domingo, abril 17, 2011 

Encruzilhada

Arrasta-se a guerra civil na Líbia.
É um caso que resume uma série de problemas e dilemas do mundo actual.
Em primeiro lugar há que notar que a revolta líbia surgiu no contexto de uma tomada de consciência da rua árabe de décadas de opressão e miséria em nome de utopias diversas concretizadas pelo domínio quase irrestrito de oligarquias ferozes e cleptocráticas.
Tal constatação sobrepõe-se, no caso da Líbia, à presença de um ditador suficientemente enérgico e disposto a tudo para se defender, incluindo o recurso à utilização do seu arsenal militar contra o seu povo, à persistência das formas tradicionais de identificação social e política como as tribos e os clãs, e à ausência de uma vanguarda organizada por parte dos revoltosos.
O último aspecto parece-me determinante: morto o marxismo e relativamente secundarizado o militantismo islâmico pela dinâmica imparável da sociedade num mundo globalizado, a revolta mais ou menos espontânea da população, sobretudo urbana, não teve até agora capacidade para se organizar de forma política e militarmente eficaz.
Se por um lado essa incapacidade teve o mérito de suscitar as simpatias que determinaram o desencadear de uma intervenção internacional em seu socorro, por outro lado impede a resolução do impasse na evolução da situação militar.
A lição a tirar é que sem a emergência de um poder centralizado minimamente legitimado, quanto mais não seja pelo seu sucesso militar, a revolta líbia está condenada ao fracasso. E ainda que vitoriosa, terá de enfrentar o dilema: como evitar tornar-se na ditadura no lugar da ditadura?
Este, o problema dos líbios.
Quanto aos outros, são inúmeras as leituras:
Em primeiro lugar a permanência das limitações da ingerência político militar .
Isto é, a comunidade internacional continua incapaz de uma resposta eficaz a acontecimentos como os de Serebrenica, do Ruanda, Darfur, Congo e tantos outros.
Não é contributo dispiciendo para esta incapacidade, e esta crise foi nesse aspecto paradigmática, o facto de os mesmos que ontem denunciaram numa retórica inflamada a "passividade" ou mesmo cumplicidade do Ocidente para com os abusos, hoje denunciarem a "ingerência" na mesma retórica inflamada.
Apesar de uma preocupação de equilíbrio, o editorial de Serge Halimi no Le Monde Diplomatique é um caso flagrante destas limitações: caracteriza o Kadhaffi, reconhece a revolta e o apelo feito para evitar o seu afogamento num banho de sangue, mas considera a intervenção como um factor adicional de desestabilização.
Isto é paradoxal. O que é que há de "previsível" em toda a situação que se vive no Médio Oriente? Será preferível a anterior "previsibilidade"?

A mim pouco me interessam nesta situação as complicadas aritméticas que fundamentaram a rápida coalescência de americanos franceses e ingleses no sentido de intervirem rapidamente no terreno após uma decisão das Nações Unidas.
Interessa-me que do ponto de vista dos revoltosos, conseguiu-se evitar, para já, o desastre, embora a situação permaneça difícil.
A decisão de americanos, franceses e ingleses, por mais reservas que se tenham quanto à natureza dos seus interesses, expôs e liquidou a hipocrisia de uma certa esquerda que se auto-erige como campeã dos problemas do povo mas que prefere esperar até que o povo seja liquidado para então fazer prova da sua inatacável boa consciência ao longo de todo o processo:
- São os primeiros a denunciar os abusos e a manifestar a incondicional solidariedade para com os revoltosos;
- São os primeiros a denunciar as hesitações, a "real politik" feita de compromissos aberrantes, as "cumplicidades" e a "passividade";
- Se levados a sério e a intervenção tem lugar, são os primeiros a denunciá-la como "ingerência" e "hipócrita";
- Se não forem levados a sério e aderrota for esmagada serão os primeiros a celebrar as vítimas e acusar a "cobardia" criminosa dos que se abstiveram de intervir.
Esta esquerda moralista, na realidade profundamente hipócrita, não interessa politicamente.
A situação é de tal forma grotesca que assistimos de um lado aos neocons americanos a acusarem Obama porque a campanha foi mal preparada e está a levar muito tempo, acolitados por personagens do calibre de Aznar indignado com a falta de clareza dos objectivos e o ataque a um "amigo excêntrico", do outro à esquerda europeia embrenhada em cogitações idiotas, alinhada com a corrupta Liga Árabe preocupada antes de mais com o facto de a NATO atacar "alguém", e os rebeldes líbios (que são os únicos a levarem com as bombas do Kadhaffi em cima...) a acusarem a coligação de "ineficácia" e "lentidão".

