domingo, dezembro 20, 2009 

Ainda "o" tema


Pois o Governo cumpriu o prometido no programa eleitoral e aprovou os casamentos homossexuais.
Parece simples, sobretudo quando os graves problemas de que padece o País fariam supôr que passada a discussão sobre o tema e aprovada a lei, assunto encerrado, vamos para as questões realmente importantes.
Infelizmente, como frequentemente acontece com a legislação cá do burgo, o governo aprovou mas não aprovou bem, isto é, aprova-se o casamento, mas "deixa-se de fora" a adopção. O governo fez uma interpretação rigorosa do seu compromisso e não quiz assustar demasiado as mentes sensíveis que preferem ver uma criança apodrecer num asilo (sujeita, já se viu desde o caso Casa Pia, a toda a sorte de abusos) a submetê-la à supostamente catastrófica experiência de ser acolhida por uma família de pessoas do mesmo sexo. Mas, como sublinhou Ana Drago, mantém uma discriminação e vai criar complicações legais desnecessárias, visto que pelos vistos será necessário alterar o Código Civil, e já se sabe mais ou menos o que resulta das alterações às leis para resolver problemas particulares.
Claro que o Governo andou bem do ponto de vista táctico: fundou a sua aprovação do casamento no "compromisso eleitoral", e evitou tomas decisões para as quais "não está mandatado". E não estava mandatado porquê, pergunta-se. Não estava mandatado porque não se quiz perder votos à custa do espantalho da adopção. Pois se ao ver aprovado o casamento não assestou parte da direita baterias sobre a "agenda" da adopção escondida, mal disfarçando a desfeita que sentiram por não lhes ser permitido (com um mínimo de lógica, I mean...) invocar a ausência de mandato?
O problema é que do ponto de vista estratégico vamos ficar com uma situação coxa que se vai prolongar indefinidamente e que vai dar aos grupos "pró-vida" que agora se transmutaram automaticamente em defensores de uma proposta idiota de referendo, manterem durante uns tempos algum protagonismo e impedirem, de facto, de par com uma lei maneta, a concretização plena do casamento apesar de aprovado.
Quanto ao assunto em si, achei sintomático o discurso do João Pereira Coutinho (isto para me fundamentar no sujeito de direita do tipo mais de direita não há que anda por aí - não confundir com o idiota presunçoso e semi analfabeto em ascenção que substituiu o JPC na partilha da página do Expresso com o Daniel Oliveira) no programa da Constança Cunha e Sá, agitadissimo com a "trapalhada" que é a lei e a aprovação, e tudo. Pois se segundo ele, na Inglaterra até há uma coisa chamada "união civil", que é um casamento que só não tem o nome de casamento, se há já por aí diversos casos de crianças educadas por pais (agora há o caso de um tio...) homossexuais vivendo ou não em uniões de facto, só não sendo é casados, não tendo vindo até agora, mal ao mundo por isso, andamos a discutir o quê? Tenham paciência.

 

