Omoletes sem ovos
Há dias atrás assisti a uma reunião organizada por um organismo camarário para debater a requalificação de uma rua de Lisboa.
A rua em questão, a Possidónio da Silva, fica perto do Casal Ventoso e quase que não é preciso dizer mais nada. Tem um património arquitectónico e urbano interessantíssimo mas em degradação acelerada.
A pessoa que dirigiu a reunião, uma Directora Municipal, explicou com a maior simpatia que a câmara pretende requalificar a zona com a ajuda dos proprietários, género "vamos dar as mãos", "com a ajuda de todos".
Para já, tratava-se de um primeiro contacto. "Dar um rosto" à Câmara e incentivar os proprietários a aderirem a um movimento de mudança.
Claro que não sendo esta sensibilização suficiente, se seguirão em breve as formalidades administrativas inadiáveis, começando pelas intimações para obras coercivas.
O discurso foi breve e terminou um pouco a seco porque para além de uma meritória listagem de apoios financeiros a que os proprietários podem recorrer com apoio camarário para fazerem as suas obras, se tornou claro que nada havia a propor de concreto para além da distribuição de contactos directos e a marcação de vistorias aos locais.
A Directora Municipal lamentou ter criado talvez falsas expectativas, houve pessoas que vieram de Coimbra o que a "sensibilizou", mas não tinha muito para oferecer senão o seu empenho e a dedicação de toda uma "equipa fantástica" .
Os proprietários reagiram com surpreendente urbanidade.
A rua é um cancro de toxicodependentes que inviabiliza qualquer espécie de tentativa de rentabilização dos espaços, explicaram, é impossível ter uma loja aberta, atrair inquilinos novos, e os antigos acumulam-se em habitações minúsculas e degradadas que nalguns casos ampliaram clandestinamente para minorar as carências sanitárias mais básicas, pagando rendas da ordem de grandeza dos cinco euros.
O Presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, lançou um apelo à acção e uma linha estratégica para lidar com o problema da toxicodendência. Era necessário "movimento", obras na rua com simultaneidade de forma a ocupá-la com actividades normais de trabalho.
Isto, por si, alteraria o panorama e desencorajaria os toxicodependentes que pouco a pouco procurariam outras zonas da cidade onde se sentiriam mais à vontade...
Um proprietário que não tinha ar de militante do Bloco teve o bom senso de dizer que talvez fosse melhor "deixar-lhes um sítio para eles estarem à vontade", uma vez que pura e simplesmente escorraçados iriam criar o mesmo problema noutras zonas da cidade.
Foi surpreendente ouvir dizer isto na presença de um político e de técnicos com obrigação de terem uma noção global dos problemas da cidade, da boca de um elemento de um grupo social pouco notado pela sua preocupação com os problemas dos outros desde que se resolva o seu.
Mas o climax da reunião chegou quando as pessoas debateram quais os edifícios mais degradados e com maiores aptidões para servirem de "ninho" aos marginais que enxameiam a rua.
Como era de esperar, são património municipal e não se prevê que sejam alvo de intimações para obras corecivas.
A resposta da Directora Municpal foi honesta e revelou a sua total incapacidade para lidar com problemas que aparentemente a ultrapassam.
O que se passou foi assim uma iniciativa desgarrada que não tem aparentemente qualquer suporte no resto da estrutura camarária, é um fogacho de boa vontade que não dará em nada e terá até efeitos potencialmente desmobilizadores.
Não pode atacar-se uma iniciativa que por todos os poros transpirava boa vontade e espírito de missão.
Mas não será possível haver na Câmara de Lisboa, com tantos departamentos e com tanta gente qualificada e com dedicação, um mínimo de coordenação para atacar casos como estes numa perspectiva técnica e politicamente sustentada?Ou tal só acontecerá quando um empresário com vistas largas congemine um plano para arrasar todo o local e "requalificá-lo" com um Programa faraónico?