« Home | Comentários 1 » | Debate sobre a débacle » | Nobel » | O fascismo e Kadhaffi - um texto do Vias de Facto » | Género » | Game Over » | Ainda não acabou » | Junk Food, junkheads » | Charming perspectives » | Estações » 

domingo, setembro 11, 2011 

Comentários 2

Resposta ao comentário de João Paulo Fonseca no Facebook, ao post em que linkei um post do Vias de Facto.
João Paulo Fonseca
Um sofisma, ou uma invulgar incapacidade cognitiva do tal João Bernardo.
Justificar a classificação de fascista ao regime de Nasser, porque tentou recuperar valores da cultura arabe, revela um desconhecimento excessivo para que não ponderemos estar perante uma tentativa de manipulação.
A comparação com as intervenções militares no Cambodja (muito criticada pelas potencias ocidentais), ou da União Soviética em Espanha é estapafúrdia.
No primeiro caso porque se tratava de travar um genocídio.
No segundo caso pq se tratava do apoio a um governo legitimamente eleito.
Muito para além da verborreia, intervenção militar na Líbia levanta quatro questões essenciais:
1. Uma intervenção militar estrangeira num país soberano é justificável apenas porque esse país não é democrático? De outro modo: não considero Portugal, a Espanha ou os EUA como democracias. Isso deveria levar-me a apelar a uma intervenção militar estrangeira ?
2. Uma qualquer intervenção política, incluido uma intervenção militar, não deverá ser ponderada de acordo com as vantagens ou desvantagens para a população? Na Líbia, essas vantagens justificarão os 50.000 mortos?
3. Que tipo de governo, se prevê, substituirá Kadaffi? As potencias ocidentais não estarão a abrir o caminho para um regime islamita, humilhante e repressor para a maior parte da população?
4. Pq razão as intervenções da Nato, no médio-oriente se restringem a países não dominados pelos EUA, com petróleo?

Se tiver possibilidade indique-me "Aqueles que, na esquerda, usam o pretexto da intervenção da Nato para defenderem o regime de Kadafi ", como diz João Bernardo. Porque este foi um acontecimento que me escapou. Abraço.

