Vítima e culpado
A "filosofia" por detrás da aplicação da justiça em Portugal tem detalhes que me deixam perplexo.
Um deles tem a ver com a famigerada "violência doméstica".
O facto de existir uma rede de "casas de abrigo" e toda uma panóplia de organizações públicas e privadas, linhas de apoio à vítima, etc., é na realidade um sitoma da preversa inversão de perspectivas por parte da sociedade e do estado.
Repare-se no absurdo: é a vítima que é impotente, é a vítima quem tem de "encontrar abrigo", é a vítima quem tem de ser "escondida" de um psicopata, muitas vezes autor reiterado de crimes teoricamente punidos por lei, mas que na prática não passam de frases grandiloquentes espetadas no papel.
O agressor tem total liberdade de actuar, agredir, ocupar o espaço público, à vítima resta fugir e esconder-se, "evitar" frequentar o espaço público. Não apenas nos casos abafados no "silêncio do lar", mas também em situações de que é dado conhecimento às autoridades. O agressor anda de mãos livres, nada o persegue, o intimida ou obriga a esconder-se.
A necessidade mórbida de proteger os direitos dos agressores inibe as forças policiais de tomarem qualquer acção de protecção efectiva de uma vítima ou de controle efectivo de um agressor, mesmo informadas de factos e com testemunhas, sem que decorra um longo processo em que o Estado difere o mais que pode qualquer acção concreta, a não ser, em determinadas circunstâncias "ajudar" a vítima a esconder-se ou, pior ainda, incita vítima e agressor, a tentarem "a bem", entenderem-se.
Na melhor das hipóteses, a polícia abre um processo burocrático, toma nota das ocorrências.
Quando há crianças pelo meio, é sabido que a situação se complica.
Para lém de um pretexto para o agressor se tentar manter sempre em contacto com a vítima, entra em cena mais uma panóplia de funcionários, ansiosos por saber se tudo está a ser feito de acordo com " os superiores interesses da criança", uma figura mistério cujos contornos apenas eles têm o poder para definir.
Ainda não consegui perceber se a passividade demonstrada pelo nosso sistema judicial face à desvantagem em que a vítima se encontra, reside no conteúdo das leis ou numa espécie de greve de zelo seguida por todas as autoridades como protesto silencioso contra um sistema em que se não revêem.