 

Fábulas

Em Fukushima, tudo está calmo.
No pasa nada, como diria o Futre.
O nível de gravidade do acidente recente foi elevado para 7 mas parece que esta questão dos níveis de gravidade dos acidentes em centrais nucleares é um pro-forma burocrático sujeito a maior contaminação política do que os níveis atribuídos pelas famosas agências de rating.
Quanto às radiações, está tudo esclarecido. Os níveis emitidos após o acidente são insignificantes.
Foi até posto a circular na internet um quadrinho para explicar às crianças e ao povo a irrelevância do problema.
Que haja aparelhos que disparam, ou estejam evacuadas centenas de milhares de pessoas só mostra que não há razões para alarme. Os aparelhos que disparam é que estão mal calibrados. Os deslocados são o resultado de excesso de zelo.
Como naquela historieta em que um alentejano e um americano discutiam a dimensão das respectivas propriedades. Quando o americano disse que o rancho dele era tão grande que levava um dia a percorrê-lo no seu carro, o alentejano retorquiu que também tivera carrito daqueles mas acabara por vendê-lo.

domingo, abril 10, 2011 

Cadeia alimentar

São inúmeros os documentários sobre cenas da vida na selva ilustrando episódios dramáticos entre predadores e membros de outras espécies que liquidam para sobreviverem.
Tudo integrado num processo contínuo e permanente de luta pela vida e preservação dos equilíbrios ecológicos.
A narrativa standardizada limita-se a definir como membros mais fracos das espécies que compõem a dieta dos grandes predadores num determinado momento, a constatação de que são os devorados. Un point c'est tout.
A cadeia alimentar.
O equilíbrio ecológico.
A vida na selva.
O que será natural quando decorre no anonimato da selva torna-se perverso quando o ubíquo voyeurismo do homem requer que os documentaristas assistam sem intervir a cenas da maior brutalidade para não perturbar a "pureza" e "naturalidade" do acto e o irresistível fascínio que o sangue e a violência têem para o consumidor televisivo, para quem trabalham.
Neste percurso, esquece-se que o que é "natural" no anonimato da selva, transmuda-se automaticamente em cumplicidade (uma cumplicidade qualquer) por mercê do testemunho intrusivo.
O que dizer porém quando o predador se encontra em cativeiro e depende do homem para se alimentar?
Que alibi moral podemos apresentar quando escolhemos a vítima com que alimentamos o predador?
Como fazemos a escolha da vítima se desconhecemos os critérios secretos com que elege as suas presas?
Onde o predador vê alimento mais ou menos propício, nós vemos um "objecto" com que satisfazemos não sabemos que instinto para mantermos o predador vivo na nossa posse. Esse desiderato basta-nos para perpretar um crime tranquilo.
Onde está a natureza?
Qual é o nosso papel na cadeia alimentar?

 

Carrocel

Isto nem é assunto particularmente relevante, mas parece que muitos dos que votaram no Fernando Nobre nas presidenciais esperavam dele que encabeçasse para aí mais um "movimento cívico" para não desperdiçar os votos que teve...
Mas vão ter que esperar porque ele já tinha sido candidato a qualquer coisa pelos monárquicos, pelo Bloco e como independente mas acho que ainda não tinha experimentado o PSD.
Alguns vão ficar frustrados, mas, sinceramente.... não estava na cara?

 

Marrar a direito

Agora que o desastre é evidente e imparável, os principais protagonistas do sistema político português, representantes, para alguns, do mesmo bloco de interesses, encontram-se bloqueados num braço de ferro inútil, vazio de sentido e suicidário a que já nem eles conhecem alternativa.
Irracional.
Inaceitável.
Hão-de entrar por aí adentro os credores a destruirem o que resta e eles nem vão dar pelo facto.

