Escutas.
Durante o período, portanto, em que se discutia acaloradamente a possibilidade de o Governo estar a fazer escutas ao Presidente da República.
Esta revelação, e não a do conteúdo das escutas, que anda por aí a saltitar por entre meias revelações a conta gotas e tiros no escuro, apenas faltando escolher o momento propício para que sejam reveladas ao público com pompa e circunstância as passagens que dentro dos mais variados contextos sejam mais rentáveis para quem as comprou, motiva alguns franzires de sobrolhos sobre uma hipotética "
violação de segredo de justiça".
Para estes adeptos "éticos" da "liberdade de informação", 52 cassettes são um banquete de informação de toda a ordem demasiado rico para que possam, tal como qualquer vulgar bando de abutres, passar ao lado.
Como era de prever a questão das escutas abriu uma caixa de Pandora que o sistema político e judicial é impotente para combater.
À boleia da sua "necessidade" para efeitos de investigação instaurou-se, via promiscuidade corrupta entre jornalismo sem escrúpulos e "fontes", o generalizado desrespeito pela privacidade das pessoas. Por este andar deixa de ser necessário haver investigações policiais. Basta escutar. E depois fornecer a informação para os jornais servirem de acordo com as conveniências comerciais e políticas, suas, ou de quem os manipula, acompanhadas de frases retóricas e ocas sobre a "presunção de inocência", "segredo de justiça" e outras lérias.
Para algumas pessoas isto tem a ver com "liberdade de informação" e "dever de informar". Sobretudo porque a vítima é o "vizinho", neste caso o Sócrates. Para mim é uma ameaça grave ao estado de direito que a classe política e os jornalistas aceitam sem pestanejar. Um acto de corrupção de que são cúmplices aqueles que ganham a vida a falar de corrupção.
Uma outra evidência é que as escutas estão a ser feitas por pessoas que não têm credibilidade técnica e ética para as fazer. Não se trata de saber que este ou aquele magistrado que as autorizam são ou não monumentos à seriedade, interessa que fazem parte e não podem ignorar que fazem parte, de um sistema que não só permite as fugas como as promove activamente.
A continuar a autorizar as escutas, todos os implicados no processo, do Juiz ao porteiro, devem passar a ser responsabilizáveis criminalmente em caso de fuga. Enquanto isto não puder ser assegurado, esqueçam as escutas. Proibam-nas.
Não deixa também de ser surpreendente a facilidade com que agentes políticos dos mais diversos sectores estão dispostos à cumplicidade nestas traficâncias.
As necessidades da luta política estão, assim, a empurar o sistema democrático para um impasse no que respeita à gestão da justiça. Os direitos que a democracia construiu ao longo de décadas arriscam-se a ser afogados numa enxurrada de "democracia directa" manipulável através do doseamento da informação e que só parará no regresso do estado policial.
E ainda cá não houve nenhum atentado terrorista.
No dia em que isso acontecer, o
Patriotic Act americano vai parecer uma brincadeira de crianças.