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quinta-feira, março 10, 2011 

Deolinda e os homens

Avaliar a canção dos Deolinda e os Homens da Luta do ponto de vista estético parece-me pouco relevante.
Nem sequer acho muito relevante descortinar as razões pelas quais, de formas subtilmente diferentes, ambos os "fenómenos" têm vindo a servir de catalisadores ou agregadores de um sentimento difuso de insatisfação que efectivamente grassa na sociedade portuguesa.
Nos celebrados anos sessenta abundaram os exemplos de muziquetas e artistas sem qualquer interesse que se tornaram ícones, nalguns casos notáveis, por puro equívoco, e não foi por isso que deixaram de se afirmar diversos projectos de transformação, uns mais articulados do que outros.
Neste caso os destinos serão diferentes: o "Que parva que eu sou", hino dos precários e-mestrados, é afinal, interpretado, por pesssoas com um percurso profissional com algum sucesso, agora reforçado por um produto que fará o seu caminho no coração da pimbalhada dos isqueiros acesos na semi-obscuridade dos concertos ao vivo. Quanto aos Homens da Luta, auto-liquidaram-se desde o momento em que, talvez apanhados de surpresa, se revelaram impotentes para se demarcar dos desejos transviados que uma minoria mais ou menos militante neles projectou. O famoso video da entrevista de Jel à SIC é patético, pois representa o momento em que o cómico deixou de o ser ao achar-se "porta-voz". Acabou a "ambiguidade" que junto de alguns sectores lhes dava laracha, ficou a prisão da militância. Estes, acabaram a médio/curto prazo de ter emprego. Pelo menos "como artistas", ou como "cómicos". Quanto muito vegetarão temporariamente como uma espécie de "cantores/performers" de "protesto" ou engrossarão, até necessitarem de ganhar a vida, a tropa de choque do PC em provocações imbecis ao Sócrates ou ao PS.

O que realmente me interessa e me preocupa é a natureza do "movimento" que se desenha.
Qual o seu conteúdo político?
Assenta numa análise da situação que mais não é do que o elencar de problemas relativamente consensuais a quase todo o espectro político/partidário e simultaneamente ignora alguns dos temas fulcrais que hipoteticamente poderiam interessar aos realmente despossuídos e excluidos.
E depois?
Depois, voltamos ao princípio. 
À "luta". Qual luta? O meio (as canções em causa - no caso dos HL nem se trata de canção, trata-se meramente de um facto, a vitória num "festival" obsoleto" ) é, literalmente, a mensagem.
À primeira vista parece uma caricatura de um processo político. Na realidade é um processo político "cego", sem "ideologia", em grande parte manifestação dos fenómenos que segundo os analistas contestatários do "regime" levaram à actual situação, suficientemente difuso para atrair um "vasto espectro" de descontentes ou até, curiosos, mas não mais do que isso. A partir daí começará o aproveitamento político oportunista de quem tenha as necessárias unhas. O discurso de ontem de Cavaco, foi um ténue lamiré e não é por acaso que cronistas conservadores como Pulido Valente, virulentos contra tudo o que seja "social", aparecem agora "conquistados" pelas razões "dos jovens"...
A questão seria mais séria se, à semelhança do que tem acontecido noutros países, os "precários" esboçassem alguma tentativa de aproximação e articulação com os sindicatos, por exemplo.
Ou começassem a apontar a dedo e a confrontar os tais patrões que os mantém na precaridade. 
Mas os sindicatos são política.
Política é chatice e abdicar de liberdades individuais altamente prezadas.
E ninguém quer ter nada a ver com política, a não ser num protesto que se desenrola numa tarde na avenida.
No resto dos dias, está quieto, "eles" que "façam". No fundo, é o sentimento subjacente ao "movimento".
O desespero de náufragos com que alguma militância de esquerda se abraçou a estes breves ícones de um final de Inverno à espera do FMI (no caso dos HL, pelo menos, um abraço de morte de que resultará a liquidação profissional dos "homens" e o espectáculo surrealista de ver a "esquerda política" regatear com o grotesco "movimento" que os pretende impedir de ir à Eurovisão), confrange e deprime, por revelar cruelmente o seu afastamento da realidade. Os partidos tradicionais dessa esquerda estão exangues, intelectual e politicamente. E os seus simpatizantes atiram-se como gato a bofe sobre qualquer coisa que "mexa".