 

O risco dos outros

Também na  Edge, site do editor John Brockmann e onde frequentemente se manifestam algumas das estrelas globais da Techno-Media Fashion, alguns dos mais criativos cientistas e tecnólogos da actualidade partilharam algumas reflexões sobre o nuclear.
Lá não faltam, por exemplo, Rodney Brooks e o fabuloso Kevin Kelly, o presciente homem do "Long Boom" e da Wired.
Manifestaram-se diversas opiniões contra e a favor do nuclear (ausência de alternativas, aquecimento global).
Num caso defende-se que é mais seguro do que outras formas de energia e invoca-se George Monbiot, o famoso jornalista-ambientalista que se converteu ao nuclear como milagre capaz de contrabalançar o aquecimento global e aproveitou o que classificou como a resistência do nuclear japonês ao "teste supremo" (só a irresponsabilidade lunática desta afirmação que se tornou o rallying call dos nuclearistas, faz medo) para um "coming out" que lançou o caos nas páginas do Guardian.
Para ir direito ao assunto, na minha opinião facciosa, o show na Edge foi "roubado" pela contribuição de J. Doyne Farmer, pioneiro da teoria do caos, que explicitou de forma sucinta e alicerçada em fundamentos teóricos, algumas as ideias que eu há tempos tenho andado a estrebuchar com o meu português atabalhoado para transpor para o Bidão (e o Monbiot faria bem em lê-lo).
Alguns excertos de Viewing the Nuclear Accident in Japan Through the Lens of Systemic Risk um texto que vale a pena ler de fio a pavio:

"With hindsight the consequences of a large earthquake and tsunami seem obvious, so why didn't the engineers plan for them properly? This is the usual story with systemic risk: In hindsight the problems are obvious, but somehow no one thinks them through beforehand.
As already explained, from a complex systems engineering perspective, the key principle is stability. Nuclear power generation is intrinsically unstable. If you walk away from a wind generator or a solar cell when a crisis occurs, not much happens. If you walk away from a nuclear reactor under the wrong circumstances, it can melt down. To cope with the systemic risk one needs to think through all possible scenarios. The experts might be able to plan for all the known failure modes, but it is much harder to anticipate the unknown ones.
The prognosis for nuclear accidents based on simple historical extrapolation is disturbing. After roughly 14,000 cumulative years of nuclear plant operation, we have now had three major accidents. If we ramp up nuclear power by a factor of ten, which is necessary to make a significant contribution to mitigate global warming, we will increase from the 442 reactors that we currently have to about 5000. Historical extrapolation predicts that we should then expect an accident of the magnitude of the current Japan disaster about once a year.

But I don't trust the historical method of estimating. Three events are unlikely to properly characterize the tails of the distribution. My personal choice for a really nasty nuclear scenario goes as follows: Assume the developed world decides to ramp up nuclear power. The developing world will then demand energy independence and follow suit. For independence you need both reactors and fuel concentrators. There will be a lot of debate, but in the end the countries with stable governments will get them. With a fuel concentrator the waste products of the reactor can be used to make weapons grade fuel, and from there making a bomb is fairly easy. Thus, if we go down the path of nuclear expansion, we should probably assume that every country in the world will eventually have the bomb. The Chernobyl disaster killed the order of ten thousand people: A nuclear explosion could easily kill a million. So all it will take is for a "stable government" to be taken over by the wrong dictator, and we could have a nuclear disaster.
I'm not an actuary, so you shouldn't trust my estimates. To bring the actuaries into the picture, anyone who seriously advocates nuclear power should lobby to repeal the Price-Anderson Act, which requires U.S. taxpayers to shoulder the costs of a really serious accident. The fact that the industry demanded such an act suggests that they do not have confidence in their own product. If the act were repealed, we would have an idea what nuclear power really costs. As it stands, all we know is that the quoted costs are much too low."

Nota: Bold e link na citação, da minha responsabilidade

 

Jogos da fortuna e do azar

Na Al Jazeera, "Gambling with Planet", um artigo de Joseph Stiglitz sobre o risco financeiro, nuclear, e não só:
"The consequences of the Japanese earthquake - especially the ongoing crisis at the Fukushima nuclear power plant - resonate grimly for observers of the American financial crash that precipitated the Great Recession. Both events provide stark lessons about risks, and about how badly markets and societies can manage them."

"So, too, while Germany has shut down its older nuclear reactors, in the US and elsewhere, even plants that have the same flawed design as Fukushima continue to operate. The nuclear industry’s very existence is dependent on hidden public subsidies - costs borne by society in the event of nuclear disaster, as well as the costs of the still-unmanaged disposal of nuclear waste. So much for unfettered capitalism!"

