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sábado, setembro 15, 2007 

O regresso ao campo dos melros

Teresa de Sousa escreveu no Público que a Europa deve mostrar-se capaz de resolver o problema do Kosovo.
O problema é que todos querem resolver o problema do Kosovo mas ninguém se atreve a formular claramente a forma como quer que se resolva o problema do Kosovo.
Ora se nem a Teresa de Sousa, que é uma jornalista habituada à estratosfera das estruturas dirigentes não se atreve ou não sabe, ou não pode formular claramente uma solução, são completamente ocas e até um pouco ridículas as afirmações do tipo "O Kosovo não é um problema dos EUA ou da Rússia, é um problema da Europa".
Bravata oca porque ainda por cima quem agudizou o problema foi uma certa Europa.
Há uns anos atrás, as circunstâncias históricas fizeram com que um país fosse esmagado e praticamente espoliado de um território que é central para a sua identidade.
Foi uma espécie de estocada final precipitada na derrota do antigo Bloco de Leste: uma geração de líderes Europeus inconscientes e incapazes militarmente chamaram o polícia grande para uma aplicação prática e bem sucedida do ponto de vista militar, das teorias que propunham a intervenção humanitária baseada na supremacia aérea esmagadora.
O País em questão, a Sérvia, teve o azar de ter dirigentes com mau aspecto com quem o "Ocidente" ardia de desejo de ajustar contas, num momento histórico em que o seu aliado histórico, a Rússia, se encontrava em total confusão, mais ocupado em reconverter-se de capitalismo de estado ineficiente em cleptocracia criminosa encapotada de "liberalização".
Ao menos que a aventura tivesse servido de lição. Ao invés criou o mito de um método milagroso de resolução de questões políticas.
Se a vitória militar no Kosovo não deixou dúvidas ( na realidade, soube-se no fim da guerra, o exército sérvio escapou largamente ileso aos bombardeamentos e a vitória apenas foi conseguida porque o sinistro Milosevic, perante uma situação em que a Nato e aliados empreenderam a inevitável campanha maciça de destruição das infra-estruturas de um País europeu relativamente desenvolvido, teve a decência última de se render), o problema político persistiu.
O que se pretende fazer agora é dar o golpe final:
Promover a independência do Kosovo e arranjar forma de correr com os últimos sérvios residentes formalizando temporariamente a existência dos guettos onde estes já sobrevivem.
Não sei como, a troco de quê, pretende-se agora que as partes em confronto, vivendo há quase uma década numa situação artificial em que só não se esganam de vez devido à presença das forças de interposição, com os ódios mútuos tão intactos como no primeiro dia da guerra, cheguem "por si" a uma solução.
Isto é, acredita-se na miragem da razoabilidade da parte dos albaneses vitoriosos, e dos derrotados sérvios, contando-se para domar estes, com líderes políticos democráticos ansiosos por fazer o caminho da adesão à CEE.
Infelizmente, porém, já desapareceram alguns dos pressupostos que levaram à presente situação.
Os Estados Unidos perderam a áurea de infalíveis na resolução de problemas e estão descredibilizados politicamente, a Europa já não é o bilhete para a prosperidade de há uns anos atrás, capaz de amaciar o patriotismo sérvio com a expectativa de dinheiro oferecida a quem apostasse na democracia e a Rússia recompôs uma classe dirigente agressiva de quem a Europa começa a ficar refém do ponto de vista energético e não teme já mostrar os dentes.
A prova foi a reacção espalhafatosa de Putin a uma provocação estúpida e desnecessária dos americanos a pretexo da Guerra ao Terror.
Quer isto dizer que "resolver o problema" do Kosovo, por muito voluntarismo que exista na necessidade de se falar a uma só voz é, neste momento, um jogo de poker muito perigoso.
Até onde é que o "Ocidente" poderá esticar a corda da arrogância perante a Rússia?
A única forma predominantemente pacífica, seria com aquilo que é normalmente considerado um desperdício em tempos de paz, e "normal" ou nem sequer discutido desde que se entra em guerra : dinheiro, muito dinheiro.