Mau perder
As decisões da FIFA quanto aos locais de realização dos campeonatos do Mundo de futebol de 2018 e 2022, foram acolhidas com a habitual falta de fairplay por responsáveis federativos, comentadores desportivos e outros. Na televisão, apenas vi Paulo Bento reagir de forma decente, cumprimentando os vencedores sem reticências rascas.
Tornou-se um nocivo hábito nacional, o mau perder.
As pessoas concorrem a iniciativas e quando perdem recorrem a insinuações veladas que só demonstram no mínimo mau carácter e no máximo incompetência por tornarem visível a sua impreparação técnica e mental para os concursos em que se metem.
É como se estivessem convencidas de que concorrer é uma mera formalidade para lhes ser atribuída a vitória, sem aparentemente suspeitarem da hipocrisia (corrupta) dessa sua convicção.
Ah! A Rússia, é demasiado grande ( e fria).
E o Qatar, excessivamente minúsculo ( e quente – e povoado por camelos e árabes vestidos de túnicas)…
Está visto que andam por aqui outros “interesses”, nomeadamente os “do dinheiro”, os petrodólares…
Como se as outras candidaturas, nomeadamente a Ibérica, não se apoiassem em “interesses”, não tivessem como motor, se não único, importantíssimo, o dinheiro. Nós, os pobrezinhos, os honrados ibéricos, os "pequenos", os românticos eternos, apenas movidos pelas boas intenções...
Como se não soubessemos que no mundo de hoje muito pouco subsiste do romantismo mistificadoramente associado ao desporto de alta competição e ignorassemos o objectivo das mega organizações que gerem (GEREM) o desporto e o papel que desempenha nesse mecanismo a organização periódica de mega eventos a que se propõem concorrer. Como se Madaíl e seus pares não fizessem parte do sistema...
Como se não se submetessem à descarada chantagem que exercem as organizações que detém os direitos de propriedade desses desportos com a ilusão de que no fim ficarão em condições de resgatar umas migalhas do negócio, ainda assim compensadoras, pelo menos para alguns intervenientes.
A não ser que pretendam passar por simples alienados.
É difícil suportar esta arrogância “iberocentrista”, sobretudo quando a Ibéria é actualmente devastada por uma crise económica sem precedentes que já se percebeu que é manifestamente impotente para resolver entre portas, estando neste momento literalmente nas mãos das forças ideológicas retrógradas alcandoradas ao topo da burocracia que gere os destinos do cadáver que se convenciona ainda chamar de “Construção Europeia”.
As características quase opostas dos candidatos escolhidos evidencia ainda mais, se possível, os contornos irracionais e mesmo uma certa natureza racista do mau perder.
A Rússia é gigantesca, mas nós não temos nenhuma razão para nos sentirmos menores em relação a ela, pelo contrário, está quase subjacente que somos efectivamente superiores, pelo menos no futebol, pois isto da grandeza desportiva não se mede aos palmos de superfície territorial.
Mas o Qatar é minúsculo, muito menor do que nós, e portanto, claramente uma candidatura inferior.
Algumas pessoas pura e simplesmente não conseguem interiorizar que a Rússia é um universo gigantesco com enorme potencial de crescimento, rico de recursos naturais de que depende o resto da Europa e, além disso, ocupado por milhões de adeptos de futebol, tão fanáticos como os nossos. Um país que já foi campeão europeu e onde pululam cidades junto às quais a nossa megalópole Lisboa, mesmo contando com a celebrada catástrofe urbanística que são os seus subúrbios, faz figura de pacata capital de província. Só em Moscovo e arredores existem mais habitantes do que no Portugal inteiro.
Quanto ao Qatar, bom, o Qatar é um paísinho artificial ocupando um troço do deserto da Arábia de dimensão pouco superior ao distrito de Beja, e ocupado por… árabes…., mas no centro de uma região toda ela a rebentar de petrodólares pelas costuras e disposto a enterrar o que for necessário em busca de um certo reconhecimento e prestígio internacional.
Não se trata aqui, sequer, de os árabes serem tão fanáticos de futebol como nós, e são-no, o que se passa é que esta decisão reflecte o deslocamento do centro da actividade económica da Europa e dos Estados Unidos cada vez mais para Oriente, e o Qatar é um bom ponto de referência intermédio nessa caminhada prestes a desembocar num futuro relativamente próximo quando os grandes países asiáticos fizerem valer as suas reais potencialidades em poder futebolístico e em candidaturas esmagadoras das Índias, Chinas, Indonésias e por aí fora, para gáudio e fortuna incomensurável dos Blatters e companhia, pelo menos enquanto uma Federação Asiática de Futebol não devorar a FIFA por dentro ou se autonomizar, tornando a omnipotente FIFA num anão às voltas pelo continente europeu, ruminando glórias passadas. Talvez nessa altura Madaíl tenha direito ao "seu" Mundial(ito).