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domingo, dezembro 30, 2007 

Lodo, não cais?

É verdade que apesar de bombástico o título, as ressonâncias e musicalidade pachecóide deveriam pôr-me de sobreaviso mas, eterno "optimista", dispuz-me a ler o editorial de José Manuel Fernandes da passada quarta feira no Público com alguma expectativa, já que não é todos os dias que algum corajoso proclama "O dever de dizer alto o que por todo o lado se sussurra".
"Ah caraças, é o regresso dos "muckrakers", os jornalistas incorruptíveis com consciência social que vêm denunciar os podres do sistema e abanar esta pasmaceira" pensei, sempre presa deste registo "soixante huitard" "hors saison" que se me cola como lapa nestes momentos mais épicos.
Lembrei-se de casos recentes. Por exemplo, susurrou-se em tempos que o interesse principal da invasão do Iraque era o petróleo, mas foi preciso passarem quase quatro anos da invasão para que o guru Alan Greenspan o dissesse alto e bom som para toda a gente ouvir. Um dever que Greenspan cumpriu mas não foi seguido pela corja neo-conservadora americana de nacionalidade portuguesa.
Voltemos à nossa história.
Depois de uma introdução para os jovens frequentadores de um workshop de jornalismo, entrou-se no osso e o osso tinha pouco tutano para dar. Por outras palavras, a montanha pariu um rato.
Afinal, no meio de tanta miséria que aflige o mundo e arredores, o motivo da proclamação voluntarista não é nenhum escândalo envolvendo políticos e financeiros corruptos, é mais uma vez o triste não-assunto do "politicamente correcto".
O que causou a indignação de Fernandes não foi a forma como a UNESCO combate a SIDA e a mutilação sexual feminina, foi a linguagem utilizada para descrever estes flagelos.
No mesmo dia, Rui Tavares escreveu no Público sobre algo bem mais preocupante, a referência feita pelo Cardeal Patriarca ao ateísmo como "o maior drama da humanidade". Qualquer ateu consciente de que o proselitismo ateu não tem grandes lições de moral a dar aos cristãos, tem a obrigação de tolerância relativamente aos dislates dos lideres de qualquer seita religiosa, mas é curioso que o Director do Público tenha ignorado esse tema e tenha escolhido como alvo das suas preocupações questões tão acessórias e se dê ao trabalho de frustrar as expectativas dos seus leitores com títulos pomposos para assuntos da treta.
Dá para pensar: se uma linguagem tão ridícula como a do vulgarmente designado "politicamente correcto" incomoda tanto reaccionários notórios como a Helena Matos, o JMF e o Pacheco Pereira, será que fará afinal algum sentido?
A terceira parte do texto foi ainda mais séria e grave, porque é mais uma manifestação da estranha tendência de José Manuel Fernandes para tomar partido em certos conflitos entre grupos de interesses que se degladiam para tomar o controle de sectores da nossa economia, que, julgar-se-ia interessarem a um jornalista apenas como matéria de investigação independente.
Primeiro foi o caso da OPA à PT e a defesa apaixonada que fez do patr... ooops da Sonae.
Seguiu-se um patético chafurdar num hipotético problema com as qualificações académicas do Primeiro- Ministro, que, quer se queira quer não, teve todo o ar de uma révanche.
Veio depois a questão do novo aeroporto em que tomou partido, sabe Deus baseado em que conhecimentos técnicos, pela proposta de localização da CIP baseada em estudos encomendados por esta comprovando o que o respectivo presidente já defendia antes.
Agora, a propósito da débacle do BCP, ficou escandalizado porque a nova direcção do banco resultou de uma solução "patrocinada pelo PS".
Pasme-se.
Não foi pelo facto de este caso deixar antever alguma da podridão existente no mundo da alta finança e a promiscuidade entre a política e esse mundo materializada no vai-vem de politicos para a banca e da banca para os ministérios, mas sim porque o BCP será de futuro alegadamente controlado por personagens ligados ao PS.
A minha memória de elefante para estas coisas recorda-me de um debate televisivo há uns anos atrás. Quando alguém chamou a atenção para os lucros dos bancos, JMF, qual representante da classe, garantiu com convicção que tal se passava porque os bancos eram um sector que fizera "um grande esforço de modernização".
Assim mesmo. Nada de referências ao poder indiscriminado, aos autênticos roubos sistemáticos e continuados aos clientes através dos mais diversos mecanismos, nada de referência à forma como os trabalhadores faziam ( e fazem, suponho) horas extraordinárias não pagas, aos impostos ridículos que os bancos pagavam na altura, nada... foi tudo o resultado de um esforço de modernização...
Lembrando-me deste episódio, não posso deixar de achar curioso que este personagem venha agora indignar-se com a "regulação"...
Quer dizer, os bancos "modernizaram-se", um deles entrou em colapso porque as "vítimas" tinham um determinado estatuto mas mais problema menos problema trata-se de "mecanismos" comuns a todo o sector, e Fernandes chuta para o lado com a "regulação".
O que o indigna não são estas jogadas, o que o indigna é terem-se tornado públicas e a possibilidade do PS passar a "controlar" o banco.
Ao menos Luis Filipe Meneses foi mais expedito... chamou o Miguel Cadilhe que chamou o Bagão Félix, tudo personalidades independentes dos partidos...
Mais uma batalha para o jornalista José Manuel Fernandes: tomar partido por uma das listas concorrentes à direcção do BCP...