Entendam-se
- Não é líquido que o FMI venha a intervir em Portugal caso o Orçamento não seja aprovado.
- Não é líquido que o FMI não venha a intervir em Portugal caso o Orçamento seja aprovado.
Quer isto dizer que ninguém sabe exactamente o que se irá passar.
Sendo assim, é incompreensível a tentativa do Governo nas últimas semanas de apresentar o Orçamento como um facto consumado.
Essa pretensão revelou-se ainda mais estranha quando o Ministro das Finanças confessou implicitamente não ter a mínima ideia se as medidas preconizadas no Orçamento "chegam" ou não para "apaziguar" "os mercados, o que é, isso sim, uma verdadeira tragédia e um brutal ponto de viragem na credibilidade do Governo.
Ao agitar a "gravidade da situação" e simultâneamente eximindo-se a caracterizá-la com clareza e explicando como e porquê a necessidade deste Orçamento, e como ele nos afastará do "abismo", o Governo perdeu legitimidade e força para impô-lo como indiscutível.
Só um Governo habituado à passividade política dos portugueses, anestesiados pela época de prosperidade colectiva sem precedentes e pelo contínuo reality show em que o espectáculo dos media transformou a luta política em Portugal, poderia esperar ser "compreendido" depois de 3 PECs em que aplicou sucessivamente medidas duras sem a mais leve sombra de contestação nas ruas e com a oposição totalmente paralisada, quer por falta de liderança e de ideias alternativas minimamente apelativas, à Direita, quer pelo sindrome "Pedro e o lobo" e permanente crítica, em ruído de fundo chato mas irrelevante, a um regime com que convive tant bien que mal, por falta de liderança e de ideias alternativas minimamente apelativas, à Esquerda.
Para complicar mais a situação, surgiram as reacções de personagens do PSD mais ou menos próximas do Presidente da República garantindo que o Orçamento era mau (antes ainda de o verem, como é de bom tom da imbecilidade politiqueirinha em que vivem mergulhados) mas que é indispensável aprová-lo (sem cuidarem de saber quão mau seria, o que não deixa de ser altamente intrigante e alarmante, e até aberrante), afim de evitar "males maiores", depois de nos terem gritado aos ouvidos diariamente e por todas as formas, durante os últimos anos, que o MAL é o nosso Primeiro Ministro eleito, a isso se resumindo o seu contributo para a luta política nos últimos anos, à obsessiva e permanente tentativa de abandalhamento pessoal dum político que menosprezam mas que não tiveram capacidade (conhecimento, talento, competência) para derrubar por meios democráticos.
Pense-se o que se quiser do seu percurso político desde que assumiu a direcção do partido, pense-se o que se quizer das "alternativas" que propõe, o líder do PSD fez bem ao reagir às pressões, recusando-se a passar um cheque em branco ao Orçamento.
Debater o Orçamento é indispensável em democracia.
Só uma urgência clara e inequivocamente assumida pelo Primeiro Ministro, claramente contraditória com o discurso optimista que tem mantido, justificaria essa situação de "emergência nacional".
Se o Primeiro Ministro não procede a essa clarificação e apresenta o caso como uma questão essencial mas não se digna clarificar a raiz dos problemas - ainda que estes sejam em parte externos ao País;
se o Ministro das Finanças nem tem a certeza de que "os mercados" não venham a "exigir" mais,
como podem exigir uma aceitação cega dum documento tão importante?
Teria sido grave que o principal partido da oposição aceitasse essa imposição de olhos fechados.
Ao invés da desresponsabilização que alguns lhe aconselharam, mais óbvia e conveniente tacticamente para quem está de má fé, mas má para a democracia, Passos Coelho tomou uma atitude responsável e impôs a negociação, que, de resto, é incompreensível que se restrinja a dois partidos do arco parlamentar...
Por paradoxal que possa parecer, afasta para o exterior a imagem de um País em pânico em que as ratazanas abandonam o barco numa expectativa de "quanto pior, melhor", viabilizando às cegas o que quer que seja, tenha isso a forma dum Orçamento nominalmente destinado a evitar o FMI, à espera que o FMI venha fazer o trabalho sujo por eles.
Imagem de Teixeira dos Santos, com a referência ENRIC VIVES-RUBIO , retirada da capa do Público de 17 de Outubro de 2010