"In the end, those gambling in Las Vegas lose more than they gain. As a society, we are gambling – with our big banks, with our nuclear power facilities, with our planet. As in Las Vegas, the lucky few - the bankers that put our economy at risk and the owners of energy companies that put our planet at risk - may walk off with a mint. But on average and almost certainly, we as a society, like all gamblers, will lose.
That, unfortunately, is a lesson of Japan’s disaster that we continue to ignore at our peril."

Nota: o link na citação do artigo "Gambling with the Planet" para o preocupante folhetim Garoña que se desenrola a menos de trezentos quilómetros das nossas fronteiras é da minha responsabilidade.

 

Mecanismos seguros

Quando se fala da segurança "cada vez maior" do nuclear, convém recordar que o crash financeiro (e social) de 2008 se deveu ao colapso dos mecanismos de "securitização" do risco inventados ao longo dos últimos quarenta anos pelos mais brilhantes economistas e "gurus" da economia.
Risco.
O discurso oficial papagueado pela "imprensa económica" usa a palavra de forma propositadamente ambígua para criar na opinião pública um "espírito de fronteira" destinado a favorecer os negócios exortando o cidadão comum a assumir "riscos" reais (para lhe atirar isso à cara quando as coisas correm mal...), mas para os investidores e financeiros, o "risco" tem um significado técnico preciso que pouco tem a ver com a noção vagamente empírica e... romântica que tem para o homem comum mais impressionável.
Os financeiros e investidores procuram controlar ou eliminar os riscos, o que passa por "prever o futuro" com recurso a modelos matemáticos e, sobretudo nas últimas décadas, a mecanismos altamente complexos e criativos para ampliar as áreas de investimento de forma perfeitamente controlada.
Foi a afinação desses mecanismos altamente seguros que permitiu a explosão do crédito, a globalização e em grande parte o período de grande desenvolvimento económico que vivemos até há cerca de três anos no Ocidente.
"Mecanismos altamente seguros",  é um conceito que se refere à forma concreta como num determinado momento histórico as mais brilhantes cabeças pensantes (e reconhecidas como tal por todo o establishment), dominando as ferramentas da especialidade, baseando-se na experiência existente e fazendo uso de alguma dose adicional de presciência, conceberam protecções contra todos os riscos do investimento  e mais alguns. A complexidade desses mecanismos ultrapassava a compreensão de todos salvo uma minoria dos famosos "gurus", mas muitos investidores consideraram o facto de os produtos financeiros serem propostos pelos gurus (e gerarem dinheiro fácil) como uma manifestação adicional da sua segurança.
Como hoje sabemos, uma oscilação na base de um sistema intrinsecamente estável provocou a derrocada do sistema.

segunda-feira, abril 04, 2011 

Luta de classes

O aberrante confronto entre clubes de futebol (e já não são só as famigeradas claques), as peripécias ridículas e o nível de confrontação a que se assistiu recentemente nas eleições internas de um clube (alegadamente representante das "elites"), mostram várias coisas (para começar):
1- Parece que a política ainda é um refúgio de paz e tranquilidade (e até de respeitabilidade).

2- Houve cerca de trezentos mil voluntários para desfilar um dia contra a precaridade, há milhares de voluntários para se esventrarem mutuamente semana após semana a pretexto de um espectáculo, muitas vezes de má qualidade.
3- A geração à rasca é um oasis de conformismo e inconsequência que nem competência tem para organizar um movimento social de combate à precaridade depois de ter podido confirmar nas ruas as suas potencialidades, mau grado a gritaria revolucionaresca, alienada da realidade e inconsequente, de meia dúzia de agitados.

4- A enorme violência latente na sociedade está, por enquanto, maioritariamente canalizada para o futebol e, do mal o menos, espera-se que continue assim. Nem quero pensar no que acontecerá quando acabar de contaminar a política.
5- Por uma vez a imprensa não pode acusar nem o Sócrates nem "este governo", nem sequer "os políticos" ou mesmo "esta política" pelo desenrolar da novela grotesca a que, com a sua participação empenhada de mexeriqueira, amplificador e go between entre protagonistas, temos vindo a assistir sem se ver o fim à vista.
6- Fora da política convencional e das instituições democráticas, a alternativa disponível na "sociedade civil", por muito que custe admiti-lo, é a Costa do Marfim (país, aliás, de grandes tradições futebolísticas).

