Também Pulido Valente se tem pronunciado pela "cautela" relativamente ao carácter, significado e consequências da revolta árabe, razão pela qual tem sido criticado.
Pode perceber-se parte dessa cautela. A seu crédito, Pulido tem a seu favor as análises cautelares que fez da "Queda do Muro" e que se vieram a revelar de grande justeza.
Noutro momento decisivo, o da invasão do Iraque, foi dos rarissimos comentadores conservadores e não só, com inteligência e talento para reagir à espécie de loucura colectiva que então grassou.
Os argumentos agora apresentados são válidos:
"Numa história geral de França, François Furet, encarregado do volume sobre a revolução, escolheu duas datas que, para ele, a limitavam: 1789 e 1870. Porquê? Porque achou, e provavelmente bem, que só com a III República (quase cem anos depois da tomada da Bastilha) se chegou a uma democracia estável, geralmente aceite pela população. E, mesmo assim, não contou com Vichy e com o voto feminino, que teve de esperar por 1944. Houve entretanto duas repúblicas (agora estamos na quinta), três monarquias, Napoleão (o grande) e Napoleão III (o pequeno). Este tumulto endémico em que viveu a França veio directamente da resistência ao Governo representativo e, a seguir, ao Estado laico e ao sufrágio universal da democracia.
A França não é o Egipto. Pois não. A França passou, à sua maneira, pelo "iluminismo" e, na literatura, como na pintura, e parcialmente na filosofia, a França era o exemplo do mundo. Em França, existia uma aristocracia "liberal", uma burguesia "progressista" e um eleitorado urbano de "esquerda". E a própria Igreja se submeteu à autoridade civil. E, no entanto, o caminho para o que hoje nós tomamos por "normalidade" foi longo e foi duro. Pensar que 80 milhões de egípcios (na esmagadora maioria, muçulmanos), neste momento "governados" por uma junta militar anónima, encontrarão depressa o regime democrático que lhes convém é, com certeza, um testemunho de virtude cívica."
No entanto, há que ir mais além da constatação lapalissiana.
É claro que "a França não é o Egipto". A França de hoje é o fruto de uma determinada "evolução política" num processo que inclui o Egipto, isto é, não é forçoso que os egípcios tenham de tomar uma Bastilha (de certa forma fizeram-no com a ocupação da praça Tahrir) e decapitado o Mubarak, para terem direito a uma democracia mais ou menos tolerável para Pulido Valente (sabemos o que ele pensa da nossa, por exemplo) daqui a duzentos anos.
O que se passou e está a passar no Egipto é um passo, que não será certamente o último e o definitivo. Tal como em França e Portugal.
Aliás a França, e Portugal, e o mundo ocidental, ainda têm algum caminho para andar para aceitar sem arrogâncias ou paternalismos a independência do "outro".
Faz-nos impressão ver tantos muçulmanos a rezar numa praça... ui! o fundamentalismo.
Faz-nos impressão os Irmãos Muçulmanos... ui! o fundamentalismo.
É como se um árabe nos recusasse maturidade política por ver um filme de cerimónias de Fátima, ou pela importância nas democracias europeias de partidos Democratas-CRISTÃOS.
Já sei, é claro, que não é a mesma coisa, mas... porque é que há-de ser a mesma coisa?
Exigor "a mesma coisa" é negar a possibilidade de concordância e diálogo civilizacional, mesmo que mutuamente assegurados determinados princípios básicos, como a questão da "condição feminina".
O que interessa é que momentâneamente se encontrou uma linguagem comum na aspiração inequívoca dos árabes por mais liberdade e por uma vida melhor, questão comezinha, transversal a sistemas políticos, regiões e religiões do globo. Algo que ainda há muito pouco tempo se dizia que inspirava, até, os falcões neocons da Administração Bush, a ponto de justificar, com o apoio militante de outros "libertadores de sofá", agora estranhamente circunspectos, que se invadissem e arrasassem países.
Sem dúvida que podem subsistir equívocos. É um problema nosso.
"Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente", frase que se tornou emblemática da forma como muita gente "leu" esta crise ... mas... porque haveriam de "agradecer"? São eles quem vive na miséria, são eles que vieram para a rua enfrentar a polícia de choque, são eles que aturaram uma clique de déspotas durante décadas e ainda por cima há alguém com a veleidade de pretender que eles nos agradecessem por apoiarmos essa luta vagamente ( "libertadores de sofá", como apropriadamente definiu o Portugal dos Pequeninos - que inexplicavelmente acordou para o movimento quando a revolta alastrou à Líbia...) no facebook e no twitter, ainda por cima quando tantos de nós, ainda exprimem reservas em relação à sua revolta e os nossos governos não produziram mais do que umas regurgitações hipócritas?
Haja paciência...
