A controversa discussão sobre a segurança nuclear choca na incapacidade dos cépticos anti-nuclear perceberem que hoje são tomadas todas as medidas de segurança na construção das centrais.
A que propósito vem, agitar hoje o papão de Chernobyl? Não é já chover no molhado?
Qualquer menino de escola conhece causas para o maior acidente em centrais nucleares ocorrido há 24 anos em Chernobyl:
Chernobyl aconteceu há 24 anos, numa central projectada há 35 anos, sem casamata de confinamento nem nenhum dos modernos sistemas de segurança. O que só foi possível por culpa do corrupto e ineficiente sistema soviético, acrescentam os mais informados.
Claro que como em todas as discussões existem pequenas nuances.
Nesta, a pergunta lógica é:
Será que as centrais nucleares de há 35 anos eram projectadas por incompetentes formados na Universidade Independente e desconhecedores dos perigos da utilização do nuclear para fins pacíficos?
Quem projectou, construiu e operou Chernobyl estava convicto de que a central iria operar sem ser sob rigorosas condições de segurança?
Onde estavam e o que disseram sobre segurança há trinta anos, antes do acidente de Chernobyl, os crentes da utopia nuclear?
Onde estavam, não já, meninos da escola com a resposta a posteriori na ponta da lingua, mas cientistas de gabarito, avisando para a ausência da casamata de confinamento e para a falta dos "modernos" sistemas de segurança?
União Soviética nos anos setenta, estamos a falar de um País que projectava o seu poder por todo o mundo e disputara a corrida ao espaço com a nação tecnológicamente mais desenvolvida, os Estados Unidos, tendo nessa corrida alcançado vitórias significativas.
Fala-se por vezes da ineficiência do Estado e dos entraves que coloca à actividade económica. Neste caso, porém, um Estado forte definiu o nuclear como política e avançou com os conhecimentos técnicos mais avançados que havia à época para a resolução do problema energético apesar de não ser pobre em recursos como o petróleo e o gás natural.
Depois de todas as dificuldades da construção do socialismo, eis um caminho, um atalho que se abria, directo à utopia via independência energética.
Como parte desse programa Chernobyl foi construída num local seleccionado, na orla de uma grande floresta. A cerca de um quilómetro foi construída uma cidade ideal de traçado modernista, chamada Pripyat.
Alguns números números da época da revista Vida Soviética publicaram belas fotografias ilustrativas da vida em Pripyat. Belas avenidas arborizadas ladeadas por edifícios modernos, desafogo, luminosidade, uma vida de cidade em contacto directo com a natureza. Não sei se era o socialismo, mas era como que um sonho realizado. O pesadelo chegou depois.
"O acidente nuclear de Chernobil ocorreu dia 26 de Abril de 1986, na Usina Nuclear de Chernobil na Ucrânia (então parte da União Soviética). É considerado o pior acidente nuclear da história da energia nuclear, produzindo uma nuvem de radioactividade que atingiu a União Soviética, Europa Oriental, Escandinávia e Reino Unido, com a liberação de 400 vezes mais contaminação que a bomba que foi lançada sobre Hiroshima. Grandes áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia foram muito contaminadas, resultando na evacuação e realojamento de aproximadamente 200 mil pessoas."
Parece que segundo a OMS se verificaram 400 mortos.
400 mortos!? Qual é o grilo então? À volta desse número ocorre todos os anos nas estradas portuguesas. Ocorreu no ano passado, ocorrerá, infelizmente, neste e no próximo e não consta que ninguém tenha proposto que se fechem as estradas.
Como exemplo de outros acidentes podem citar-se os ocorridos em minas e o colapso ou ruptura de barragens sem gerar a mesma controvérsia sobre a necessidade de exploração de minas e a construção de barragens.
Porquê então o problema com as centrais nucleares?
Bah! Chernobyl rebentou, tudo bem, reconstrói-se, fazem-se obras em Prypiat, que ao que parece nem ficou particularmente arrasada, e volta tudo ao mesmo... porque é que não o fazem? Deve ter a ver com a ineficiência soviética, ou com a instabilidade política que se vive na Ucrânia...
O que se passa, no entanto, é que o acidente de Chernobyl, que, felizmente, ocorreu numa região reliativamente despovoada da Ucrânia, teve o mérito de criar uma espécie de gigantesca "reserva natural", o que poderia fazer dele um ícone "ambientalista".
