Pertenço àquela meia dúzia de bárbaros subdesenvolvidos que com total desprezo pelas estatísticas persiste em recear viajar de
submarino.
O futuro pertence, sem dúvida, a esse povo de alguns milhões de global commuters. Altos, de cabeça rapada, fato cinzento, sapatos do tipo campor e gravatas e camisas em tons improváveis, arrastando continuamente, tal como Sísifo, pesados trolleys cinzentos e falando continuamente para auriculares blue tooth.
A sensação é a de estar num filme de aventuras. O herói chega ao fundo de uma caverna mal iluminada pela sua tocha, perseguido de perto por um povo qualquer dos subterrâneos que a evolução das espécies tornou cego e improvavelmente carnívoro, para se deparar com um sinistro poço de águas negras como o petróleo.
Um beco sem saída.
No silêncio possível permitido pelo crepitar da tocha e os guinchos próximos da horda de monstros que se aproxima, o herói consegue distinguir ao longe um marulhar que os seus ouvidos experimentados identificam como o estrondo das ondas a embater numa falésia.
Não há tempo para pensar.
Sem tirar as botas mergulha rapidamente com a tocha e após alguns longos segundos de pesada angústia para os espectadores, ei-lo que emerge triunfante à superfície das águas tranquilas e acolhedoras de um qualquer oceano, a distância segura da costa da ilha assombrada.
A lógica do filme dita que os excepcionais dotes do herói lhe permitam sempre chegar ao outro lado.
É este o meu dilema para viajar para longe. É esta a minha incapacidade para me tornar num global commuter.
Para além de não ser alto, não gostar de rapar a cabeça ou de usar sapatos campor, e nem pensar em andar por aí engravatado arrastando trolleys enquanto falo para auriculares .
Para mim, quando as portas do aparelho se fecham, é como se chegasse ao poço das águas negras e não soubesse o desfecho do filme apesar do sorriso tranquilizador das hospedeiras.