 

Mútuas ilusões

Dois artigos  da jornalista da Al JazeeraLamis Andoni mostram como lados aparentemente
opostos da barricada nutrem idênticas ilusões quanto ao significado das revoltas em curso no Médio Oriente.
De um lado, a retórica síria de resistência árabe contra Israel e os Estados Unidos já não abafa a repulsa da população por décadas de repressão brutal imposta por um regime despudoradamente oligárquico. A aflição de alguns "progressistas" pelas perspectivas de queda de mais este "bastião de resistência anti-sionista" é um erro histórico.
Do outro lado, a ilusão de Obama e outros líderes ocidentais de que o triunfo das revoltas populares na região terá como consequência a "paz" tout court, isto é, o advento de regimes submissos perante Israel.
Se das revoltas em curso sairem alternativas efectivamente democráticas, o natural é que o oposto de verifique em ambos os casos: a erradicação do bárbaro regime sírio e o aumento do isolamento regional do estado racista de Israel.

domingo, abril 03, 2011 

Frontalidade

A decisão da direcção de informação da TVI de levar banqueiros ao seu Jornal da Nacional das 20 horas, é sensata:
1- Quem manda no País é quem deve falar em prime time;
2- Quem manda no País deve trabalhar e dar o litro, quanto mais não seja, em entrevistas na Televisão;
3- Quem nada no País deve falar em directo e na primeira pessoa, dispensando os putativos porta vozes que infestam o chamado "jornalismo económico".

 

Técnica e política

O segundo artigo é de Pierre Radanne e intitula-se Le nucléaire n’est pas qu’une affaire d’experts.
Compara a adesão ao nuclear da Alemanha e da França  em função de estratégias de desenvolvimento condicionadas pela experiência histórica recente dos dois países e aborda uma questão muito actual: a tendência dos políticos para deixarem apenas ao critérios dos "técnicos" decisões políticas de grande alcance sem qualquer preocupação com o debate democrático, eliminado à partida pela exibição de pergaminhos por esses "especialistas", muitas vezes totalmente desfasados e impreparados para lidarem com as consequências dessas decisões.
"Une technocratie s’est développée en France, composée des dirigeants des grandes entreprises, des chercheurs, des responsables publics, tous issus des mêmes écoles. Ces acteurs ont fini par confondre leurs accords internes avec l’intérêt général, tout en s’avérant d’une piètre culture énergétique générale concernant les possibilités de maîtriser l’énergie, de valoriser les énergies renouvelables et d’optimiser l’utilisation des combustibles fossiles. On a de nouveau entendu ces dernières semaines des décideurs proclamer que le renoncement au nucléaire conduirait à un retour à la bougie, oubliant que bien des pays sans nucléaire figurent parmi les plus développés : les Pays-Bas, le Danemark, l’Italie, le Brésil…

(...)
L’Allemagne a stimulé ses collectivités territoriales pour progresser vers un usage plus efficace de l’énergie et développer les énergies renouvelables. Des domaines dans lesquels elle a conquis les plus grandes parts de marché au plan international.

(...)
Fascinés par les élites techniques, beaucoup de responsables politiques ont abandonné leur responsabilité de vigilance par rapport à l’intérêt général.
(...)
La catastrophe de Fukushima met en évidence l’exigence incontournable de définir des règles de contrôle des technologies. Au-delà des cas cités, se profilent ceux concernant les nanotechnologies et les multiples applications de la génétique. Il faut poser comme règles démocratiques fondamentales : le débat public, l’institutionnalisation de la confrontation entre pouvoirs et contre-pouvoirs, la construction de scénarios clairs explicitant les choix pour conduire à des décisions parlementaires ainsi éclairées. "(1)

(1) Edição minha, incluindo bolds e sublinhados
Um ne

 

Até quando, a complacência?

No blog francês Hansenlove, encontrei referência a dois artigos publicados no Libération sobre a questão nuclear, que achei de interesse citar aqui.

