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terça-feira, abril 29, 2008 

A cidade falhada

Até que ponto será saudável a permanência dos modelos da cidade pombalina ou mesmo das extensões de Lisboa do final do séc. XIX princípios do séc. XX como referência de uma Lisboa "ideal"?
Não haverá oportunidade para se construir uma cidade contemporânea, sofisticada e cosmopolita fruto do respirar da vida económica do século XXI, alheia a saudosismos e independente do voyeurismo turístico?
Infelizmente, os indícios que existem são pouco animadores. A renovação da cidade que poderia veicular essa hipotética visão alternativa reduz-se aos grandes centros comerciais, à ocupação dos antigos quarteirões por condomínios privados ou a intervenções esparsas que se poderiam acusar de produto do narcisismo mórbido de alguns arquitectos não fora a sua invariavelmente crassa fealdade.
Dessas intervenções recentes, pode talvez exceptuar-se o Picoas Plazza, e muito pouco mais. Outro empreendimento com potencialidades no cimo da rua D. João V antes do cruzamento com a Silva Carvalho, sóbrio apesar das suas linhas modernas e volumetria sensata que não agride as ruas com que se confronta, perde por demasiado periférico e por ter falhado o espaço comercial (mais um...) em torno do qual se desenvolve.
Em nenhum local da cidade se observa a ausência total de ideias dos arquitectos, promotores e decisores públicos quanto ao que poderá ser a expansão da cidade como na famigerada avenida Malhoa.
Ali não podem os arquitectos queixar-se de "limitações à sua liberdade criativa", os promotores de "insensibilidade" camarária quanto aos indices de ocupação.
Foram deixados à vontade. E o resultado é uma acumulação de experiências cada uma delas a mais espalhafatosa cujo resultado de conjunto é um pastel de pastiches pretensiosos onde não sabe bem passear, para não dizer, não se pode passear.
Seguindo um zonamento que não sei se foi imposto por algum plano ou resulta da natural acção das "forças do mercado", as habitações encontram-se concentradas nas "torres gémeas", hino à especulação imobiliária montado no centro comercial da ordem, localizadas no topo da avenida e dela separadas por via rápida, cercadas por terrenos abandonados onde o lixo campeia, com vista para a catastrófica visão do final da rua de Campolide e de Sete Rios, tendo à mistura a pacóvia exibição de high tech da Brandoa tristemente patente no desenho da "pele" da estação de comboios.
Uma avenida inteiramente ocupada por edifícios de escritórios, bancos, serviços e hotéis, durante o dia uma colmeia que se agita nas horas de chegada e partida e durante a hora do almoço dos funcionários, um deserto sinistro à noite. Um local neurótico onde apenas convém passar de carro e depressa.
Nem a Câmara nem os promotores privados se interessam minimamente pela qualidade do espaço público dessa avenida. Desleixado, não medra uma árvore que dê notícia da presença de humanos no local.
Alguns teóricos parecem por vezes fascinados por estes espaços desarticulados e recorrem a lugares comuns como "caos criativo" e "potencialidades emergentes" para os caracterizar e piscar o olho a potenciais clientes ambiciosos de aproveitar as "potencialidades".
Passar pela Avenida Malhoa dá uma imagem da vacuidade que se esconde por detrás dessas fórmulas.