Louva-Deus
Vítima de uma certa obsessão pela informação, resta-me pouco tempo para leituras de ficção mais assumida.
De entre os escritores que vou lendo, realço a cruel A.S. Byatt.
Mais concretamente desde de que malfadadamente passei do limiar das primeiras páginas do seu Possession que viria mais tarde a dar num filmeco mediano.
Com o seu ar insuspeito de Simone Signoret anglo-saxónica, a Antonia faz-me passar sem desgrudar da leitura por altos e baixos emocionais até atingir o climax final... julgo eu. Quando a respiração começa a voltar ao normal, na última página dos seus livros esconde-se sempre traiçoeira e dolorosa uma última estocada; muito simples, uma imagem, um parágrafo perverso e irremediável que me abala durante semanas.
O último encontro fatídico que tive com esta senhora foi através do conto "Raw Material" (Matéria Bruta), traduzido por Luísa Costa Gomes e publicado no número 12 da revista Ficções.
Na minha modesta opinião é uma pequena obra prima onde não falta o ingrediente da crueldade final.
Byatt domina o assunto sobre o qual quer escrever a seu bel prazer, ela sabe que é uma escritora poderosa para quem não parece haver limites para a capacidade de evocar e de dar vida ao assunto mais banal.
E isto de uma forma objectiva, corrida, fluente, sem os gongorismos intragáveis habituais na literatura portuguesa que atingem os píncaros do insuportável nos "aforismos" ilegíveis, pretensiosos e irrelevantes de uma Agustina Bessa Luís, por exemplo, que me fazem suspeitar ter Cioran escrito "Sur les cimes du desespoir" a pensar na massa amorfa da esmagadora maioria do que se escreve e publica em Portugal.
Como nota final, apenas que seria impossível ficar com esta impressão tão forte deste conto da malévola Antónia Susana sem uma tradução genial à altura.
Luísa Costa Gomes é a culpada.
Brilhante.
Eu diria que esta tradução é uma obra prima à altura do original. Assim vale a pena.
E pronto, esgotei a minha quota de elogios para os próximos meses...