Par ce triple choc, Fukushima a réveillé la peur nucléaire des opinions publiques, peur qui s’est révélée intacte et sera difficile à dissiper. Les effets se feront davantage ressentir dans les démocraties que dans les pays à développement rapide. Dans les pays occidentaux, les opinions publiques, soutenues le cas échéant par les autorités de sûreté, imposeront vraisemblablement une réévaluation complète des programmes nucléaires existants. Celle-ci se traduira par une réappréciation des contraintes de sûreté - notamment sismiques -, l’abandon de nouveaux projets et la fermeture de réacteurs trop anciens. L’industrie nucléaire, devenue une industrie de maintenance, ne pourra renouer avec la croissance que par une féroce compétition à l’exportation.
A l’inverse, les pays peu démocratiques et en développement rapide ne modifieront pas leur demande de réacteurs nucléaires, même si, pour la forme, ils donneront des garanties de sécurité à des exportateurs qui n’en demandent pas tant. En l’absence de nouvelles normes internationales de sûreté et d’un corps de contrôle indépendant qui supplante une AIEA décidément bien inutile, il est à craindre que les leçons de Fukushima ne soient pas mieux retenues que celles de Tchernobyl. Le prochain accident nucléaire pourrait bien se produire dans un pays en développement qui ne sera pas en mesure de le gérer."
O artigo chama a atenção para um aspecto de grande relevância. O "renascimento" nuclear está liquidado nos países avançados. A próxima expansão, a haver, ocorrerá em países não democráticos e tecnologicamente mais atrasados, a quem os vendedores vão recorrer para impingir o que quer que seja em nome do progresso.
Aumentam assim, os riscos de ocorrência de um acidente em locais onde nem haja a sorte de estarem disponíveis meios de combate e know how como foi o caso do Japão.

sábado, abril 02, 2011 

Se bem que interessante, o artigo de Stengers, intitulado "Comment n'avaient-ils pas prévu" e aparentemente escrito sob o efeito da surpresa e da indignação, não coloca, quanto a mim, a questão nos seus devidos termos.
Com efeito, descontando os inumeráveis atropelos e trafulhices de que tem sido acusada a TEPCO, não se pode acusar os projectistas das centrais nucleares de imprevisão. Eles previram um número imenso de coisas. Até previram tsunamis.
O problema é que é impossível prever tudo.
E as consequências da "imprevisão" pagam-se muito caro com esta tecnologia como se pôde ver neste caso.
O tsunami que veio, era maior do que tinha sido previsto (era um tsunami "impossível").
Mesmo com o imprevisto de um tsunami maior, houve reactores que reagiram de uma maneira e outros, supostamente iguais, e supostamente controlados e preparados exactamente para as mesmas eventualidades e não eventualidades, de outra... e bastou que um, dois, três, quatro, tivessem problemas, para se iniciar uma sequência de eventos cujas consequências ainda estamos longe de poder avaliar na sua extensão.
Essa impossibilidade de previsão absoluta não se resolve, como propõe Stengers, exigindo "que les groupes qui contestent l'énergie nucléaire fassent partie des audits de sécurité, avec la capacité d'en faire des enquêtes sans concession", o que apenas resultaria em mais corrupção e hipoteticamente em falsa sensação de segurança, ou em inaceitável e desonesta criação de falsas expectativas aos promotores.
A única forma de prever tudo, é não construir, pelo menos enquanto não for descoberta uma forma de obter energia a partir dos átomos que não envolva um tão elevado grau de perigosidade.
Os esforços (e abjecta insensibilidade perante o desespero das populações evacuadas ou confinadas às suas casas numa área vastíssima e preocupação com contaminações que ninguém consegue efectivamente avaliar, em áreas ainda mais vastas) de muitos dos defensores do nuclear, para tentarem minimizar a gravidade do acidente não ajuda. É que se isto é para eles um "pequeno acidente" que lhes merece esta indiferença aristocrática, ficamos a saber até que ponto se predispõem a brincar com as vidas alheias e não vamos querer imaginar o que seja um acidente grave.
De todo. E isso só é impossível de acontecer quando não existirem nem centrais nucleares nem arsenais nucleares no activo.

 

Lenine, volta

Embalados pelo tremendo sucesso da manifestação à rasca, alguns dos seus participantes iniciaram agora um portentoso "movimento cívico" que se prepara para impugnar o censo de 2011 por causa de uma pergunta alegadamente capciosa.
Depois de uma manif em que tiveram, dizem eles, mais de 300 mil protestantes na rua, a estes idiotas, em vez de se organizarem em formas de luta contra a precaridade, com sindicatos, comissões, levantamento de situações para pressão directa sobre as empresas que não cumprem a lei, etc., etc., etc., não lhes passa mais nada pelos pobres cornos do que promoverem acções anódinas em tribunal, que na melhor das hipóteses apenas contribuirão para acentuar o clima de para-bancarrota em que se vive e que só os prejudica ainda mais.
Com umas "massas" destas, revela-se à luz cruel da realidade a insensatez dos sonhos húmidos com "rupturas" e as esperanças numa revolução social, acalentados por alguma esquerda.

