A plausibilidade que se come
Ferreira Fernandes interroga-se sobre como é possível que tenha passado sem um sobressalto a publicação no Público, citado numa crónica do António Barreto, o sisudo cronista d'o rigor e d'o trabalho, como se fosse a descoberta da pólvora, do seguinte excerto de uma falsa carta de Rosa Coutinho:
Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela
Eis algumas razões:
1- O relativo desenvolvimento recente do País que deslocou o interesse das pessoas para a fruição imediata dos bens de consumo e a afastarem-se da política e da religião.
2- Ninguém ignora hoje a natureza de Agostinho Neto, do MPLA, dos restantes movimentos e do regime que se implantou com o apoio entusiástico da esquerda portuguesa (e incluo-me nesse número). Nos últimos anos publicaram-se discretamente em Portugal diversos livros sobre Angola e o período pós independência que deixam estarrecido qualquer leitor, mas qualquer pacóvio que tenha a mínima noção de procedimentos ( a carta, que refere uma reunião secreta com o PC, é escrita em papel timbrado...) e de estilos de fraseologia política da época percebe que o texto cheira a provocação por todos os poros e não é sequer assunto com que valha a pena perder tempo. Quando muito poderia embaraçar o António Barreto por enfiar este barrete por preconceito ideológico e ódio pessoal. Barrete que provavelmente se estenderá a grande parte do conteúdo do livro "de memórias" onde foi reproduzida a carta.
3- O ódio da extrema direita ao Rosa Coutinho é, esse sim, imorredouro. O problema é que ninguém passa cartuxo à extrema direita.
Felizmente que Barreto sobreviverá a esta crise.
A torpe urdidura dos comunistas fabricando uma carta idiota que lhe apresentaram como isco para descredibilizá-lo será desmontada a seu tempo.