Quanto ao Bloco, é, neste momento, uma fantasia, mais um produto de consumo intelectual, um luxo que a democracia nos traz e que consumimos com algum prazer quando estimula a discussão intelectual e nos desgosta quando faz o frete às campanhas difamatórias da direita.
Tirando uma autarca valiosa em Salvaterra de Magos, o Bloco não tem, como partido, qualquer implantação política onde possa ser útil, ou seja, entre aqueles de quem sugere ser porta voz, os despossuídos que não têm carro, carro, passe, tv ou net cabo, não têm água canalizada ou electricidade ou vivem abandonados nos sótãos a cair de podres da parte velha das cidades.
O debate entre o Arrastão, A Terceira Noite e o 5 dias sobre a capacidade do Bloco se assumir como "governo", ascendendo assim à idade adulta da política, quando contrastados com os propósitos lunáticos do candidato por Castelo Branco, provam este impasse e o equívoco de o Bloco apelar ao entusiasmo "anticapitalista" de alguns entusiastas seduzidos pela linguagem revolucionaresca de alguns bloggers e a sua realidade de Partido "do sistema", cuja legitimidade, isto é, os votos, os deputados, os autarcas, lhe é dada pelo e no sistema.