 

Turvo

Passos Coelho, o homem determinado que num dia, condoído, chumbou-o-PEC4-porque-os-portugueses-não-aguentam-mais-sacrifícios, mas que dias depois garantiu que afinal era pela excessiva brandura das medidas nele contidas, prepara o seu "pacote" de PEC.
É de praxe.
Como político responsável e com sentido de estado, não vai divulgá-lo, pois aproxima-se um acto eleitoral.
É para fazer uma surpresa depois das eleições...

 

Matem o homem...

O Expresso publica na página 10 do primeiro caderno de hoje, o resultado de uma sondagem que evidencia o que já era evidente:
O chumbo concertado do PEC e a demissão do Governo, para além de terem cumprido cabalmente a missão cuja urgência já se sentia havia semanas nos meios de comunicação, isto é, liquidar rapidamente qualquer ténue esperança de evitar recorrer-se ao FMI, não alterou nada de substancial no panorama político português.
Eis os resultados que me parecem mais significativos:
O PEC deveria chumbar ? 52,6% contra 45,3% responderam que não;
Deveria haver eleições antecipadas? 47,8 % contra 45,3 % disseram que não;
Sócrates deve continuar a liderar o PS? 51,4% contra 40,7% disseram que sim;
Quais serão as consequências das eleições? 12,2% acham que resolverão o problema político, 33,5% acham que vão piorar e 42,4% acham que vai ficar tudo na mesma...
Curiosa, e reveladora da forma como os meios de comunicação são tão protagonistas da crise como "os políticos" é o tratamento dado pelo Expresso à pergunta:
De quem é a culpa pela crise política?
30,4% disseram que é do Governo e 55% atribuem-na a outras causas, a saber : 9,9% ao Presidente da República, 16% ao PSD e 29,3 a toda a oposição, mas o Expresso escreveu por cima a conclusão a bold:
CULPA É DO GOVERNO.
Vai ser o mote da "imprensa independente" nos próximos meses.
Para quem tivesse dúvidas, esta sondagem (e a forma como é apresentada) evidencia o divórcio entre o retrato da situação política tal como veiculado pelos meios de comunicação e a forma como ela é percepcionada pelo público.

 

Power Rangers

A criatividade e a insatisfação intelectual dos homens permitiu que nos últimos dois mil anos se tenha percorrido o ciclo completo das teorias explicativas dos fenómenos naturais.
Há dois mil anos a maravilhosa mitologia grega constituía uma explicação aceitável dos fenómenos, de uma forma esteticamente atraente. Criou um canone que perdurou através dos séculos e das culturas.
Dois mil anos passados, a sensaboria das historietas do Grupo Bilderberg (e o prestígio desse grupo começa a empalidecer perante os Illuminati  e as sociedades secretas transdimensionais que manipulam a sociedade humana como na Matrix...), cumpre esse objectivo numa sociedade saturada de conhecimento científico e informação, mas firmemente ancorada na chamada "estupidez natural".
A grande diferença é que os deuses dos mitos gregos viviam aventuras fantásticas que ainda hoje nos fazem vibrar pelo valor universal dos seus comportamentos humanizados enquanto hoje tudo é reduzido às experiências demenciais de uma minoria a quem se atribuem poderes infalíveis e conhecimento total do mundo e dos seus fenómenos.
A criminologia, a investigação jornalística e a "inteligência" (no sentido anglo saxónico) substituirão no futuro as chamadas ciências naturais. Para quê, estudar o ciclo da água? Pois se a chuva é o resultado de experiências (secretas,é óbvio) do exército americano algures numa pradaria,estepe ou tundra isolada...
Numa escala de tempo mais reduzido, e salvas as devidas diferenças de impacto cultural, dir-se-ia que se passou das Aventuras dos Cinco para os insuportáveis "Power Rangers".
Tudo isto a propósito de alguns saberem ( e nós sabemos que eles sabem que nós sabemos que eles sabem...) que o terramoto no Japão e respectivo tsunami não foram fenómenos naturais, longe disso, como podia? ... trata-se, como é evidente, do resultado de "experiências"...

sexta-feira, abril 01, 2011 

Dar à sola

Paranóicos. NeoLuditas. Obscurantistas. Cobardolas. Alarmistas (with a liberal agenda).

