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domingo, fevereiro 27, 2011 

Orelhas a arder

Graças ao Wikileaks, o Expresso desta semana tem muito para ler. Felizmente que a imprensa portuguesa abandonou a atitude condescendente da história da raposa com que acolheu as primeiras revelações. Claro que isto é acompanhado de imensas garantias e protestos de que a informação foi devidamente "enquadrada" de forma responsável, isto é, de forma a garantir que os jornais não publiquem nada que os governos ou os militares realmente não queiram que se saiba.
O artigo que faz a manchete do Expresso reflecte alguns dos problemas que se colocarão à imprensa ao divulgar e enquadrar questões deste tipo.
Por um lado, o cerne do artigo é o conteúdo de telegramas da Embaixada americana. Mas o facto de esses telegramas conterem não só opiniões, mas também afirmações factuais que colocam em causa algumas das nossas instituições, levanta a questão de terem de ser ouvidos os interessados e verificadas as afirmações. No fundo o tal tratamento da informação que se espera da imprensa profissional.
Aparentemente foi o que foi feito, felizmente, pelo Expresso. Por exemplo, o custo de 300 milhões de euros atribuído pelo Embaixador americano a umas fragatas holandesas compradas pela Marinha portuguesa, é afinal de 248 milhões, isto é, menos 50 milhões.
No entanto, já não é a primeira vez que acontece os títulos do Expresso subverterem o conteúdo dos artigos. A palavra "arrasados", várias vezes repetida, parece excessiva e até manipuladora, à luz do tal "tratamento profissional" da informação. No fundo, legitima a "ditadura das fontes" a que se referiram alguns comentadores. Efectivamente, sendo os americanos parte interessada em negócios com o exército português, é natural que façam uma apreciação negativa das circunstâncias em que esses negócios terão sido menos favoráveis.
O que não quer dizer, por um lado, que esses negócios não devam ser escrutinados e criticados independentemente dos americanos, isto é, a notícia tem o mérito de despertar a atenção sobre gastos com impactos brutais nos nossos orçamentos mas muito pouco discutidos, e por outro lado, que não seja importante sabermos a forma como as nossas instituições são vistas pelos governos estrangeiros. Esta "espionagem" poderia ajudar-nos a reflectir e a melhorar.
Menos positivo é o facto de outros jornais fazerem notícias com as notícias de outros jornais.
O Público, por exemplo, limita-se a reproduzir, do artigo do Expresso, os excertos seleccionados dos telegramas americanos, sem qualquer tratamento ou enquadramento. Por exemplo, a história dos 300 milhões não é confrontada e serão os 300 milhões que a opinião pública vai reter e passar para a História...