Um Vietnam sem glamour
A guerra do Vietnam foi um momento definidor da cultura dos anos 60.
Visto de fora foi o acontecimento que adicionou à lenda dos anos sessenta do "peace and love", o toque adicional de perigo associado à experiência extrema da "fronteira".
Emprestando-lhe um certo glamour.
Uma guerra em que se misturou o horror dos sofrimentos infligidos aos civis de ambos os lados, a morte frequente dos soldados, o rock psicadélico e a sensação de liberdade total de andar à boleia no instrumento lúdico por excelência dos repórteres de guerra, o helicóptero, cujo ruído hipnótico inspirou Karl Heinz Stockausen.
Um mundo estranho, imortalizado em Dispatches de Michael Herr e em cenas dos filmes Apocalipse Now e The Deer Hunter.
Não foi por acaso que Herr foi consultor de Coppola na elaboração do guião do Apocalipse, e foi sintomática a sinergia poderosa gerada entre um filme alucinogéneo, o ruído dos helicópteros, suporte material que o sustém nas nossas cabeças muito após a sua visualização e a música vulcânica dos Doors, ícone da afirmação de individualismo radical e brutal tatuado de misticismo e pacifismo que definiu essa época.
Apesar das garantias que nos deram os seus sábios defensores, num misto de complacência e impaciência, a Guerra do Iraque começa a parecer-se, sim, com a do Vietname, mas para pior.
Não há glamour. Os jornalistas embedded são na prática membros dos departamentos de "acção psicológica" do exército e contam o que convém ou o que lhes autorizam, ou o que lhes dita o "dever patriótico".
Fala-se dos "sucessos" na pacificação (temporária) de algumas zonas, mas nada nos é dito (só acontecerá quando os pesos de algumas consciências se tornarem insuportáveis) à custa de que monstruosidades cometidas contra a população se têm verificado os "progressos".
Onde as imagens são mais familiares é nas manifestações que começam a surgir nos Estados Unidos.
Mas ainda assim, longe do vigor, do sentido de festa, do impulso transformador de outras eras. Talvez seja porque ainda está tudo no princípio.