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terça-feira, dezembro 01, 2009 

Desvios


O delírio consumista e a globalização levaram-nos a uma situação insustentável. É o discurso do dia.
Não é uma questão de "sistema capitalista" e de "sistema socialista". A derrocada do muro e a história da União Soviética encarregaram-se de nos mostrar que não existem "sistemas", existe O sistema.
Designá-lo como "capitalista", pode ter alguma utilidade na luta política mas é reducionista, chamar a algumas das suas variantes "socialistas", é pura e simplesmente fraude intelectual e política, uma fraude intelectual e política que já resultou no sofrimento atroz de milhões de pessoas. Os critérios, as variáveis, os termos de referência, as consequências, são os mesmos.
Acontece que existe uma luta pela sobrevivência.
A espécie humana, desenvolveu estratégias de sobrevivência que nos reconfortam, a nós, homens do princípio do século XXI e nos dão alento para o passado e para o futuro. A moral, os princípios, a religião, a cooperação, a solidariedade...
A capacidade de parte da humanidade ter conseguido atingir um estado produtivo e de redistribuição da riqueza capaz de ultrapassar em muito os níveis necessários à mera sobrevivência permitiu a emergência, nas margens das classes beneficiadas pela relativa partilha do poder, de nichos de marginalidade e de ilusão de "rebeldia" fora do "sistema". Mais reconforto para a "alma", mais "diversidade".
Como espécie não dispomos dos dispositivos de alerta colectivo e de auto regulação de comportamentos que se verificam espontaneamente noutros seres. E que achariamos aberrantes se transpostos para a nossa vida.
A tentativa de o fazer através da criação de um corpo exterior à espécie corporizado pelo estado totalitário redundou num fracasso trágico e criminoso.
Do comportamento independente e autónomo dos agentes humanos (cada um de nós) emergem certamente padrões de comportamento. Só que esses padrões não têm significado para nós, somos incapazes, eu diria que por definição, de nos apercebermos deles, ou, mesmo que o sejamos, essa emergência não tem, para nós, qualquer utilidade estética ou ética, se excluirmos pequenas experiências mais ou menos fúteis que poderiamos considerar como "gadgets" da emergência e de que no limite podem tirar proveito as bem prosaicas actividades da publicidade e o marketing.
Andamos assim ao sabor de variáveis incontroláveis, ou que se fez tudo para tornar incontroláveis num espaço de tempo muito curto, em nome de uma crença ideológica tão potencialmente destrutiva como o estado totalitário.
Encontramo-nos assim numa época em que:
1- Se apresentou como garantia do benefício de uma determinada interpretação do sistema em relação a outros, a sua capacidade de criação de um determinado modelo de consumo.
2- Essa interpretação assentou no pressuposto de estabelecimento de determinados níveis de liberdade política e de redistribuição da riqueza.
3- Todo esse modelo se encontra perante uma série de impasses: internos, por via do desenvolvimento cada vez mais irrestrito dos seus próprios mecanismos, e externos que decorrem do problema energético e dos limites físicos do nosso planeta.
4- O futuro previsível, para muitos, é a crise e o retrocesso, explicando-se a inevitabilidade da crise pelas características da interpretação do sistema e designando-se como retrocesso a chegada a um estádio de desenvolvimento de onde se quiz partir, pelos vistos erradamente.
5- Esta duplicidade é acentuada pelo facto de muitos dos arautos da crise e dos seus vícios se prepararem para combater ferozmente as medidas restritivas que se prefiguram em direcção à "retoma" de uma vida mais "sensata" e forçosamente mais dura para a esmagadora maioria da população e sobretudo para os sectores da população que mais ganharam com os desenvolvimentos dos dois últimos séculos, isto é, a chamada "classe média".
Hoje, o futuro parece tão negro quanto há dez anos era brilhante. Parece.