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domingo, novembro 26, 2006 

O fardo do homem brando

A direita que durante algum tempo animou a blogosfera com o seu optimismo juvenil, está a ficar chata, pessimista e derrotista.
Pouco mais de três anos e um meio revés militar bastaram para a transportar dos delírios triunfalistas do "nation building" e da expansão da "democracia liberal", para a melancolia de artigos como "Por quem os sinos dobram" de Rui Ramos publicado no Público e reproduzido no Atlântico.
Alinhando uma série de "indícios" em que mistura alhos com bogalhos e dilui responsabilidades relativamente ao Iraque, Ramos tenta explicar às massas a grande novidade de que não estamos sós... e acusa-nos de caminharmos alegremente para o desastre convencidos de que ainda mandamos no mundo, acabrunhados pela "culpa do homem branco" enquanto somos lentamente invadidos pela barbárie.
Surpreendentemente para um historiador, Rui Ramos coloca no mesmo prato factos como o desenvolvimento dos impérios ocidentais ao longo dos dois últimos séculos feito em grande parte à custa das colónias e anedotas e teorias da conspiração sobre o 11 de Setembro.
A sua reflexão sobre a presente situação política, ele que alguns consideram um "farol" da direita continua a reduzir-se à dicotomia acéfala do "fazer guerra ou não ao terrorismo" e a lamentar quanto ao Irão a "relutância dos EUA em aproveitar o devaneio nuclear para uma daquelas incursões por conta própria de que, há uns anos, foram acusados de ter o gosto". Repare-se nas palavras "Há anos..." e "foram acusados"... injustamente, claro.
Atira uma farpa às teses do "esquerdista" pró-guerra Paul Berman sobre a génese do "fascismo islâmico", sem avisar que serviram galhardamente na barragem de fundamentação teórica com que os neoconservadores venderam a guerra que ele Rui Ramos comprou.
Quanto à "teoria" do racista americano Samuel Huntington sobre "o choque das civilizações", Ramos apenas lamenta que seja uma daquelas teorias que "só servem para darem a toda a gente o consolo de as refutar".
Talvez involuntariamente, Rui Ramos faz uma constatação talvez contribuisse para compreendermos melhor o nosso papel no mundo e a forma como os outros nos vêem:
"Gostamos de pensar como se não houvesse mais ninguém no mundo. Não queremos admitir que os outros tenham razões e objectivos para além das queixas contra nós. Assim nos convencemos de que está nas nossas mãos, sem demasiados sacrifícios, apaziguá-los." Um bom princípio se o "apaziguá-los" não fosse um eufemismo para "pacificá-los".
Uma vez que se passou a última década a debater aquilo que se designa como a "globalização", defendendo alguns que esse fenómeno é uma expressão da missão civilizadora do capitalismo e da liberalização económica que estaria já a produzir frutos ao arrancar da miséria mais extrema a maioria da população do planeta, não se percebem agora estes queixumes de que estamos a perder o controle .
Num mundo "efectivamente globalizado" como poderá escandalizar e entender-se como sintoma de decadência, que representando o conjunto dos países da União Europeia "6 por cento da população mundial" se verifique que "em 2005, pela primeira vez desde há dois séculos, os países mais ricos do mundo não produzem a maior parte da riqueza"?
Qualquer inocente pensará que sendo a globalização um benefício global, esta tendência seria o natural resultado da correcção de excessivas assimetrias passadas provocadas pelas dificuldades da livre circulação de bens.
Textos como este do Rui Ramos e outros como o Niall Ferguson (verdade seja dita que contrariando a tendência normal quando intelectuais portugueses tentam vender aqui na terra de cegos teses que "beberam" de congéneres mais cosmopolitas, o tom introspectivo de Ramos é bem mais digerível do que a rançosa prosa de catequista integralista ressaibiado do escocês) revelam o descontentamento de gente que se começa a sentir "enganada".
Defenderam com unhas e dentes a "liberalização" enquanto esta não punha aparentemente em causa o que viam como o natural e incontestado domínio geoestratégico do Ocidente, e permitia às classes que servem uma porta de saída para derrubar o que resta das conquistas dos trabalhadores conseguidas entre os finais do século dezanove os primeiros dois terços do século vinte.
Gostando "de pensar como se não houvesse mais ninguém no mundo", viram só as vantagens: um gigantesco exército industrial de reserva e um mercado em expansão, esqueceram-se de que tudo isto tem implicações políticas profundas, que levarão o mundo tal como o conhecemos numa outra direcção.
"Imprevisível" gostam de dizer os direitistas quando se trata de discussões teóricas e convencer a populaça de que deve abdicar de direitos adquiridos em prol da "aventura do futuro".
Na prática, agem como gente "ponderada" que tenta por todos os meios "acautelar" esse futuro.
Nessa mudança acelerada em que nos encontramos, o maior perigo não é "o terrorismo" em nome do qual continuamos a ser cúmplices das maiores crueldades sobre populações miseráveis e praticamente indefesas.
O maior perigo somos nós próprios.
Maior perigo é, por exemplo, o défice americano que o "menino guerreiro" Bush deixou duplicar, muito por culpa das aventuras militares, mas também da necessidade de "aligeirar" o Estado dos impostos dos mais ricos, capaz a qualquer momento de provocar um colapso de grandes dimensões, também elas "imprevisíveis". Nada que assuste os gurus que em Portugal exigem "rigor" orçamental.
Maior perigo é aproveitar a desculpa dos chineses para nos equiparar a eles em (des)protecção social e pretender que em seguida subsistam razões para defender a "nossa" "civilização".
A possibilidade da combinação entre uma arrogância imperial fora de tempo e um arsenal infinito como corpos estranhos sem correspondência com o restante tecido económico e social, perante uma China que sempre foi e se considerou um Império e vai aos poucos readquirindo os meios para "dialogar" em termos militares, é a receita potencial para uma grande catástrofe.
Se calhar, há coisas em que temos de pensar colectivamente.
Poderemos fazê-lo?
Duvido mas vamos esperar para ver.