Palmeiras e camelos
Referindo como exemplo o desvario de se ter construído uma pista de gelo no deserto, Martim Avilez traça no i um perfil da década de ouro do Dubai, concluindo que Portugal padece de alguns dos problemas do país do golfo com a agravante de “não ter pistas de esqui em pleno Rossio nem hotéis no Atlântico a lembrar palmeiras”.
É este um dos paradoxos que mais me surpreendem na avaliação que alguns críticos fazem da situação portuguesa: compara-se a situação negativa que se vive algures, neste caso o Dubai, com a situação negativa que se vive em Portugal, para concluir que o facto de Portugal não ter enveredado por alguns dos desvarios dos outros quando o seu exemplo era enaltecido, em vez de ser um aspecto positivo a nosso favor, reforça a sua prestação negativa.
Esta análise é sintomática da forma como se tornou comum o aproveitamento avulso dos mais díspares sintomas negativos para repetir o lugar comum que nenhum lorpa que vai à televisão não dispensa de meter na cábula para não se esquecer de papaguear, de que Portugal se aproxima inexoravelmente da “irrelevância ou do desaparecimento”.
Mas como comparar o Dubai, o país-empresa-familiar ponta de lança do “optimismo” ultraliberal e do dinamismo empresarial global descrito lapidarmente por Mike Davis em Fear and Money in Dubai, o laboratório económico desembaraçado de obstáculos ao funcionamento do mercado como eleições incómodas, partidos, oposição política, sindicatos, imprensa livre e direitos das mulheres, com o Portugal democrático que toda a gente acusa de “estagnação”?
Como comparar o modelo do ultraliberalismo, autocrático q.b. mas sem os excessos sanguinolentos do Pinochet que se colam como lapas às tentativas de credibilizar a crença, com o País que a propaganda reaccionária apresenta como "manietado pelo Estado" e a desesperar por "reformas estruturais"?
A conclusão só pode ser uma: esta gente escreve e fala sem ter a mínima noção do que diz.
É excessivamente curta a distância entre a capacidade de análise de um director do jornal e um anónimo bitaiteiro das caixas de comentários dos sites dos jornais.
Que registem este comprovativo das suas teses: a culpa disto é bem capaz de ser do nosso sistema de ensino.
É excessivamente curta a distância entre a capacidade de análise de um director do jornal e um anónimo bitaiteiro das caixas de comentários dos sites dos jornais.
Que registem este comprovativo das suas teses: a culpa disto é bem capaz de ser do nosso sistema de ensino.