Lutinha de classes
Uma passagem da crónica de Henrique Raposo no Expresso desta semana (primeiro caderno, pág. 37, "10 Mandamentos para o PSD"), tipifica a forma expedita como a direita se habituou a vender os seus produtos de maquilhagem.
É outra vez a malfadada história das garantias que a lei portuguesa ainda concede a quem tem um vínculo laboral a uma empresa. Ao que parece um terrível atentado contra a liberdade.
Se o Raposo fosse honesto diria pura e simplesmente:
"Eu defendo os interesses dos empresários e é no seu interesse poderem admitir e despedir quem quiserem sem formalidades nem responsabilidades. Porquê? Porque sim, adoro empresários". E estava no seu pleno direito.
Como seria impossível que uma posição destas "vendesse" a mais do que à minoria de empresários e seus apóstolos e avençados na imprensa e a meia dúzia de profissionais liberais do fundo da escala da imbecilidade ou mesmo assalariados em nome de uma qualquer obscura convicção ideológica, o produto teve de ser embrulhado de outra maneira mais apelativa. Foi para arranjar soluções para este tipo de charada que os think tanks conservadores americanos gastaram milhões ao longo das três últimas décadas. Henrique, valha Deus, é um patético sucedâneo destas fabulosas fábricas de chouriços ideológicos.
Como proceder?
Travestizando o vilipendiado conceito da "luta de classes" em "luta de gerações".
Os "jovens", diz Raposo, são crucificados em nome dos "privilégios" dos mais antigos.
O "jovem" que for nesta léria esquece que a defesa da precaridade do trabalho que interessa a alguns empresários vulnerabilizará também, a curto prazo, a sua própria posição no mercado de trabalho. É que com tiradas do Raposo ou sem elas, o afamado privilégio dos mais antigos redunda na prática, hoje, em Portugal, que um indivíduo com quarenta e poucos anos é um trapo velho que se deita para o caixote do lixo sem pestanejar em nome precisamente da necessidade de "renovar". Um tipo com cinquenta anos, por muito "acomodado" que seja, tem certamente alguma experiência profissional. No entanto, se cair no desemprego, o mais provável é que nunca mais de lá saia a não ser para engrossar as fileiras dos taxistas de Lisboa. Mais uma vez em nome da "renovação".
O que torna ainda mais sinistro o passe de mágica do argumento de Raposo, a subtil introdução do argumento da competência quase como imperativo "moral" assistindo ao "dever" de anular os tais "privilégios" dos mais antigos.
Assim, na matemática dos liberais,
jovem (barrado por causa dos privilégios dos mais antigos) = competência
antigo ("acomodado" e entrincheirado nos privilégios) = incompetência
Tudo isto cheira a argumento congeminado a la minuta. Se se lerem as crónicas do Raposo no Expresso, não faltam as críticas ao que os portugueses não trabalham (exceptuando ele próprio, em especial quando se entretém a escrever as suas crónicas) sem distinguir entre os jovens e os outros.
Os nossos liberais, que já tentaram apoderar-se do "franchising" do pró-americanismo mais fanático, pretendem agora tornar-se numa espécie de polícias, capatazes de uma putativa meritocracia.Qualquer dia andam por aí a pregar o corporativismo e a desfilar pelas ruas com camisinhas de uma qualquer cor sugestiva .