Mascarada grotesca


A cimeira de Copenhaga acabou finalmente e  foi, como era inevitável, um tremendo fracasso.
Só podia ser.
Só com grande irresponsabilidade e desprezo pelas regras democráticas se pode imaginar que decisões como as que se pretendia tomar, envolvendo o destino de milhões de empresas e pessoas com interesses contraditórios por todos os continentes, se alcançam em treze dias de reuniões e balbúrdia.
Para a mascarada ser completa nem faltou o Obama, nem faltaram as chamadas "organizações ambientalistas" que não se percebe o que lá foram fazer para além de contribuirem para aumentar a pegada ecológica e cumprirem alegremente o papel que lhes está destinado e assumiram como seu, de "alternativos" que armam a barraca do lado de fora em contraponto minuciosamente coreografado ( tom simpático e colorido inicial, o endurecimento que vai em crescendo das manifs e confrontos com a polícia, ao momento orgástico das "tentativas" de invasão) com o que se passa do lado de dentro, como os países "pobres", dirigidos na sua maioria por criminosos corruptos, dispostos a todas as danças do ventre para acederem a mais dinheiro, mais dinheiro para "salvar o ambiente", supostamente à custa dos países "ricos". O Sudão, aflito com as emissões de CO2 provenientes da carbonização de dezenas de aldeias inteiras ao longo da guerra civil que ali grassa, teve até honras de porta voz dos países "pobres".
Para que a hipocrisia fosse completa, salvou-se alguma coisa. Com o "evento", ganhou dinamismo a indústria hoteleira escandinava, ganharam as companhias petrolíferas e de aviação, ansiosas por albergar e transportar o maior número de "verdes", jornalistas e políticos.
Houve, apesar de tudo, um lado positivo: não se decidiu nada e os países mais poluidores estabeleceram um vago compromisso que pelo menos não estabelece que não querem estabelecer compromisso nenhum.
Pode ser que isto abra a porta a discussões mais sérias.
Mas era preciso todo este charivari?
Alguns lunáticos gritaram "traição", que se "alcançou pouco". Pensavam que os governos que alguns acham dominados pelo "grupo Bilderberg" e até, extra-terrestres, chegavam ali e decretavam a salvação do Mundo à vista de toda a gente? Por acaso, até foram, ao que parece, os governos mais suspeitos de envolvimento com organizações secretas que manejam o mundo como se tratasse de um programa de computador, que tentaram dar passos mais "avançados". Foram os Governos europeus. Mas como notaram alguns comentadores de direita com nítida satisfação, a Europa tem cada vez menos peso no Mundo.

 

Marry Christmas


O Presidente da República falou, como de costume, de forma vaga, sobre o tema do casamento dos homossexuais. Está mais interessado noutras coisas, disse, o que é legítimo, pelo menos mais ou menos legítimo, já que o tema faz parte do debate político corrente no País e seria mais ou menos legítimo supor que o Presidente, estando ou não pessoalmente interessado no assunto, tivesse nele, por via disso, um interesse, pelo menos mínimo.
Não é necessário, felizmente, que o Presidente fale claro sobre qualquer assunto, visto que se constituiu nos vários media uma plêiade de asseclas devidamente especializados e habilitados a traduzir-nos o que ele quiz dizer. Actualmente a tarefa até está facilitada, porque mesmo que o Presidente comente o estado do tempo, sabe-se que é uma crítica ao Governo.

 

Patrícios



Segundo os jornais, as coisas já não são o que foram no relacionamento entre os deputados portugueses de diferentes famílias políticas no Parlamento Europeu. Parece que, veja-se lá o choque, se atacam uns aos outros...
Ontem, na página 10 do primeiro caderno do Expresso veio a notícia de que o anterior Ministro da Agricultura perdeu um cargo qualquer em parte devido a pressões do PSD.
Não é que me choque que os deputados europeus portugueses de diferentes partidos criem relações de amizade entre si, tal como acontece na Assembleia da República, mas o que é que a nacionalidade tem a ver com política?
O facto de os deputados "europeus" portugueses se atacarem apenas traduz a normalização da integração política na política europeia. Qual é o problema disto?
Ainda por cima, graças ao PSD, um ex-Ministro da Agricultura conivente com a propagação dos transgénicos, tal como, ao que parece, infelizmente, o que o substituiu,  perdeu a possibilidade de ocupar um posto de responsabilidade em Bruxelas, o que só pode ser positivo.

quarta-feira, dezembro 16, 2009 

Sur le passage de quelques personnes a travers une assez courte unité de temps


O mítico Lúcio e Zita, a sua Compagne de sempre.

