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quarta-feira, agosto 13, 2008 

Pavlov e o poder dos blogs

A recente crise do Cáucaso é uma demonstração clara do poder da blogosfera.
Influenciado por uma certa histeria belicista que subsiste em certas franjas da blogosfera travestizada de "defesa dos valores civilizacionais" que lhe são antagónicos, o Presidente de um pequeno País constituído nos escombros da URSS e com diversos problemas de definição de fronteiras, provoca deliberadamente uma superpotência, claramente convencido de que se tornaria na hora um herói do submundo virtual que parece tê-lo inspirado.
O que diz bem da irresponsabilidade de quem no Ocidente julga que pode fazer promessas deste tipo a lideres irresponsáveis que as levam à letra.
E da inteligência dos que pensam que este é um joguinho estratégico de salão e que basta falar aos russos com ar de macho para que tudo entre nos eixos, isto é, que a Rússia se submeta a todas as "exigências" criadas pelas necessidades patológicas de um certo revanchismo político imbecil que não conseguiu ainda digerir hipotéticos agravos da Guerra Fria, e, sobretudo, é incapaz de ultrapassar a desfeita de a URSS se ter desmoronado sem ter sido esmagada no campo de batalha, com muitos mortos e mais feridos, e sem que a fantochada de Iwo Jima tivesse sido novamente encenada sobre as ruínas do Kremlin.
Houve um momento histórico em que muita coisa impensável foi possível.
Mas esse tempo passou.
Embora conhecendo estas limitações, embora sabendo a dimensão e a gravidade do ataque efectuado pelas forças da Geórgia quando ao que parece decorriam negociações sobre o estatuto das regiões que querem a autonomia, diversos iluminados ressuscitaram logo as memórias de Hitler e os Sudetas, pau pavloviano para toda a obra para justificar a mania absurda de que os russos por terem um dia cometido o pecado original de levarem a cabo uma revolução socialista bem sucedida, vão ficar condenados até à eternidade a serem ridicularizados quer pelo ocidente quer por qualquer gato pingado que com eles faça fronteiras e ache por bem atacá-los.
Apesar das boas provas dadas à perversão dos valores civilizacionais que alguns julgam que nos identificam, como:
a) a total destruição do estado e a adesão a um conveniente "ultraliberalismo", o que entregou à miséria milhões e enriqueceu uma casta de mafiosos e gatunos.
b) a brutal repressão da Tchéchénia a que o ocidente delicadamente fechou os olhos porque os tchetchenos não são "amigos do ocidente", são muçulmanos, logo elegíveis para encaixarem por tabela na "guerra ao terror" e como diz a direita blogosférica "alguém tem de fazer o trabalho sujo"...
c) a recuperação dos "valores tradicionais" que se traduzem na recuperação de uma autocracia anti-democrática capaz de regenerar o "orgulho nacional" tão do agrado dos conservadores.

A estupidez está tão arreigada que nem se percebe que se os lideres europeus foram apanhados de surpresa não foi por "estarem de férias", foi por já nem lhes passar pela cabeça que os russos reagissem a uma provocação, mesmo que deste calibre. Se erro houve, foi o de se pensar que a Rússia também deveria estar a dormir e iria deixar passar em claro o assunto para depois os burocratas europeus virem posteriormente elogiar a "coragem" de Saakashvilli ou reclamar com firmeza a preservação da integridade territorial da Geórgia.

A blogosfera tem, no entanto, razões bastas para cantar vitória com alegria.
Apesar de posto em fuga por uma força militar incomensuravelmente superior, e esmagado militarmente como qualquer pessoa de bom senso poderia prever (falta aos russos, por culpa própria, uma imprensa bem treinada capaz de propagar pelos vastos cantos do mundo que esta mini-invasão foi uma brilhante operação militar e eleger algum dos seus generais mais telegénicos como um "intelectual de influência planetária"), apesar de ter mandado assassinar por bombardeamento indiscriminado umas centenas de pessoas (ui! meu Deus, se fosse o Hugo Chavez que mandasse um petardo de carnaval num lugarejo na selva colombiana matando três papagaios e uma galinha, a ameaça à paz mundial, Hitler e os sudetas, o regresso dos hunos!...), apesar de responsável pela destruição e morte levadas ao seu povo pela reacção russa, o temerário Saakashvilli não abranda a sua retórica triunfalista. Como se nada se tivesse passado. É a blogosfera no seu melhor, incólume aos efeitos da realidade.

Para já, o pior pode ter passado porque algo surpreendentemente os russos acabaram por anunciar o fim das hostilidades e não prolongaram as ambiguidades quanto ao "cessar fogo" por mais do que dois ou três dias (os 31s e restante família devem ter adorado as tergiversações de Israel durante cerca de um mês enquanto escavacava com o Líbano por causa de dois-soldados-dois raptados e ah! também lá foram "mediadores" europeus falar com Olmert e tudo...). Talvez que se a Rússia não tivesse intervido militarmente e se limitasse a pedir o cessar fogo, a estas horas ainda teríamos tanques georgianos a rebentar com terreolas ossetas enquanto Condi charlava pacatamente com Saakashvilli "convencendo-o" a dar por findas as operações.

Infelizmente, o "complexo dos Sudetas" arrisca-se a ser lido ao contrário, e esta paragem unilateral das hostilidades pelo russos vai ser tomada como fraqueza e a fraqueza vai ser o pretexto para que alguns procurem continuar numa via de confrontação com a Rússia de que a Europa em nome de cujos valores se pretende provocar uma guerra porque sim, talvez para culminar os esforços de uma vida de dedicação à causa de fanáticos como o Dick Cheney que ainda não desistiu de obter o merecido "prémio de carreira", será a principal vítima.