Descubra as diferenças
Lembro-me como há uns poucos anos atrás, surgiu na sociedade espanhola um sentimento de revolta contra os assassinatos da ETA.
Entre os espanhóis era claro que não podia continuar a tolerar-se o assassinato como forma de luta sistemática numa sociedade democrática. E a pergunta que se fazia era: qual a posição dos os independentistas "legais" perante isto?
Numa posição incómoda estes, encenavam uma fuga para a frente com o desafio:
Não está em questão lamentar ou não lamentar mortes, o que interessa é olhar para o futuro e criar as condições que permitam negociações que levem a um acordo de paz duradouro.
Horizontes largos, au-dessus de la melée...
Numa cidade do País Basco realizaram-se então manifestações e contra manifestações logo a seguir a um desses assassinatos.
De um lado as pessoas indignadas.
Do outro os militantes independentistas.
Um repórter perguntou na rua a um desses militantes se ele lamentava o assassinato ocorrido um ou dois dias antes.
A resposta veio pronta, mecânica:
Homem, lamentar, não lamentar, não é isso o essencial, o que interessa é olhar para o futuro e criar as condições que permitam negociações que levem a um acordo de paz justo.
Foi uma imagem forte que me inspirou um sentimento de repulsa e me ficou como paradigma do embrutecimento a que se pode chegar quando nos envolvemos completamente no universo pouco arejado da militância política mais extrema.
Ouvir ou ler os nossos neoconservadores de aviário, causa-me o mesmo sentimento de repulsa:
Há uns meros dois anos, ou mesmo seis meses, era ouvi-los exigir o bombardeamento de tudo o que mexesse fora do que consideram o sistema da "liberdade".
Quando os soldados da "coligação" entraram em Bagdad, era vê-los exultar com a perspectiva de a invasão continuar sem delongas para a Síria e o Irão, países do Eixo do Mal com quem "não se negoceia".
Qualquer chaparro postava, escrevia editoriais e artigos ou dava entrevistas a metro, assegurando que "agora, qualquer ditador pensa duas vezes antes de desafiar o mundo democrático"...
Subitamente, porém, quando se começou a falar da crise iraniana e da quase exigência ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português que empacotasse o embaixador iraniano e o enviasse para Guantanamo por declarações anti-semitas violadoras da "absoluta liberdade de expressão" durante a crise dos cartoons, aparecerm com um novo gimmick :
"Atenção, que o Irão é diferente do Iraque".
Comecei a ler isto muitas vezes e e confesso comecei a ficar intrigado:
Será que esta lapalissada é apesar de tudo o sinal de que começa finalmente a entrar algum senso nestas cabeças?
A capa da edição do Público do passado Sábado passado trouxe-me de volta à realidade.
"Há diferenças significativas entre o Irão e o Iraque", terá dito o Bush.
ah!
Por isso não me surpreendi já, quando ao almoçar num restaurante no princípio desta semana, ouvi esta frase vinda de uma mesa próxima:
"Atenção, que o Irão é diferente do Iraque".
Esquecem-se de dizer, entre outras coisas, que o Irão é diferente do Iraque, por causa da invasão do Iraque.