dois posts, dois, num só...
A estupidez militante prevalecente no raciocínio político que abunda por aí, tem cristalizado em mais dois memes largamente difundidos em programas de televisão, redes sociais e blogs (e nalguns táxis).
- Que venha o FMI "endireitar" isto - um argumento irracional normalmente propalado por pessoas com mais tendências de Direita, mas não só...
É proferido como uma espécie de desagravo e vingança contra "o País".
Parece que a ideia é que uma entidade supra nacional não eleita será melhor para defender os interesses do nosso País, do que a eleição democrática de Governos que nos dirijam e representem.
Esta coisa do endireitar é algo paradoxal: é que até há cerca de meio século tivemos um Governo que tinha as contas em dia, éramos, nessa perspectiva, um "País rico". E que rico País era...
Que conforto para aquele pessoal que emigrava... saber que o País (e uma pequena elite) era "rico".
Carago! Passo fome, frio, vivo na lama e na merda, mas o País está ali de pedra e cal, carago!...
Ora se ideia é ansiar pela vinda do FMI que vai "endireitar" isto (o que numa certa perspectiva até é verdade), reduzindo-nos à clamorosa miséria de vivermos "com aquilo que temos", ou melhor, a noção largamente subjectiva daquilo que alguns acham que é aquilo que temos, que sintomaticamente não corresponde nem de perto nem de longe àquilo com que eles, individualmente, estão dispostos a viver, não percebo porque é que ainda se protesta contra as medidas orçamentais do Governo.
Porquê se discute e se criticam "os cortes cegos"... e não se pedem mais, muito mais...
Será por ser governo democraticamente eleito? Isto coloca um problema quase psicológico (ou sociológico?) grave. Será que os nossos brandos costumes funcionam quando nos tratam à bruta e só nos revelamos interventivos, protestativos, quezilentos, indomáveis, irredutíveis e torpedeadores da ordem quando nos é tirada a venda e aliviado o garrote?
Talvez isto explique o sucesso dos portugueses "lá fora"...
A única coisa que me conforta, um conforto amargo, está bem de ver, um sorriso amarelo náusea, é que se vier o FMI e fizer, como já fez alhures, as "reformas estruturais" que uma minoria mínima vem preconizando, a maioria destes infelizes que "pedem" o FMI vão ter oportunidade de ver a falta que lhes falta, a eles, também, o Estado. Mas depois já vai ser tarde. E o tempo não volta para trás.
- Que se processe o Primeiro Ministro, por ser "responsável" pela situação. Esta é mais "de esquerda" embora com um perfuminho populista e tem como raiz um atavismo profundamente enraizado na nossa "psique" colectiva, o que quer que isso seja.... , é o "Mamã, eu quero".... .
Donde veio esta ideia? Da iniciativa dos islandeses de procederem de igual modo contra o seu Primeiro Ministro em funções à data em que o país, ou melhor, os seus bancos foram à bancarrota precipitada pela crise financeira iniciada nos EUA.
Repare-se que o Primeiro Ministro islandês, chefiava um Governo liberal, com uma política completamente diversa da seguida em Portugal nos últimos trinta anos, com algumas flutuações, apesar do progressivo desvio para a direita para onde o nosso sistema político tem vindo a ser empurrado por adaptação pragmática ao triunfo do novo "pensamento único" altamente influente na afluente "Europa". Aparentemente os resultados eram bons, a Islândia, com os seus vulcões, a sua metade do ano na escuridão, os seus glaciares, as suas tempestados do Mar do Norte passou de país pobre com a sua escassa população vivendo essencialmente da pesca, a "bom aluno" europeu.
Pois o sonho chegou ao fim, e os islandeses querem tramar o seu Primeiro Ministro.
E nós? Nós também queremos tramar o nosso.
Nós também queremos, porra, temos direito.
Nós queremos sempre tudo do melhor.
Como nós também queríamos atingir os níveis de "desenvolvimento" da Islândia, (leia-se níveis de consumismo) quando a Islândia estava a "crescer" imenso e dava cartas.
Era um "case study" de sucesso.
Ninguém pensava, nem os idiotas encartados que comentam amíude nas TVs enfatiotados de gurus da economia: baita, os gajos estão a endividar-se, ai ai o perigo do consumismo, ai que estão a viver acima....
Nah! Todos admiravam o desenvolvimento que aquela gente estava a ter, a posição que ocupava nos rankings dos países "com maior qualidade de vida" (apesar do frio, apesar dos vulcões, apesar de metade do ano de noite, apesar dos glaciares e das tempestados do Mar do Norte...) aquilo é que eram governos, e nós aqui encerrados "nesta miséria"... (apesar do sol, do clima ameno, dos rios doces, das praias de sonho... na Costa Rica ou em Cuba, que as nossas são boas mas já estavam muito vistas).
Se não me engano chegou até a falar-se no "modelo islandês"... a sério, aqui em Portugal, chegou a falar-se do "modelo" islandês...
O Presidente da Federação Portuguesa de Futebol não arranjou uma rábula patética qualquer porque se um dos mais ricos e poderosos clubes do mundo tem um treinador único, ele também o poderia ter, nem que fosse por quinze dias, aproveitando umas "férias", quiçá com algum desconto, valendo ao caso o bom senso da direcção do tal clube, que paga balúrdios ao treinador, para cortar a história cerce?
Tudo o que é bom, nós queremos. E tivemos durante cerca de duas décadas. Agora que está em crise, momentânea, prolongada ou definitiva, aceitam-se prognósticos, é literalmente uma lotaria porque ao contrário do que algum pessoal persiste em convencer-se é todo o sistema financeiro internacional que AINDA está em crise, vejam os indicadores dos restantes países europeus, vejam a situação dos EUA, vejam o que se escreve na imprensa desses países, nós, hã, nózinhos, muito machos, nós que ansiamos pelo FMI para "nos pôr na ordem", vamos fazer como os islandeses, vamos caçar os "responsáveis"...