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sexta-feira, maio 01, 2009 

Como elas se cozem

O debate sobre os transgénicos reveste aspectos que requerem conhecimentos especializados. Isso dificulta uma maior compreensão da opinião pública pelos problemas em jogo .
Por isso transcrevo integralmente, com autorização da autora, um texto da Prof.ª Margarida Silva, professora universitária e membro da Plataforma Transgénicos Fora!, sobre o relatório que permitiu à EFSA (autoridade europeia para a segurança alimentar)fundamentar a decisão de não ver nenhum impacto negativo para a saúde pública no cultivo e utilização alimentar do milho transgénico MON 863 produzido pela Monsanto.
Como penso que se pode aprender muito no confronto com opiniões contrárias, junto também um link para a opinião contraditória de um activista pró-OGM sobre o mesmo relatório.
Eis o texto de Margarida Silva:


"A história já é antiga... Após guerra em tribunal que durou vários anos a Monsanto é obrigada a tornar público - tal como previsto na legislação - um estudo relativo ao impacto de um milho transgénico na saúde, o MON 863 (que está actualmente em circulação na UE). O que se conhecia antes disso era apenas que o estudo existia e que nem a Monsanto nem a EFSA, a autoridade europeia de segurança alimentar, encontravam nenhum impacto negativo no consumo daquele OGM.
Um grupo francês, encabeçado por Séralini, pegou nos dados em bruto agora públicos, refez as estatísticas e publicou esse trabalho numa revista científica. A EFSA, incomodada pelas conclusões que demonstravam efeitos negativos nos ratos alimentados a MON863, encomendou a um outro grupo uma re-reavaliação, também ela publicada numa boa revista científica. Neste último trabalho a conclusão era de que o milho não tinha problema nenhum.
Há dias, por acaso, encontrei este artigo feito a pedido da EFSA e fui finalmente ver como é que tinham conseguido chegar à conclusão de inocuidade. E o que li foi revelador. Estes cientistas não puseram em causa as estatísticas do Séralini, que consideraram correctos ("statistical findings"). Onde eles discordaram foi nas conclusões, depois da estatística arrumada. Para estes autores as diferenças entre os ratos de teste e os ratos controlo só podem ser consideradas como relevantes se houver:
- uma relação dose-resposta,- reproduzibilidade (reproducibility) ao longo do tempo,- associação com outras mudanças relevantes (como histopatologia, etc)- ocorrência nos dois sexos- ocorrência fora do intervalo de variações encontrado na espécie- plausibilidade em termos de relação causa-efeito.Para quem quiser ir ver, a referência é: Food and Chemical Toxicology 45 (2007) 2073-2085.
Estas condições que os cientistas colocam equivalem a má-fé científica, e são profundamente manipulatórias, para além de inaceitáveis face à lei. Colocam a bitola de demonstração de impacto num ponto inatingível, e sem qualquer fundamentação para tal.
Vejamos um exemplo. No caso deste milho foram encontradas diferenças entre os sexos. Estas diferenças resultam muitas vezes de efeitos hormonais que, como todos sabem, são sinais que podem ser interpretados de modo diferente consoante os sexos. Aliás, precisamente por os sexos serem diferentes é que se incluem os dois, em separado, nas experiências. Mas neste artigo, como havia diferenças entre sexos, os autores descartam esses dados porque só impacto encontrados nos dois sexos é que podem ser relevantes. Com esta lógica, um poluente que cause cancro da mama só em mulheres não é problema, porque para ser problema tinha que causar o mesmo cancro em homens!...
Quanto à relação dose-resposta, a história é equivalente. Há substâncias que são mais nocivas a baixa concentração do que a concentrações maiores. Isso tem a ver com o limiar para activação de enzimas, etc, e é algo perfeitamente pacífico em toxicologia. Mas para estes autores, se o efeito não aumentar à medida que se aumenta a dose, nada feito. Alguém disse que os cientistas eram todos honestos?
O argumento mais engraçado é o da plausibilidade. Se o impacto que se observa não for plausível, isto é, se não tivermos uma boa explicação para a tal relação dose-resposta, então também não pode ser relevante. Ou seja, se eu inventar um veneno que mata toda a gente, enquanto não soubermos como é que actua e através de que mecanismos é provável que cause essa mortandade, então está tudo bem e pode ser aprovado.
Todos os critérios que estes cientistas enunciam são, quanto a mim, manipulações científicas desavergonhadas, que descredibilizam os próprios, o método científico e a revista que os publicou, a EFSA (que depois se apoiou neste artigo para descartar o do Séralini) e todo o processo de aprovações europeu. Não são ciência, mas sim um vergar definitivo do que devia ser honesto e independente aos interesses económicos de uma empresa que manda muito.
Saúde,
Margarida Silva"

nota: formatação, links e ilustração da minha responsabilidade. O conteúdo do texto não sofreu qualquer alteração.