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domingo, maio 07, 2006 

Na pele de um outro

Se eu fosse iraniano estaria profundamente preocupado com a opção clara do meu país pelo nuclear, fosse para fins pacíficos ou não.
Teria provavelmente de esconder essa preocupação dos meus amigos, mesmo aqueles que abominam a ditadura teocrática imposta pelos fundamentalistas religiosos, disfarçada com a realização de "eleições" viciadas à partida pela neutralização dos líderes da oposição.
Dos fundamentalistas, nem é preciso falar: obterem a bomba é um desígnio divino.
Mas desenganem-se aqueles que pensem que só aqueles se empenham num programa nuclear.
Desenganem-se os que pensam que bastaria mais uma operação de regime change e deixar mais uma vez fluir o trânsito de tanques de uma qualquer "coligação" pelas avenidas de Teerão para que as flores acenassem dos passeios e tudo entrasse nos eixos.
Apesar da persistente estupidez daqueles que não aprendem sequer com uma prática tão edificante como o exemplo iraquiano, para os não fundamentalistas e aqueles que aspiram a um "modo de vida" mais ocidentalizado, a opção nuclear é também uma questão do mais vulgar patriotismo num país que não nasceu ontem nem teve as suas fronteiras desenhadas por uma qualquer comissão de plenipotenciários de potências coloniais .
Com que direito é que a comunidade internacional se digna ameaçar com a bomba uma potência regional só porque esta aspira a algo que pode construir, se é sabido que essa potência regional é directamente ameaçada pelas bombas israelitas também elas obtidas ilegalmente sem indignações radicais de europeus e americanos?
Com que direito é que a comunidade internacional se digna contradizer os próprios princípios em nome dos quais diz actuar ameaçando com a bomba um País que com maior ou menos folclore retórico se limita a aplicar raciocínios geo estratégicos idênticos em princípio, mas de fôlego mais modesto ao das grande potencias ocidentais?
Com que direito é que a comunidade internacional considera o Irão suspeito de irresponsabilidade quando os exemplos que lhe deu ao longo das últimas décadas foi o da falta de escrúpulos do Ronald Reagan via Oliver North que não hesitou em negociar com os ayatollahs com o mero objectivo mesquinho de vergar de forma bárbara um pequenissimo país da América Central e o da invasão empreendida pelo mais tarde odiado Saddam então com o beneplácito das potências ocidentais?
Com que direito é que a comunidade internacional pretende alcançar um consenso para impor regras apenas a alguns, quando não hesita, quando lhe apraz e acha necessário, violar essas mesmas regras?
A "comunidade internacional" entendida como as potências ocidentais, tem utilizado esses princípios que deveriam por ela ser defendidos intransigentemente, como mera retórica para não ceder um mínimo no seu poder discricionário, com fins, não de alargar uma base civilizacional, mas puramente instrumentais.
Nem é preciso irmos ao nuclear, basta reflectirmos no desprezo pela Convenção de Genebra.
Os iranianos não fundamentalistas também sofrem a humilhação do senhor Bernard Lewis e outros propagandistas ao serviço da administração Bush ao descreverem o mundo islâmico como um mundo decadente militar e tecnicamente e nada os obriga a aceitar que o seu País se resigne ao papel que lhes é distribuido pela propaganda ocidental.
Perderam-se nas duas últimas décadas, oportunidade atrás de oportunidade para fazer a diferença, e agora colhem-se naturalmente os frutos.