domingo, dezembro 06, 2009 

Eduardo Nogueira - O Lúcio


so long, bro

terça-feira, dezembro 01, 2009 

Desvios


O delírio consumista e a globalização levaram-nos a uma situação insustentável. É o discurso do dia.
Não é uma questão de "sistema capitalista" e de "sistema socialista". A derrocada do muro e a história da União Soviética encarregaram-se de nos mostrar que não existem "sistemas", existe O sistema.
Designá-lo como "capitalista", pode ter alguma utilidade na luta política mas é reducionista, chamar a algumas das suas variantes "socialistas", é pura e simplesmente fraude intelectual e política, uma fraude intelectual e política que já resultou no sofrimento atroz de milhões de pessoas. Os critérios, as variáveis, os termos de referência, as consequências, são os mesmos.
Acontece que existe uma luta pela sobrevivência.
A espécie humana, desenvolveu estratégias de sobrevivência que nos reconfortam, a nós, homens do princípio do século XXI e nos dão alento para o passado e para o futuro. A moral, os princípios, a religião, a cooperação, a solidariedade...
A capacidade de parte da humanidade ter conseguido atingir um estado produtivo e de redistribuição da riqueza capaz de ultrapassar em muito os níveis necessários à mera sobrevivência permitiu a emergência, nas margens das classes beneficiadas pela relativa partilha do poder, de nichos de marginalidade e de ilusão de "rebeldia" fora do "sistema". Mais reconforto para a "alma", mais "diversidade".
Como espécie não dispomos dos dispositivos de alerta colectivo e de auto regulação de comportamentos que se verificam espontaneamente noutros seres. E que achariamos aberrantes se transpostos para a nossa vida.
A tentativa de o fazer através da criação de um corpo exterior à espécie corporizado pelo estado totalitário redundou num fracasso trágico e criminoso.
Do comportamento independente e autónomo dos agentes humanos (cada um de nós) emergem certamente padrões de comportamento. Só que esses padrões não têm significado para nós, somos incapazes, eu diria que por definição, de nos apercebermos deles, ou, mesmo que o sejamos, essa emergência não tem, para nós, qualquer utilidade estética ou ética, se excluirmos pequenas experiências mais ou menos fúteis que poderiamos considerar como "gadgets" da emergência e de que no limite podem tirar proveito as bem prosaicas actividades da publicidade e o marketing.
Andamos assim ao sabor de variáveis incontroláveis, ou que se fez tudo para tornar incontroláveis num espaço de tempo muito curto, em nome de uma crença ideológica tão potencialmente destrutiva como o estado totalitário.
Encontramo-nos assim numa época em que:
1- Se apresentou como garantia do benefício de uma determinada interpretação do sistema em relação a outros, a sua capacidade de criação de um determinado modelo de consumo.
2- Essa interpretação assentou no pressuposto de estabelecimento de determinados níveis de liberdade política e de redistribuição da riqueza.
3- Todo esse modelo se encontra perante uma série de impasses: internos, por via do desenvolvimento cada vez mais irrestrito dos seus próprios mecanismos, e externos que decorrem do problema energético e dos limites físicos do nosso planeta.
4- O futuro previsível, para muitos, é a crise e o retrocesso, explicando-se a inevitabilidade da crise pelas características da interpretação do sistema e designando-se como retrocesso a chegada a um estádio de desenvolvimento de onde se quiz partir, pelos vistos erradamente.
5- Esta duplicidade é acentuada pelo facto de muitos dos arautos da crise e dos seus vícios se prepararem para combater ferozmente as medidas restritivas que se prefiguram em direcção à "retoma" de uma vida mais "sensata" e forçosamente mais dura para a esmagadora maioria da população e sobretudo para os sectores da população que mais ganharam com os desenvolvimentos dos dois últimos séculos, isto é, a chamada "classe média".
Hoje, o futuro parece tão negro quanto há dez anos era brilhante. Parece.

