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quinta-feira, outubro 29, 2009 

No 5 Dias, o Nuno Ramos de Almeida está farto da "polémica do Gulag" iniciada por uma passagem de uma entrevista em que a nova deputada do PCP, Rita Rato revelou que nunca estudou nem leu nada sobre o Gulag.
Tendo sido Rita criticada em vários blogs por esta resposta, saiu em sua defesa Vítor Dias no O tempo das cerejas, imediatamente secundado pelo blogger do 5 dias Carlos Vidal, dando início a um debate aceso e generalizado entre posts de vários dos autores do 5 dias e imensos comentários.
Para fechar a polémica, NRA escreveu em a "crónica de um linchamento" que
Que a imprensa "burguesa" não pergunte a todos os políticos "burgueses" sobre outros casos conhecidos (não discutindo agora questões de impacto e dimensão), explica-se, talvez, porque apesar de não terem, por definição, meios de fazer passar a perspectiva única e justa do "proletariado", os media "burgueses" sempre foram cobrindo mais ou menos esses acontecimentos de tal modo que qualquer um pode dizer que "está a favor" ou "contra".
Alguém que "ignore" a guerra do vietname não é um político inculto, é um analfabeto tout court, estude ou não ciências políticas, seja ou não deputado do PC.
Mais ainda, a perspectiva dominante no "mercado" é de simpatia para com o Vietname.
Como pode?
Talvez por serem pequeninos e as pessoas ignorarem que o "Tio Ho" liderava um exército de comunistas irredutíveis que já tinham posto os franceses com dono.
Não me consta é que alguém lesse ou leia a imprensa norte vietnamita ou visse ou veja o jornal nacional da TVI Vietnamita.
E que dizer da guerra do Iraque em que o poder, escaldado com o papel dos media no Vietname tentou, apesar de apoiado numa operação de propaganda sem paralelo em que participaram entusiasticamente e com o objectivo deliberado de dar uma visão única do conflito, os mais poderosos meios de comunicação, ideologicamente identificados com a guerra, controlar em quantidade e qualidade o fluxo de informação através do conceito mágico do jornalismo "embedded"?
Quem tenha folheado nos últimos sete anos uma série de sites, revistas ou jornais, americanas e inglesas, do mais "burguês" que imaginar se possa, pode ter uma noção do papel que essa imprensa teve no desmoronar da estratégia neoconservadora relativamente a esta questão específica (claro que se torpedeou "este" aspecto específico é para "esconder" ou "escamotear" outros, mas isso, para já, são outros quinhentos).
Em Portugal, depois do 25 A, a imprensa "burguesa" não conseguiu de todo "abafar", apesar de todos os seus desmesurados esforços, a existência do nosso campo de concentração fetiche,o campo de concentração dos campos de concentração, o temível Tarrafal, por onde terão passado umas centenas (uns milhares?) de pessoas.
Que eu saiba não há político "burguês" que o ignore e, dada a oportunidade o vitupere (hipocritamente, claro está). Não é notícia, sejamos práticos, perguntar a alguém hoje, a propósito ou a despropósito, mesmo que no intervalo do futebol, "acha que existiu o Tarrafal?" ou "concorda com o Tarrafal?". Já foi chão que deu uvas a imprensa maçar membros do PCP com pedidos de esclarecimentos sobre o Tarrafal. Não sei se algum dia algum respondeu que "não esteve lá".
O que parece ser consensual entre a "burguesia", possivelmente por lamentável e hipócrita simpatia pelo aberrante e enganador conceito dos "direitos humanos", é que apesar de a esmagadora maioria ou a totalidade dos ocupantes do Tarrafal terem sido perigosos comunas antidemocráticos, se trata de um local que simboliza o asqueroso regime deposto a 25 de Abril e que inspira justificada e generalizada repulsa.
Mesmo apesar das "traições" ao 25A, ninguém, nunca, teve a lata de sugerir (pelo menos publicamente) que alguma vez tal coisa pudesse voltar a existir em Portugal.
A única aproximação, por muitos levada a sério mas que não passou com certeza de boutade irreflectida, foi a famosa boca do Otelo sobre o Campo Pequeno durante o PREC no regresso de uma visita a Cuba.
Mas o que fazer do Gulag (basicamente contemporâneo do Tarrafal)? Bah! A dimensão da coisa (do "local", do número de vítimas, do significado), o afastamento geográfico, ultrapassa-nos. Francamente, ir de Lisboa ao Porto já é um esticão (e admitindo que vamos numa dessas autoestradas que não servem para nada que não seja para prolongar a dominação da burguesia sobre "a classe" e para a classe dominante se exibir passeando os seus veiculos de grande cilindrada e de topo de gama).
Dá para imaginar os confins da Sibéria? Eu não consigo nem com a ajuda do Google Earth.
E quando se começa a pensar nos mecanismos mentais necessários para que se reconheça - a custo- que é um "erro", ou mesmo que é uma espécie de acto necessário, o sangue do parto de uma nova vida, mais perplexo se fica.
Sobretudo quando o impagável Carlos Vidal reinvindica também para o "proletariado" os mesmos séculos de "tentativa e erro" que a famigerada burguesia teve até poder aniquilar a aristocracia numa penada em três anitos de terror.
Vai-se a ver e à pala da emancipação dos professores e outras classes ferozmente oprimidas por este "regime" ainda valia a pena abrir aí um sistema de campos de re-educação lá para o Alentejo enquanto aquilo não é ocupado pela tenebrosa industria turística que tão mal faz aos trabalhadores.
Numa primeira fase para adversários políticos e dissidentes, depois logo se veria. Se desse para o torto, seria mais um erro na gloriosa caminhada.
Recomeçava-se de novo noutro lado qualquer.
Disto tudo resultam alguns sinais convergentes porventura sintomáticos de uma época.
Os neoliberais dizem à populaça que "arrisque" a perda dos mecanismos de protecção que o Estado confere aos cidadãos como resultado de décadas de difíceis lutas, porque no arriscar é que está o petiscar a lagosta suada do glorioso mundo dos ricos.
Os comunistas dizem ao povo que "arrisque" "rupturas" onde é "natural" que se cometam "erros" da dimensão(zinha) do Gulag porque no fim virá a lagosta suada do glorioso mundo da humanidade emancipada.
Como todos reconhecem é bem mais interessante o segundo apelo, pelo que os sacrifícios e o risco é natural que sejam maiores.
A segunda convergência é uma certa histeria "anos trinta do século XX" que se vai notando nalguns posts do Carlos Vidal, em particular o notável "ainda a polémica", magnificamente ilustrado pelo construtivista Chernikov. Espero que não seja mais do que um epifenómeno e que não antecipe um eclodir na sociedade portuguesa de outras tendências extremistas.