 

To cut a long story short

O rosário vai-se desfiando lentamente, inexoravelmente.
As imagens, as notícias falam por si.
Na televisão surgem uns senhores, representantes da Tokyo Electric Power Company (Tepco), com um nobilíssimo, respeitabilíssimo, comentando alguns factos inescapáveis quando já são do domínio público.

Vale a pena ler com calma o World Nuclear Industry Status Report 2007.
Neste post chamo a atenção para o levantamento da situação quanto ao nuclear japonês, e o papel que nele desempenham esses senhores com um ar que ninguém leva presos:

"Japan operates 55 reactors that in 2006 provided 30% of the country’s electricity (up from 25% in 2003).
But in 2002 nuclear energy had produced almost 35% of Japan’s electricity.
On 9 August 2004 five workers were killed after a steam leak at the Mihama-3 station – a dreadful day, particularly in Japan, since this is the anniversary of the Nagasaki bombing. The subsequent investigation revealed a serious lack in systematic inspection in Japanese nuclear plants and led to a massive inspection program.
The terrible event is only one in a series of serious accidents at Japanese nuclear facilities: the fast breeder Monju sodium leak in December 1995 (the reactor is still shut-down), the Tokai reprocessing waste explosion in March 1997, the criticality accident at the Tokai fuel fabrication facility in September 1999 and the massive falsification scandal starting in August 2002 that lead to shut down all of Tokyo Electric Power Company’s 17 nuclear reactors.
TEPCO officials had falsified the inspection records and attempted to hide cracks in reactor vessel shrouds in 13 of its 17 units.84 Later the scandal widened to other nuclear utilities. No wonder that the nuclear electricity generation in the country dropped by over a quarter between 2002 and 2003 and the average load factor of the Japanese nuclear plants crashed to less than 60%.
On 16 July 2007 a severe earthquake measuring 6.8 on the Richter scale hit the region that houses TEPCO’s Kashiwasaki-kariwa plant. The plant with seven units is the largest single nuclear power station in the world.
The reactors were shut down and are expected to remain closed for damage verification and repairs for at least one year.
Since the seismic acceleration of the quake detected at one of the reactors was at least 2.5 times as high as the design basis of the nuclear facilities it is unclear whether the units can ever restart.
When on 11 October 2007 the first vessel head was taken off unit seven for inspection, one control rod was stuck in the core and could not be moved.
This means that a key safety feature was not properly working. The discovery is likely to lead to additional delays in the operation of the units.
So far, TEPCO projects the impact of the quake on its FY2007 results to be some 603.5 billion yen (€3.6 billion), 440 billion yen coming from fuel costs and the remaining 163.5 billion yen from restoration expenses.
Officially there is one reactor listed as under construction, down from three in 2003. The Monju reactor is considered in “long term shutdown”. Further construction plans are vague and have been scaled back several times.
The plutonium separation plant in Rokkasho-mura started active testing in March 2006. The reprocessing facility with a nominal annual throughput of 800 t experienced its first technical problems less than a month later (a leak in the cleaning tank for hulls and nozzles).
The accidents and scandals of the last years have significantly delayed introduction of plutonium in MOX (uranium-plutonium mixed oxide) fuel. So far, no MOX fuel has been used and Japan has a significant stock of plutonium of about 43 t, of which about 37 t are in France and the UK."

 

Consenso alargado

Basta ter visto ontem Marques Mendes na TVI24 falar durante meia hora no seu "espaço de opinião" para se ter uma noção do que será o "consenso alargado" pedido pelo Presidente da República para governar o País.
Que Marques Mendes tenha a sua opinião e ela seja crítica em relação ao Governo, muito bem.
Nalguns aspectos até tem toda a razão.
Mas ao apresentar uns quadros comparando valores entre 2005 e 2010  entrou manifestamente em campanha eleitoral - campanha que ironicamente Mendes, na frase a seguir a classificar o governo do País nos últimos seis anos, como "deliquente político", aconselhou que seja "serena"... 
O homem não sabe qual era a situação em 2008, e o que se passou no final desse ano?
Escandalizado porque após meia hora de discurso o programa acabou sendo assim cortado o livre fluir da opinião de Marques Mendes quando tanto havia, certamente, para dizer, mudei de canal.
Em grande plano:
o Pacheco Pereira.
Mudei para outro:
Braga Gonçalves...
Há que cumprir rapidamente as instruções das agências de rating e por isso é desesperadamente necessário fabricar um "consenso" à medida do senhor Presidente da República.