Sobrevivem as árvores, sobrevivem animais, sabe-se que lá com que deficiências e degenerescências, mas relativamente protegidos do ser mais agressivo e predador, o homem.
Esta reserva não necessita de Directivas Europeias, Redes Naturas, planos de ordenamento, regulamentos, não está sujeita à pressão demográfica e aos apetites de especuladores imobiliários.
É que os níveis de radiação são insuportáveis para o homem.
E assim vai continuar. Por centenas ou milhares de anos.
Não podemos ser eterna e sistematicamente pessimistas. Não podemos viver, como uma célebre tribo gaulesa, na permanente preocupação de que o céu nos caia em cima da cabeça .
Todos os dias surgem paranóicos à porta agitando papões: é as profecias de Nostradamus, é o calendário Maia, é o fiorde norueguês que pode cair, é a Montaña Vieja das canárias que pode desabar à próxima erupção provocando uma onda de 900 metros de altura, é o maremoto, é o meteorito, é o colpaso do sistema económico mundial... e ainda por cima, o que é mais provável que aconteça é surgir o chamado "cisne negro", o acidente inesperado de que ninguém estava à espera, como o recente vulcão islandês.
É impossível ter em conta todos os riscos quando decidimos a nossa vida, pessoal e colectiva.
Existem riscos na construção de uma barragem, e por isso se tomam cuidados excepcionais.
Se, excepcionalmente a barragem desabar, pode reconstruir-se.
Existem riscos numa viagem de automóvel.
Um acidente na estrada tem, em geral, consequências graves ou fatais para um número muito restrito de condutores. Numa barragem já não é assim. A devastação em vidas e bens causada pela derrocada de uma barragem obriga a enormes cuidados de segurança.
Mas a derrocada de uma barragem não é o fim da linha para uma região. A recente tragédia que ocorreu na Madeira, um fenómeno natural amplificado pela natureza da ocupação humana no espaço em que ocorreu, equivale a uma pequena barragem. Houve mortos e destruição de património, mas nem sequer foi decretado estado de calamidade e o turismo retoma.
A diferença entre um acidente como Chernobyl e uma barragem que desaba, é que depois do desabamento, a barragem pode ser reconstruída ou, em caso negativo, o território pode ser ordenado ou re-ordenado, e Chernobyl que "só" terá morto 4000 pessoas, é hoje, e será por muito tempo, um não lugar. É uma fava que saiu aos ucranianos e que não queremos que volte a sair em mais lado nenhum. Mais ainda, se os ucranianos têm suficiente território para "ignorar" Chernobyl, o que seria uma coisa dessas em Portugal?
A oposição à construção de centrais nucleares tem pois, a ver, com a excepcional natureza do perigo e a impossibilidade teórica, ontológica, de alguém "assegurar" a "segurança absoluta" sobre o que quer que seja, uma viagem de comboio de Lisboa ao Porto, quanto mais uma central nuclear. Basta pensar que por muito que se fale em Chernobyl, não é infrequente a ocorrência de acidentes em centrais nucleares. Felizmente, porque as suas consequências têm até agora sido menores, esses acidentes são em geral pouco divulgados junto da opinião pública, o que é errado, porque contribui para a ideia relativamente generalizada de que acidentes nucleares é Chernobyl e, quanto muito, Three Mile Island, e que o resto é só segurança.
Esta realidade tem como consequência que a partir de determinado nível de segurança, os preços disparam, o que motivou a seguinte frase de um observador: Não foram os ambientalistas que travaram o programa nuclear americano, foi Wall Street.
Um exemplo clássico da impossibilidade de prever tudo é o caso do vaivém espacial Columbia/Endeavour.
O vaivém espacial não foi construído nos anos setenta por um regime soviético centralista, desmazelado e ineficiente, prestes a desabar. O Vaivém espacial é uma maravilha tecnológica em que não se poupou para assegurar um novo patamar na conquista do espaço. O processo estava de tal forma desenvolvido a controlado que a NASA abrira o programa a "civis". A bordo estava uma jovem professora do secundário que iria realizar experiências para os seus alunos.
O vôo durou poucos segundos antes de que milhões de dólares e os corpos dos tripulantes se volatilizassem no espaço.
Felizmente que o exemplo apenas serve para ilustrar a incapacidade de se garantir a segurança absoluta mesmo ao mais alto nível. Como o space shuttle não era uma central nuclear, morreram pessoas e perderam-se milhões de dólares mas a vida continuou para o programa espacial americano.