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domingo, julho 16, 2006 

Robot escritor

Só mesmo o nome do autor me faria comprar o livro "Paiva Couceiro, um herói português".
A figura de Paiva Couceiro, um militarista reaccionário nunca me interessou particularmente.
Mas sendo Pulido Valente desde há pelo menos duas décadas o mais brilhante cronista da direita portuguesa e um dos poucos que se consegue ler de forma consistente, e para além disso historiador (apesar do retrato autodepreciativo que ele faz da sua passagem por Oxford num artigo autobiográfico que escreveu há mais de uma década) pensei que seria uma oportunidade para ficar a conhecer um pouco melhor uma época histórica que eu conheço mal e que suponho é em geral mal conhecida: as campanhas de África e a sua ligação com a política portuguesa das últimas décadas da Monarquia e o período da primeira República.
Infelizmente fiquei desapontado.
Ainda que sejam referidos uma série de episódios concretos e indicada ampla bibliografia que demonstra que o autor levou o trabalho a sério, o livro é uma espécie de grande crónica esticada que parece em certos momentos ter sido escrita "a despachar".
Por vezes há a sensação comum a certas obras da historiografia anglo saxónica em que a política é tratada como uma caixa negra, onde se joga um intrincado xadrês onde só ocasionalmente chegam os ecos do que se passa na sociedade.
Paiva Couceiro parece afinal um títere, um boneco articulado que passa a vida a correr de um lado para o outro numa agitação demente com desprezo da sua vida, dos que lhe são mais próximos e dos outros.
Será que isto faz dele um dos heróis da Direita portuguesa "que se opunha a Salazar"?
Que quer isto dizer? Uma outra via? Talvez afinal, o episódio de juventude do herói em que ele afinfa cinco tiros num sujeito ordinário que com ele chocou algures na Baixa diga muito mais sobre as alternativas e o estilo da Direita do que nem o próprio Pulido pretenderia tornar claro.
Note-se que Pulido Valente é o autor de um estilo único e acutilante que recorre a um léxico muito próprio que impôs no vocabulário formal da crónica portuguesa, e onde se fundem a concisão e a clareza com uma adjectivação muito eficaz.
Eficaz sobretudo porque tem a arte de criar uma forte empatia com o leitor que converte em "cúmplice" inconsciente de um senso comum "óbvio" e impermeável ao entendimento da ralé, que é corporizada pelo objecto da crónica.
Ora num livro deste tipo, as "evidências" acabam por se tornar cansativas e mesmo chatas quando sistematicamente não são explicadas.
Talvez seja difícil, e exija muito mais espaço, mas pelo amor de deus, então para quê persistir no tique?
Uma outra caracteristica que resulta extremamente irritante no livro resulta de uma das qualidades principais das crónicas.
É que nas crónicas é possível arrasar os alvos de Pulido um a um, por crónica, recolhendo o entusiasmo dos restantes poupados nesse dia. Na semana seguinte mudará o alvo e a vítima da semana anterior juntar-se-á com alegria à comunidade dos poupados.
Num livro, a páginas tantas é difícil continuar a aturar por muitos capítulos que todos os intervenientes de todos os lados das barricadas decidam sempre tudo com base na inanidade, na incompetência e na estupidez atentatórias do bom senso.
Aliás chega a dar a sensação de que a adjectivação aplicada a certos casos concretos decorre de um mero procedimento burocrático, como se o autor a aplicasse como chapa três.
A história segundo Pulido, é largamente a História Geral da Cretinice obervada críticamente de um ninho de águia onde habita um "bom senso" que nada nos diz do que efectivamente ele pensa, ou se pensa alguma coisa e não é apenas um robot com mau feitio programado para proferir tiradas brilhantes a arrasar hipotéticos adversários.