Não deveria ser necessário dizê-lo, mas continuo esperançado que se consigam resolver os problemas na central nuclear japonesa. Independentemente do que eu ache sobre a utilização do nuclear, o que interessa são as pessoas e não ganharem-se pontos numa batalha de propaganda. Aliás, quem se preocupa acima de tudo com as consequências dessa tecnologia, não pode "desejar" que as coisas corram mal. Pelo contrário, tomara que corresse sempre tudo bem e que fosse possível garantir na prática a segurança fanfarrona que os proponentes do nuclear manifestam quando se trata de projectos no papel e da vida dos outros.
Não posso deixar de reparar, no entanto, que parece haver dois discursos paralelos que sugerem duas realidades distintas:
Um, divulgado pelos meios de comunicação de todo o mundo de que transparece inequivocamente o agravamento do problema. Rapazes, não há hipóteses. Podem dizer o que quiserem, mas as explosões sucedem-se, sucedem-se as medidas cautelares cada vez mais graves, aparece em cena o recurso aos meios mais inusitados, como a história do helicóptero a despejar água para cima da central, que afinal teve de voltar atrás pelos níveis de radiação, etc.
Mas enquanto a situação se deteriora, com as autoridades civis responsáveis a tomarem medidas os defensores da central persistem num discurso de Ministro da Propaganda do Sadam Hussein.
De vitória em vitória até ao descalabro.
Enquanto as autoridades tomam medidas cada vez importantes de protecção mantendo um discurso ponderado para evitar o pânico, os adeptos do nuclear entregam-se a exercicios pedagógicos de gabinete, tentando garantir, mesmo em face dos factos, garantir que o que se passa ali, não tem nada que ver com o nuclear. Parece quase que o que se passa ali, as explosões cuja real violência só começa a ser adivinhada, as radiações, os incêndios, são incómodos menores, marginais, que estão ali só a estorvar e a dar má imagem a uma coisa impoluta como os reactores.
Parece que essas coisas são independentes de todo o processo.
São uma espécie de conspiração, bruxedo, um mau olhado lançado pelas "forças de bloqueio", como instrumento para "lançar o pânico".
Sou forçado a pensar nisto quando leio, por exemplo,
posts como este, que tem o problema adicional de o título sugerir aos leitores mais impressionáveis que os engenheiros não lidam com o mundo real.
Para além das habituais queixas contra os manipuladores "ecotópicos" "europeus"(...), quem nem vale a pena comentar, de tão disparatadas e deslocadas, é apresentada uma análise "objectiva e cientificamente rigorosa" do acidente, com a chancela do prestigiado MIT.
O que é importante neste interessante texto, é que demonstra aquilo sobre o qual já escrevi:
a impossibilidade ontológica de garantir a segurança.
Com efeito, é descrito o formidável e maravilhoso (estou a falar a sério) mecanismo da central e os cuidados que inegavelmente foram postos na sua segurança.
O autor do post põe a bold todas as referências a "thick": "thik concrete", "thick structure made of steel and concrete"... como se com esse exercício procurasse exorcizar no papel os problemas e o texto mostra como foi tudo pensado, tudo ponderado, soluções de back up pensadas.... mas...
O terramoto cortou a energia eléctrica à central. Aha!, entram os geradores a funcionar, estava pensado.
Mas... veio o tsunami que escavacou os geradores de back up. Bolas, mas também quem é que estava à espera de um tsunami daqueles? A culpa disto tudo não é garantidamente do nuclear, esse é seguro, provou-o, a central não caiu e os sistemas de back up funcionaram. Foi o tsunami o batoteiro que estragou as contas. Mas também uma coisa destas só acontece uma vez na vida...
O texto é de antologia porque demonstra como as coisas mais seguras correm mal... em pequenissimos detalhes porque, fundamentalmente, podem correr mal, está na natureza intrinseca do mundo em que vivemos, que é absolutamente impossível de controlar um sistema que interage com a realidade.
O texto é até preocupante, por demonstrar como a precisão com que funciona a central tem como contrapartida as consequências potencialmente graves de pequenos desvios.
O resto... o MIT pode escrevinhar o que quiser, mas quem está no local não tem tempo para o ler agora.