 

Mensagem de Natal


Bastou o pessoal ter recebido o subsídio de Natal
 para que as Amoreiras voltassem a encher
como há anos eu não via.
Nem imagino como estejam os outros
centros comerciais.
                                                  (antigo poema persa)
Avidez de tirar a barriga de misérias e a escavacar o cacau. Pens, whiskys, areia para o gato, botas (9 em cada dez mulheres com quem me cruzo usam botas de cano de várias marcas e feitios), blazers, quinquilharia vária, perfumes e artigos cosméticos, gadgets de toda a ordem, até livros, a começar pelo excelente "A Vertigem das Listas" do Umberto Eco publicado pela Difel...
Esqueçam o Dubai, esqueçam os activos tóxicos e os bail outs. Paguem mas é o subsídio ao pessoal... que logo a economia reanima.
Entre os que se acotovelavam nas bichas estava certamente muita gente preocupada com o despesismo, o rumo incerto da economia (comprando livros sobre o problema... e aí está o excelente Santiago Niño Becerra sobre a Crise de 2010 candidato a best seller), o estado do País, o facto de a nossa civilização consumista nos ter conduzido a "um beco sem saída"..., gente sensível aos avisos que sujeitos com ar bem nutrido e instalado na vida e o à vontade de quem vive a vida sem excessivos problemas (se exceptuarmos os existenciais...) nos fazem de que provavelmente a próxima crise nos levará de volta pelo menos para os anos cinquenta do século passado de que nunca deveriamos ter saído se não tivessemos embarcado colectivamente na aventura consumista... enquanto criticam o Governo por timidamente sugerir a necessidade de aumentar impostos e reduzir regalias por não conseguir encontrar outro rumo para sair da crise sem beliscar o estatuto e os "direitos adquiridos" (não é só dos sindicatos a história dos direitos adquiridos) da "classe média"...

 

Palmeiras e camelos


Referindo como exemplo o desvario de se ter construído uma pista de gelo no deserto, Martim Avilez traça no i um perfil da década de ouro do Dubai, concluindo que Portugal padece de alguns dos problemas do país do golfo com a agravante de “não ter pistas de esqui em pleno Rossio nem hotéis no Atlântico a lembrar palmeiras”.
É este um dos paradoxos que mais me surpreendem na avaliação que alguns críticos fazem da situação portuguesa: compara-se a situação negativa que se vive algures, neste caso o Dubai, com a situação negativa que se vive em Portugal, para concluir que o facto de Portugal não ter enveredado por alguns dos desvarios dos outros quando o seu exemplo era enaltecido, em vez de ser um aspecto positivo a nosso favor, reforça a sua prestação negativa.
Esta análise é sintomática da forma como se tornou comum o aproveitamento avulso dos mais díspares sintomas negativos para repetir o lugar comum que nenhum lorpa que vai à televisão não dispensa de meter na cábula para não se esquecer de papaguear, de que Portugal se aproxima inexoravelmente da “irrelevância ou do desaparecimento”.
Mas como comparar o Dubai, o país-empresa-familiar ponta de lança do “optimismo” ultraliberal e do dinamismo empresarial global descrito lapidarmente por Mike Davis em Fear and Money in Dubai, o laboratório económico desembaraçado de obstáculos ao funcionamento do mercado como eleições incómodas, partidos, oposição política, sindicatos, imprensa livre e direitos das mulheres, com o Portugal democrático que toda a gente acusa de “estagnação”?
Como comparar o modelo do ultraliberalismo, autocrático q.b. mas sem os excessos sanguinolentos do Pinochet que se colam como lapas às tentativas de credibilizar a crença, com o País que a propaganda reaccionária apresenta como "manietado pelo Estado" e a desesperar por "reformas estruturais"?
A conclusão só pode ser uma: esta gente escreve e fala sem ter a mínima noção do que diz.
É excessivamente curta a distância entre a capacidade de análise de um director do jornal e um anónimo bitaiteiro das caixas de comentários dos sites dos jornais.
Que registem este comprovativo das suas teses: a culpa disto é bem capaz de ser do nosso sistema de ensino.