João Paulo, o João Bernardo, para além de ser um activista de esquerda no activo, é historiador, e neste texto, escrito para um blog, apresenta sinteticamente um argumento que não me parece que possa ser resumido pela sua leitura simplista de que acusa o Nasser de fascismo por introduzir hipotéticos "valores da cultura árabe", o que quer que isso seja.
Quanto ao facto de a intervenção no Camboja ter sido muito criticada no ocidente, refere-se a quem?
Aos que diziam que as primeiras reportagens da Newsweek e outros órgãos de comunicação "burgueses" sobre o que se passava no Camboja eram "manobras da CIA" para descredibilizar um país e um governo verdadeiramente populares que tinham acabado de infligir aos americanos uma das suas mais humilhantes derrotas ou aos que diziam que a invasão era apenas o resultado do "hegemonismo social-fascista" soviético e que um filme como "Killing Fields" era um reles filme de propaganda?
Melhor ainda, o que lhe permite dizer que no Camboja houve "genocídio"?
Você esteve lá? Presenciou? Foram os vietnamitas que disseram? E se foram os vietnamitas que o disseram, explicaram-lhe que para além dessa intervenção militar que você implicitamente admite como "humanitária" havia também a sua necessidade de afirmar o seu papel como potência regional? Foram os americanos com dor de cotovelo por terem sido corridos a tiro? Foi a imprensa dominada pelo Rupert Murdoch ou os seus competidores, porventura menos exuberantes e mediáticos?
Como se forma a nossa percepção do que se passa em lugares remotos?
Como é que você admite que no Vietnam sim, mas na Líbia, não? O que é que você acha do nosso chocante alheamento do terror do Ruanda, ou da presente situação na Somália?
Como é que você, que certamente viu as imagens alucinantes dos snipers à volta de Sarajevo (admitindo que não as considera montagens dos serviços de informação americanos), ao cerco de uma cidade inteira e da sua população civil, reagiu ao bombardeamento desse cerco criminoso pela aviação da Nato?
Como é que você reagiu perante as imagens de Timor Leste e à ameaça feita por um Presidente americano -seguida de intervenção militar por um proxy americano na região - a um país integrante do movimento dos não alinhados do terceiro mundo?
Acha que a questão de fundo da Guerra Civil de Espanha foi a questão legalista do "governo legitimamente eleito"? Não será antes porque os países ocidentais demonstraram nesse caso a cobardia e mesmo complacência que encorajou o fascismo a envolver-se noutras aventuras?
Quanto às suas questões:
1. Questão que faz sentido no caso do Iraque e do Afeganistão mas desenquadrada aqui.
Aqui trata-se de apoiar consequentemente, isto é, por meios militares, o apelo feito à comunidade internacional, incluindo a ONU e a OUA, pelos rebeldes líbios que decidiram resistir pelas armas ao envio do exército líbio para pacificar uma onda de protestos.
Claro que agora convém dizer que a "ONU está ao serviço dos americanos". No caso do Iraque, quando a ONU fez frente a uma administração americana composta por falcões, ninguém reparou nessa evidência.
Para além disso, devo confessar-lhe que se eu pudesse, teriam havido intervenções internacionais mais firmes - admitindo capacidade para tal - em diversos locais, tais como no Ruanda (concordamos que foi um genocídio, não?), e neste exacto momento, em toda a região dos Grandes Lagos, no Sudão, na Somália...
2. Concordo. Quando você faz uma revolta deve fazer isso. Mas.. é possível? É possível prever até que ponto o adversário vai resistir? O facto de ser previsível que ele reaja é razão para a inacção?
Quem fez a revolução de Outubro mediu as consequências? E a Revolução chinesa?
E os 50.000 mortos? Quem os inventariou? São militares? Rebeldes? População civil? Se é generalizada a noção de que a situação é confusa no terreno, que os serviços hospitalares estão em estado mais ou menos caótico, quem é que fornece estes números? Os media? Mas então e a falta de credibilidade dos media?
Outras entidades? Os serviços do Kadhaffi? ONG?
As minhas perguntas são feitas em perfeita inocência, creia. Fascinam-me sempre estas estatísticas baseadas em estimativas feitas em situações extremamente fluidas mas chutadas para o ar com a maior das auto-confianças.
Parece que a imprensa vendeu, e a opinião pública comprou, esta dos 50.000 mortos. Podem ser 500.000, podem ser 5.000, mas o pessoal arrematou, mais rapidamente do que se consegue fazer a estatísticas dos mortos anuais nas estradas portuguesas. Talvez daqui a um ano ou dois, se a situação estabilizar, tenhamos números credíveis.
3. Bom. Eu poderia responder-lhe apenas de forma casuística, isto é: surpreende que você coloque essa questão num comentário em que uma das ideias fortes é a sua defesa da não ingerência nos assuntos internos de outros países.
Mas na realidade, a minha opinião é que não, pelas razões que tenho exposto em vários posts no meu blog e tenho visto defendidas em artigos que, subjectivamente, penso retratarem a situação dum ponto de vista que para mim faz sentido.
Não posso, porém, deixar de assinalar que essa preocupação é alimento da criticada cumplicidade dos nossos dirigentes corruptos com os ditadores úteis.
4. A sua questão sugere que no seu entender, apesar do distanciamento em relação aos assuntos internos dos vários países, poderá haver outros países cuja situação interna torna elegíveis como alvos militares e que só estão a salvo (quiçá injustamente) por ausência do ouro negro (que me diz da Síria?).
É claro que os Estados Unidos, e não só, pretendem pilhar petróleo e o petróleo não está alheio do apoio (que não é só americano, atenção) aos rebeldes líbios. Mas esperar-se-ia que os americanos e outros ocidentais apoiassem a revolta gratuitamente? É uma outra questão.
Lenine não obrigou, vencendo a relutância dos seus próprios homens, incluindo o Trotsky, à aceitação total e incondicional das exigências territoriais alemãs em Brest Litovsk, para liquidar, a qualquer preço, aquela frente de combate e poder salvar a revolução?

Quanto à sua última observação, recordo que o post do Vias de Facto aparece no contexto de uma discussão que tem decorrido ao longo dos últimos meses e que eu não tenho seguido a par e passo, pelo que não sei a que exemplos concretos ele se refere.
Numa perspectiva puramente pessoal, se tiver oportunidade para ler os posts e os comentários do 5Dias, estou certo que não ficará desapontado.
Isto é, se não ficar também baralhado.
Porque nesse blog há de tudo, entre autores e comentadores mais ou menos residentes. Já se fez a apologia da "resistência islâmica" ( e julgo perceber que não é a que se exprime em jogos florais) aos imperialistas americanos, e agora faz-se a defesa do Kadhaffi como último bastião contra os desígnios sinistros de uma torpe coligação (Americanos, sionistas, rebeldes, Al Jazeera, CNN) ao serviço da... AlQaeda.