É nesta pretensão e arrogância quase infantis que se funda o "choque das civilizações"
Pode perceber-se parte dessa cautela. A seu crédito, Pulido tem a seu favor as análises cautelares que fez da "Queda do Muro" e que se vieram a revelar de grande justeza.
Noutro momento decisivo, o da invasão do Iraque, foi dos rarissimos comentadores conservadores e não só, com inteligência e talento para reagir à espécie de loucura colectiva que então grassou.
Os argumentos agora apresentados são válidos:
"Numa história geral de França, François Furet, encarregado do volume sobre a revolução, escolheu duas datas que, para ele, a limitavam: 1789 e 1870. Porquê? Porque achou, e provavelmente bem, que só com a III República (quase cem anos depois da tomada da Bastilha) se chegou a uma democracia estável, geralmente aceite pela população. E, mesmo assim, não contou com Vichy e com o voto feminino, que teve de esperar por 1944. Houve entretanto duas repúblicas (agora estamos na quinta), três monarquias, Napoleão (o grande) e Napoleão III (o pequeno). Este tumulto endémico em que viveu a França veio directamente da resistência ao Governo representativo e, a seguir, ao Estado laico e ao sufrágio universal da democracia.
A França não é o Egipto. Pois não. A França passou, à sua maneira, pelo "iluminismo" e, na literatura, como na pintura, e parcialmente na filosofia, a França era o exemplo do mundo. Em França, existia uma aristocracia "liberal", uma burguesia "progressista" e um eleitorado urbano de "esquerda". E a própria Igreja se submeteu à autoridade civil. E, no entanto, o caminho para o que hoje nós tomamos por "normalidade" foi longo e foi duro. Pensar que 80 milhões de egípcios (na esmagadora maioria, muçulmanos), neste momento "governados" por uma junta militar anónima, encontrarão depressa o regime democrático que lhes convém é, com certeza, um testemunho de virtude cívica."
No entanto, há que ir mais além da constatação lapalissiana.
É claro que "a França não é o Egipto". A França de hoje é o fruto de uma determinada "evolução política" num processo que inclui o Egipto, isto é, não é forçoso que os egípcios tenham de tomar uma Bastilha (de certa forma fizeram-no com a ocupação da praça Tahrir) e decapitado o Mubarak, para terem direito a uma democracia mais ou menos tolerável para Pulido Valente (sabemos o que ele pensa da nossa, por exemplo) daqui a duzentos anos.
O que se passou e está a passar no Egipto é um passo, que não será certamente o último e o definitivo. Tal como em França e Portugal.
Aliás a França, e Portugal, e o mundo ocidental, ainda têm algum caminho para andar para aceitar sem arrogâncias ou paternalismos a independência do "outro".
Faz-nos impressão ver tantos muçulmanos a rezar numa praça... ui! o fundamentalismo.
Faz-nos impressão os Irmãos Muçulmanos... ui! o fundamentalismo.
É como se um árabe nos recusasse maturidade política por ver um filme de cerimónias de Fátima, ou pela importância nas democracias europeias de partidos Democratas-CRISTÃOS.
Já sei, é claro, que não é a mesma coisa, mas... porque é que há-de ser a mesma coisa?
Exigor "a mesma coisa" é negar a possibilidade de concordância e diálogo civilizacional, mesmo que mutuamente assegurados determinados princípios básicos, como a questão da "condição feminina".
O que interessa é que momentâneamente se encontrou uma linguagem comum na aspiração inequívoca dos árabes por mais liberdade e por uma vida melhor, questão comezinha, transversal a sistemas políticos, regiões e religiões do globo. Algo que ainda há muito pouco tempo se dizia que inspirava, até, os falcões neocons da Administração Bush, a ponto de justificar, com o apoio militante de outros "libertadores de sofá", agora estranhamente circunspectos, que se invadissem e arrasassem países.
Sem dúvida que podem subsistir equívocos. É um problema nosso.
"Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente", frase que se tornou emblemática da forma como muita gente "leu" esta crise ... mas... porque haveriam de "agradecer"? São eles quem vive na miséria, são eles que vieram para a rua enfrentar a polícia de choque, são eles que aturaram uma clique de déspotas durante décadas e ainda por cima há alguém com a veleidade de pretender que eles nos agradecessem por apoiarmos essa luta vagamente ( "libertadores de sofá", como apropriadamente definiu o Portugal dos Pequeninos - que inexplicavelmente acordou para o movimento quando a revolta alastrou à Líbia...) no facebook e no twitter, ainda por cima quando tantos de nós, ainda exprimem reservas em relação à sua revolta e os nossos governos não produziram mais do que umas regurgitações hipócritas?
Haja paciência...
É nesta pretensão e arrogância quase infantis que se funda o "choque das civilizações"