Do blog "
Da Rússia", extraio esta passagem do post "
Quem vai ganhar com um confronto entre os Estados Unidos e a Rússia":
"
Quanto à União Europeia, não se pode esperar muito dela, pois faz lembrar cada vez mais uma velha nobre, com as mãos carregadas de anéis cada vez menos valiosos, que pretende gozar uma “reforma calma e feliz”. Só um forte abanão externo ou as “garotices” dos novos países da UE, ou seja, aquelas que estiveram na órbita soviética, poderão fazer a velha voltar à cruel realidade.
Moscovo volta a olhar o Velho Continente como mais um campo de batalha com os Estados Unidos, considerando que a velha nobre não pode viver sem gás para se aquecer e sem petróleo para o seu carro ."
O lugar comum estafado de que a Europa é "
velha", ou se encontra "
decadente", que no post cai um bocado a despropósito, mas que é expresso geralmente numa linguagem remniscente das grandes tiradas patrióticas ao gosto dos anos trinta de triste memória, foi parido pelos neoconservadores americanos destilando testosterona e é repetido a torto e a direito pelos seus admiradores deste lado do "lago".
Na sua forma, encaixa bem no universo intelectual português como uma versão expandida da teoria de que Portugal, desde os Descobrimentos, mais propriamente dizendo, desde o momento em que Vasco da Gama pôs o primeiro pé na India, só tem vindo a "
descer", batendo semanalmente "
no fundo", numa espiral a caminho do abismo. À crença fanática e cega no progresso, opõe grande parte dos comentadores portugueses uma pretensa vivência do eterno "
regresso". Daí o seu apelo irresistível como afirmação estéril, que não explica nada, recorrente sempre que há uma crise.
O que se pode constatar é que na actual crise do Cáucaso, a Europa, apesar de não ter acorrido com os seus canhões, as suas fortalezas voadoras e os seus desembarques da Normandia, foi importantíssima para que se obtivesse um acordo de cessar fogo minimamente realista. Não era, talvez, o que pretendia o Presidente
Saakashvilli, que teria preferido uma derrota militar da Rússia em toda a linha, se possível "
all the way to Moscow". Não era o que pretenderia, talvez, a "
Nova Europa", corporizada pelos afoitos governantes dos países que integraram o bloco soviético, algo que lhes desse a absoluta segurança estratégica a que aspiram enquanto criticam o "acomodamento" da "
Velha Europa". Mas a Nova Europa, apesar da retórica belicosa, sabe que não pode tomar uma iniciativa militar. A "
Nova Europa" quer uma guerrazinha, sim, mas feita e dirigida por outros, onde eles possam aparecer depois à babugem, como uma espécie de "
milícia de voluntários", consumando os massacres mais hediondos e cevando sedes de vingança.
Pode parecer já saturante falar disto, mas quem utiliza a torto e a direito este tipo de retórica, deveria lembrar-se dos resultados da Guerra do Iraque.
É certo que a Europa não "
resolveu" a situação no Médio Oriente, é certo que não enforcou o malvado
Saddam. Mas, para além da satisfação intelectual e moral de terem conseguido enforcar o demónio Saddam, o que conseguiram os "
jovens"? O que conseguiram os "
marcianos"?
Ah! os "
anéis" cada vez com menos valor... É claro que a Europa enfrenta uma grande crise económica. Mas em que situação se encontram os "
jovens" americanos? Melhor?
Os países onde se tem vindo a registar crescimentos económicos acelerados, são países do chamado "
terceiro mundo". Ora o que se passa é que estes países apenas estão a colmatar uma brecha. Estão a crescer imenso porque estavam imensamente atrasados face às suas potencialidades no actual estádio de desenvolvimento produtivo da humanidade. Quando alcançarem essse estádio, vão "
estagnar", ou seja, vão tender para um ritmo de crescimento mais "
normal". É talvez a grande vantagem da globalização, equilibrar os níveis de desenvolvimento do planeta, transformar um sistema imperialista de dependências num sistema multilateral baseado na cooperação. Será uma utopia, e tem certamente muito que se lhe diga, esta visão, mas é, quanto á mim, uma das poucas utopias possíveis de defender neste momento.
Ah! a dependência do gás..., é interessante que se coloque a questão, pois ela leva-nos ao problema de fundo. A retórica democrática, ou "
democratista" pode ser muita, mas o que está implicito no argumento é a nostalgia de uma Europa imperialista capaz de controlar com segurança absoluta o fluxo das matérias primas essenciais para o desenvolvimento.
A catástrofe da Segunda Guerra Mundial, acerto de contas em campo de batalha entre ideologias "
jovens", "
vibrantes" e "
galvanizadoras", ensinou à Europa um caminho que procura pôr de lado a violência mortífera como forma de "
crescer". Esse caminho, por muitas críticas que mereça, tem sido seguido de forma a englobar cada vez mais países e pessoas. Quem poderia supor há cem anos atrás que Alemanha, França, Inglaterra e Espanha se integrassem pacificamente num único espaço político? Quem poderá conceber o mundo hoje em dia sem essa realidade? E porque há-de parar por aqui?
Os críticos da Europa como "
velha que quer viver a reforma em paz", pretendem no fundo que a Europa se envolva em aventuras ruinosas em nome das suas próprias ilusões sobre o que é viver "
em segurança".
Resta apenas acrescentar que quem afirma que a Europa está a dormir, demonstra também surpreendente ingenuidade e ignorância. A realpolitik europeia está bem viva, para o bem e para o mal.