Afinal havia outras
Escutas.
Numa entrevista à SIC Notícias, o ministro Santos Silva disse que "as escutas a José Sócrates decorreram ao longo de quatro meses e envolvem 52 cassetes".
Durante o período, portanto, em que se discutia acaloradamente a possibilidade de o Governo estar a fazer escutas ao Presidente da República.
Esta revelação, e não a do conteúdo das escutas, que anda por aí a saltitar por entre meias revelações a conta gotas e tiros no escuro, apenas faltando escolher o momento propício para que sejam reveladas ao público com pompa e circunstância as passagens que dentro dos mais variados contextos sejam mais rentáveis para quem as comprou, motiva alguns franzires de sobrolhos sobre uma hipotética "violação de segredo de justiça".
Para estes adeptos "éticos" da "liberdade de informação", 52 cassettes são um banquete de informação de toda a ordem demasiado rico para que possam, tal como qualquer vulgar bando de abutres, passar ao lado.
Como era de prever a questão das escutas abriu uma caixa de Pandora que o sistema político e judicial é impotente para combater.
À boleia da sua "necessidade" para efeitos de investigação instaurou-se, via promiscuidade corrupta entre jornalismo sem escrúpulos e "fontes", o generalizado desrespeito pela privacidade das pessoas. Por este andar deixa de ser necessário haver investigações policiais. Basta escutar. E depois fornecer a informação para os jornais servirem de acordo com as conveniências comerciais e políticas, suas, ou de quem os manipula, acompanhadas de frases retóricas e ocas sobre a "presunção de inocência", "segredo de justiça" e outras lérias.
Para algumas pessoas isto tem a ver com "liberdade de informação" e "dever de informar". Sobretudo porque a vítima é o "vizinho", neste caso o Sócrates. Para mim é uma ameaça grave ao estado de direito que a classe política e os jornalistas aceitam sem pestanejar. Um acto de corrupção de que são cúmplices aqueles que ganham a vida a falar de corrupção.
Uma outra evidência é que as escutas estão a ser feitas por pessoas que não têm credibilidade técnica e ética para as fazer. Não se trata de saber que este ou aquele magistrado que as autorizam são ou não monumentos à seriedade, interessa que fazem parte e não podem ignorar que fazem parte, de um sistema que não só permite as fugas como as promove activamente.
A continuar a autorizar as escutas, todos os implicados no processo, do Juiz ao porteiro, devem passar a ser responsabilizáveis criminalmente em caso de fuga. Enquanto isto não puder ser assegurado, esqueçam as escutas. Proibam-nas.
Não deixa também de ser surpreendente a facilidade com que agentes políticos dos mais diversos sectores estão dispostos à cumplicidade nestas traficâncias.
Em nome da "eficácia" contra a "corrupção", acordam-se os adeptos das democracias populares, saudosos dos bons exemplos da STASI e os "liberais" adeptos dos métodos patrióticos do consulado bushista.
As necessidades da luta política estão, assim, a empurar o sistema democrático para um impasse no que respeita à gestão da justiça. Os direitos que a democracia construiu ao longo de décadas arriscam-se a ser afogados numa enxurrada de "democracia directa" manipulável através do doseamento da informação e que só parará no regresso do estado policial.
E ainda cá não houve nenhum atentado terrorista.
No dia em que isso acontecer, o Patriotic Act americano vai parecer uma brincadeira de crianças.